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Showing posts from 2008

Guernica

Guernica Em 2003 Collin Powel foi às Nações Unidas apresentar “provas” da presença de armas de destruição em massa no Iraque, justificativa para a invasão que os Estados Unidos avisavam que fariam [e fizeram] com ou sem o apoio das Nações Unidas. De repente alguém nota que ao fundo, na sala onde Powell daria sua conferência de imprensa, estava uma reprodução em tapeçaria de um quadro famoso de Picasso: Guernica. O nome quadro se refere a uma cidadezinha do país Basco impiedosamente bombardeada por aviões alemães em ajuda às tropas franquistas durante a Guerra Civil. Guernica não era um alvo estratégico na concepção tradicional do termo, mas uma cidade significativa para os Bascos como Ouro Preto é significativa para Minas Gerais, de importância cultural e identitária. O bombardeio de Guernica foi o primeiro ensaio em uma tática que culminaria, ironicamente, com o bombardeio devastador dos aliados em Dresden, na Alemanha: sob o pretexto de abalar a moral do inimigo, levar o poder multip

2666

Já comentei que minhas leituras são quase sempre guiadas pelas minhas atividades acadêmicas – raramente leio o eu que quero, pelo puro prazer da leitura. Isso não significa que às vezes a gente consiga unir o útil ao agradável. Uma aluna me procurou para ser seu orientador na sua tese de bacahrelado e ela estava interessada em Roberto Bolaño, especialmente em 2666, seu último romance. Eu já conhecia um par de contos de Bolaño que eu achei muito bons e então aceitei na hora. Bolaño está com a bola tão cheia por aqui nos EUA que foi escolhido entre cinco romances para fazer uma lista de 10 livros mais importantes para o NYT. Agora cá estou eu, internado em casa com um bebê recém-nascido depois de uma tempestade de neve e com um mamute de mais de 1000 páginas para ler. Eis um trecho interessante, da página 62: “… Pelletier y Espinoza se descubrieron generosos aquella noche, y tan generosos se descubrieron que si llegan a estar juntos hubieran salido a celebrarlo, deslumbrados por el respl

Poetas Mexicanos - Gabriel Zaid

Nacimiento de Venus Así surges del agua, blanquísima, y tus largos cabellos son del mar todavía, y los vientos te empujan, las olas te conducen, como el amanecer, por olas, serenísima. Así llegas helada como el amanecer. Así la dicha abriga como un manto. Seguimiento, 1964 Nacimiento de Venus Así surges del agua, clarísima, y tus largos cabellos son del mar todavía, y los vientos te empujan, las olas te conducen, como el amanecer, por olas, serenísima. Así todo se aclara, como el amanecer, y se vuelve palpable el misterio del día. Práctica mortal, 1973

Nasceu Olívia

Olivia nasceu!!! Sobre ser pai pela segunda vez não há nada de articulado para dizer além dos lugares comuns que todo mundo sabe – então eu não vou dizer nada sobre o assunto. Vamos aos fatos: o parto foi diferente do Samuel mas tavez até mais difícil porque além de atado em um nó bem dado, o cordão umbilical estava enrolado [duas vezes] em volta do pescoço da Olívia - a pobrezinha querendo sair, a mãe fazendo uma bruta força, mas o cordão curto não dava linha. Faltando dois minutos de desconto para o final do segundo tempo e, com a ajuda de uma espécie de desentupidor de pia moderno, Olívia conseguiu sair ainda pelas vias naturais. Depois de assistir Letícia parir pela segunda vez, mais uma vez eu me curvo humildemente à força quase sobrenatural dessa mulher sensacional e tenho certeza que, se o ser humano fosse mesmo um animal racional, os maridos/pais machões estariam com os dias contados com o fim da era em que os pais fumavam charutos e andavam de lá para cá no corredor do hospit

Poesia Mexicana - Efrain Huerta

Companheiro muito menos conhecido de geração de Octavio Paz, para mim Efrain Huerta acertou a mão na obra madura, com os poemas curtos [que têm uma tradição respeitável no Brasil, mas eram muito “diferentes” para a poesia mexicana]: Desconcierto A mis Viejos Maestros De Marxismo No los puedo Entender, Unos están En la cárcel Otros Están En el poder. Con pasión Y así Le dije Con desolada Y cristiana Bondad: Desnúdate Que yo Te Ayudaré Idiot box Esta Declaración De amor Imposible Se destruirá En cinco Segundos Luz, más luz Es terrible Pero Cada día Son más claros Los intereses Más oscuros Ecología De la Ilusión A la Erosión No hay Más que Medio Siglo

Repente 4

[foto: filhos de meeiros no site http://newdeal.feri.org/] Dando seguimento ao repente com Sabina , retomo outra criatura sensacional [e geralmente muito incompreendida] dos contos de William Faulkner: Abner Snopes. Aqui ele termina de borrocar acintosamente com bosta de cavalo o tapete importado da sala do poderoso Major de Spain, onde ele vive uma vida de miséria como meeiro no Mississippi. Antes da Guerra Civil essas figuras conhecidas depreciativamente como "White Trash" valiam menos que os escravos que faziam todo o trabalho e eram propriedade valiosa dos senhores; agora estão todos na mesma situação mas a tensão racial continua. Abner quer ensinar ao seu filho [o protagonista do conto] alguma coisa sobre identidade de classe, mas o filho não aceita a lição do pai: "Seu pai não abrira mais a boca. E não abriu a boca de novo. Ele nem sequer olhou para ela. Apenas plantou-se rígido bem no centro do tapete, com seu chapéu na cabeça, as sobrancelhas cinza-ferro desgrenh

Viva México! - Muxes

Essa foto é de um Muxe de Juchitán no estado de Oaxaca no México. Eles são homens que sentem mulheres e se vestem assim, trabalhando geralmente em ofícios também tradicionalmente relacionados com as mulheres. Aí está uma prova de que a equação que se faz entre pobreza e preconceito sexual é equivocada.

Diário do Império - Antenado com a minha casa [BH]

Acompanho a vida no Brasil antes de tudo pela internet, um "lugar" estranho em que a [para mim tenebrosa] classe m é dia brasileira reina soberana, quase absoluta, com seus complexos, suas mediocridades e sua agressividade... Um conhecido, daqueles que ao inv és de ter um blogue que a gente visita quando quer, prefere um papel mais ativo, mandando suas "id éias" para os outros por e-mail, me enviou o texto abaixo, que eu vou comentar o mais sucintamente possível: resolvi a partir de amanh ã fazer um esforço e tentar, al ém do blogue, onde expresso minhas "id éias" passivamente, tentar me comunicar diretamente com as pessoas por carta... OS ALUNOS DE UNIVERSIDADES PARTICULARES DERAM UMA RESPOSTA; E A BRIGA CONTINUOU ... 1 - PROVOCAÇÃO INICIAL Estudar na PUC:............... R$ 1.200,00 Estudar no PITÁGORAS:..........R$ 1.000,00 Estudar na NEWTON:.....R$ 900,00 Estudar na FUMEC:............ R$600,00 Estudar na UNI-BH:........... R$ 550,00 Estudar na

Repente 1

Propus à Sabina Anzuategui um repente de citações e ela gostou da idéia. Ela postou um texto do Peter Handke e eu contrapostarei o final do conto "Barn Burning" de William Faulkner em uma tradução [infelizmente] ainda inédita feita por mim. O menino protagonista do conto acaba de denunciar seu próprio pai ao proprietário das terras onde eles vivem e foge correndo da fazenda. Faz isso quando percebe que o pai vai, mais uma vez, botar fogo em um celeiro como forma de revolta/protesto/vingança contra sua própria miséria e foge de casa. "À meia-noite ele estava sentado na crista de um morro. Ele não sabia que era meia-noite e não sabia o quanto havia caminhado. Mas já não havia clarão atrás e ele estava sentado, com as costas para o que ele chamara de qualquer maneira lar ainda que por quatro dias, seu rosto apontado para a mata escura onde ele entraria quando recuperasse o fôlego, pequeno, tremendo com regularidade no frio da escuridão, abraçando-se com os braços metidos d

Ainda nos mares - um poema meu

Nós vamos afundar Nós vamos afundar devagar até o fundo da garrafa e lá vamos nos encontrar transformados em bestas de corpo fosforescente, criaturas vivendo sem luz, no fundo mais fundo, submersos no lodo, sem olhos para abrir e ver, só um par de antenas cravadas no couro velho e duro. E, no momento mais agudo, esses monstros lá de baixo vão nos mastigar devagar e, como nossas irmãs, as hienas, vão nos enterrar na areia e voltar para comer o resto mais tarde. Mas um corpo morto é um copo deitado, não segura mais nada; aberto para o mundo, não se fecha nunca mais. Ah, nós vamos afundar devagar, e vai ser bom demais. Porque lá no fundo a felicidade vai estar nos esperando com a boca aberta, macia, sem dentes, pronta para nos engolir sem mastigar. Ah, vai ser bom demais. Nós vamos afundar agora, juntos.

Ainda nos mares do sul - JMW Turner

Em 1840 Turner exibiu em público pela primeira vez esse quadro [clique na imagem para ver melhor, vale a pena] pelo qual ele seria execrado, “Slavers Throwing Overboard the Dead and Dying: Typhoon Coming On”. Até esse longo nome do quadro mereceria gozações e paródias, mas hoje há quem pense que esse é o quadro mais importante da pintura inglesa do século XIX. O primeiro “defeito” desse quadro para os contemporâneos de Turner é que o tema escolhido vai provocativamente no sentido contrário do orgulho inglês pelo seu papel na luta pela extinção do tráfico de escravos que continuava a levar milhares de africanos para as Américas: o quadro se refere a um evento perto da Jamaica em 1871 quando o capitão inglês Luke Collingwood atirou ao mar 132 africanos, ainda vivos em sua maioria, do navio negreiro inglês “Zong” no mar para defender os interesses de seus patrões de Liverpool, já que o seguro não os indenizaria no caso de morte por doença mas apenas no caso de “death by the sea”. Repare

Poema de José Emilio Pacheco

José Emilio Pacheco é um dos poetas mais importantes das letras em espanhol hoje em dia e um prosista maravilhoso também. Adoro esse seu poema, simples e contundente, em que ele reflete sobre a natureza por um viés, digamos, incomum, enxergando no mundo natural não um reflexo de harmonia e justiça, mas das misérias do mundo humano. Los mares del sur Felicidad de estar aquí en esta playa aún sin Milton ni Sheraton. Arena como al principio de la creación, victoria de la existencia. Mira cómo salen del cascarón las tortuguitas. Observa cómo avanzan sobre la playa ardiente hacia el mar que es la vida y nos dio la vida. Prueba esta agua fresquísima del pozo. No comeremos ni siquiera almejas por no pensar en nada que recuerde la muerte. Los paraísos duran un instante. Llegan las aves, bajan en picada y hacen vuelos raspantes y se elevan con la presa en el pico: las tortugas recién nacidas. Ya no son gaviotas: es la Luftwaffe sobre Varsovia. Con que angustia se arrastran hacia la orilla, víct

Recordar é viver - Editorial da Folha de São Paulo de 1971

"Como o pior cego é o que não quer ver, o pior do terrorismo é não compreender que no Brasil não há lugar para ele. Nunca ouve. E de maneira especial não há hoje, quando um governo sério, responsável, respeitável e com indiscutível apoio popular, está levando o Brasil pelos seguros caminhos do desenvolvimento com justiça social - realidade que nenhum brasileiro lúcido pode negar, e que o mundo todo reconhece e proclama. O país, enfim, de onde a subversão - que se alimenta do ódio e cultiva a violência - está sendo definitivamente erradicada, com o decidido apoio do povo e da imprensa que reflete o sentimento deste." Octávio Frias de Oliveira, 22 de setembro de 1971

Diário do Império - Wall Street, Manhattan versus the Ninth Ward, New Orleans

Republicanos ou democratas propõem 600 bilhões, 700 bilhões, 800 bilhões para salvar Wall Street do desastre em que se meteu a partir do momento em que teve total liberdade para fazer o dinheiro com mais dinheiro, sem produzir nada além de dívidas e consumo. E ai de quem faça qualquer objeção ou reparo. Enquanto isso em New Orleans, três anos depois da barragens se romperem por negligência com a chegada do furacão Katrina… as pessoas continuam morando em barracas, morando em trailers precários ou nem morando [há quem diga que 40% da população da cidade ainda não voltou, e provavelmente não vai votar nunca mais].

Langston Hughes - Dream Deferred

What happens to a dream deferred? Does it dry up like a raisin in the sun? Or fester like a sore-- And then run? Does it stink like rotten meat? Or crust and sugar over-- like a syrupy sweet? Maybe it just sags like a heavy load. Or does it explode?

Tradução, sacação, traição

Deu na Folha de São Paulo: Roberto Domênico Proença "traduziu" os contos de Voltaire - trocando uns detalhes aqui e outros dali de uma tradução antiga de Mário Quintana. A troca era pura crocodilagem - os erros contidos na tradução do poeta gaúcho continuaram. A Martin Claret, editora especializada em livros de bolso, publicou traduções igualmente plagiadas de "Os Irmãos Karamazov" e "A República". A primeira, assinada por Alexandre Boris Popov, é cópia de uma antiga versão da editora Vecchi. A tradução de "A República", assinada por Pietro Nassetti, é, na verdade, uma versão de Maria Helena da Rocha Pereira. Essa história de tradução requentada é antiga. Eu perdi o respeito intelectual por um grande poeta [que continuo respeitando muito como poeta] quando percebi que uma das suas "traduções" eram assim mesmo, muito entre aspas. As pessoas se fiam muito na ignorância geral da nação para fazer bonito, mas esse tipo de impostura prol

Línguas Ferinas - Borges y Bioy Casares

Estou lendo o mastodonte de mais de 1500 páginas com os trechos dos diários Adolfo Bioy Casares sobre Jorge Luis Borges. Como esperado, a fofoca maledicente corre solta no livro e confesso que às vezes me sinto até um pouco sem graça de estar compartilhando assim a intimidade embaraçosa dos dois. Um pequeno exemplo: Jueves, 25 de octubre [1956]. Borges me dice: “Le dieron el Premio Nobel a Juan Ramón Jiménez”. Bioy: “Qué vergüenza…”. Borges: “… para Estocolmo. Primero a Gabriela [Mistral], ahora a Juan Ramón. Son mejores para inventar a dinamita, que para dar premios”. [232] Outro exemplo: Sábado, 25 de mayo [1957] “Comentamos títulos absurdos. Recuerdo Libertad Bajo Palavra de Octavio Paz: ‘A continuación del título vigoroso, poemas deshilachados. Pero no agradables, no vayas a creer: en cuanto asoma la posibilidad del agrado, el poeta reacciona, no se deja ganar por blanduras, y nos asesta una vigorosa, o por lo menos, incómoda, fealdad. Así cree salvar su alma’.” [277] Mais um, agor

Poesia Mexicana - Xavier Villaurrutia

Xavier Villaurrutia [1903-1950] dá nome a um dos prêmios literários mais respeitados do México, é mais um dos poetas venerados no México mas pouco conhecidos for a dele [coisa que o Brasil e o México têm em comum]. O resto o poema abaixo explica. POESÍA Eres la compañía con quien hablo de pronto, a solas. Te forman las palabras que salen del silencio y del tanque de sueño en que me ahogo libre hasta despertar. Tu mano metálica endurece la prisa de mi mano y conduce la pluma que traza en el papel su litoral. Tu voz, hoz de eco es el rebote de mi voz en el muro, y en tu piel de espejo me estoy mirando mirarme por mil Argos, por mí largos segundos. Pero el menor ruido te ahuyenta y te veo salir por la puerta del libro o por el atlas del techo, por el tablero del piso, o la página del espejo, y me dejas sin más pulso ni voz y sin más cara, sin máscara como un hombre desnudo en medio de una calle de miradas.

Diário do Império - Get Out The Vote

Assisti ontem a uma palestra interessante em que os métodos “científicos” de pesquisas e campanhas eleitorais foram impiedosamente criticados como charlatanice pura. Donald Green, que deu a palestra, escreveu com Alan Gerber um livro sobre o assunto chamado Get Out the Vote - a ênfase num país em que o voto não é obrigatório é compreensivelmente fazer o máximo número de pessoas que apoiam seu candidato a sairem de casa e irem votar [ou votar pelo correio, coisa mais ou menos comum por aqui]. A eficiência de coisas como chamadas telefônicas eletrônicas, correio, e-mails, propagandas na TV é posta em dúvida por Greer. Quando comparados a grupos de controle os resultados são quase que invariavelmente pífios e os marqueteiros revelam-se como enganadores que fingem eficiência e precisão para poder vender mais do seu peixe. O que Green cita como fator capaz de influenciar as coisas em uma campanha? Um acompanhamento próximo com mais de uma visita pessoal ao provável eleitor [uma coisa cara

Clássicos da MPB

Chega de Boa Esperança, Minas Gerais, uma carta apaixonada de Nair Pimenta de Oliveira, pedindo fortografias para um álbum de recordações. Lamartine Babo se corresponde com a fã apaixonada por um ano, até que esta interrompe as cartas porque ia se casar. Tempos depois Lamartine é convidado para ir à Boa Esperança e quer conhecer a fã apaixonada. Mas não existia nenhuma Nair na cidade – quem lhe escrevia era o próprio homem que o convidara, um dentista colecionador de fotos de celebridades. Lamartine compôs então uma de suas mais belas canções, "Serra da Boa Esperança", interpretada em 1937 por Francisco Alves. Serra da Boa Esperança Serra da Boa Esperança, esperança que encerra No coração do Brasil um punhado de terra No coração de quem vai, no coração de quem vem Serra da Boa Esperança meu último bem Parto levando saudades, saudades deixando Murchas caídas na serra lá perto de Deus Oh minha serra eis a hora do adeus vou me embora Deixo a luz do olhar no teu luar Adeus Levo n

Onde o filho chora e a mãe não ouve - Primeira parte

A moça que limpava e arrumava a casa não vem mais e não há ninguém para reclamar de volta o que antes a natureza tomava e aparentemente deixava reconquistar, mas que agora, depois de dois meses, se entrega por completo: tufos de mato brotam das rachaduras do piso, musgo e mofo crescem pelos cantos das paredes e insetos de vários tamanhos e formatos atravessam cada vez menos aflitos distâncias cada vez maiores, fazendo e desfazendo a descoberto suas transações misteriosas. Tudo aqui parece indicar que a história não pára, mas nessa casa o tempo está curiosamente em suspensão: passado e futuro se acumulam em camadas sucessivas sobrepostas a um presente cada vez mais impreciso e obscuro. São 6 árvores ao todo, plantadas há muito tempo, perto demais umas das outras, amontoadas como que aleatoriamente no espaço exíguo do quintal, confinadas por muros altos que tentam esconder inutilmente três prédios imensos, dois deles colados na divisa do terreno, mastodontes de mais de 20 andares sem gar

Diário do Império - Obama nas alturas!

Ainda sobre a questão das expectativas sobre o Obama gostaria de chamar a atenção para um dado fundamental: a eleição de Obama vem acompanhada de uma vitória expressiva dos democratas no senado e na câmara. Isso é algo que nem FHC nem Lula tiveram e, pelo jeito, não tão cedo um presidente brasileiro terá. As limitações, as concessões, a "falta de agressividade" da agenda política de um presidente num processo democrático estão ligadas às relações dele com o congresso e muitas das frustrações causadas pelos últimos governos brasileiros estão ligadas a necessidade de trabalhar com congressos que representam em grande medida interesses inconfessáveis – mas precisamos não esquecer que esses são congressos legítimos, eleitos pelo voto livre. A democracia frustra algumas pessoas porque não entrega ao mandatário um poder desmesurado de fazer qualquer coisa que ele queira. Isso é fonte de frustração porque ainda esperamos que o presidente seja um imperador e decrete sumariamente o fi

Arte de Letícia Galizzi e poema de Paulo Moreira

Mash-up 4 – Robert Browning Ele fez essa carne de gente, essa bolha inflada, essa massa socada que engarrafa e gruda no chão da terra essa alma humana, bafo da boca dEle, vaporosa vertigem de cinza e nada. Ele faz aparecer nessa mesma massa de carne esses picos e rachaduras por onde esse vapor engenhoso, esse fogo esbelto, essa música delgada, essa coluna de silêncio puro, esse rio assombroso que se levanta do leito e flui pelos ares, que escapa assim de volta à fonte, sempre um pouco antes da hora. Isso e tudo mais nesse inferno que é o artesanato Seu aqui na terra me aparece assim: torcido e torneado com tinta que escorre da Sua boca e se condensa no papel jornal de um livrinho vagabundo jogado num canto cheio de entulho sobre-humano. Formigueiros crescendo dentro de uma caixa de ferro: Ele nos quer assim: sem caber dentro.

Diário do Império - Eleições 3

Obama ganhou e o mesmo tipo de esperança eufórica que aconteceu no Brasil com a primeira eleição de Lula se espalha pelos Estados Unidos. Mas aqui há uma diferença fundamental: o partido democrata tem agora uma maioria sólida no senado e na câmara. Mas também não custa lembrar que o democrata Lyndon Johnson [vice de Kennedy que o substituiu em 1963] ganhava com uma maioria ainda mais estrondosa do ultra-conservador Barry Goldwater, que ganhou apenas 6 estados. Acho que qualquer brasileiro sabe o que aconteceu em 1964 e como foi a atuação do governo americano. Um resumo do governo de Lyndon Johnson: consolidar a luta pelos direitos civis e o fim do apartheid americano em casa e Vietnã lá fora.

Diário do Império - Eleições 2

Meu filho de 7 anos "votou" hoje na escola, onde, ele me disse, Obama ganhou por larga margem. Eu não gosto de ficar falando de política com meu filho - nessa idade ele apenas repetem o que a gente diz sem muita reflexão e tento não ceder à vaidade de ver meu discurso político na boca de um menino de 7 anos, mas neutralidade tem seus limites. O debate "político" do Samuel aconteceu, portanto, na escola dele, e durante o fim de semana, enquanto a gente dava uma volta juntos - ele chupando um geladíssimo picolé do Homem Aranha numa tarde para mim gelada [menos de 10 graus], ele me explicou que ambos candidatos "tinham coisas ruins e coisas boas": que Obama queria a paz enquanto McCain queria guerra, mas que Obama "tirava dinheiro das pessoas e dava para o governo" e McCain não fazia isso. Ele me perguntou o que eu achava. Eu disse que não gostava de guerra e por isso preferia que o Obama ganhasse, mas que eu não podia votar porque era estrangeiro,

Diário do Império - Eleições

Eu cada vez mais gosto do sistema distrital de eleições - quem quiser ter uma idéia de como a coisa funciona pode conferir esse mapa muito interessante do New York Times, onde dá para ver estado a estado, distrito a distrito, como anda a briga entre democratas e republicanos: http://elections.nytimes.com/2008/congress/house.html Já o sistema de colégio eleitoral para eleição para presidente é uma bela porcaria. Todos os votos de um estado vão para um dos lados, não importando quantos votos o lado perdedor teve [perder com 49% ou com 2% dá quase na mesma]. Isso faz com que a eleição seja disputada basicamente onde as campanhas acham que têm chancer de ganhar [Flórida, Virgínia, etc] e bastante morna onde as coisas estão, de acordo com as pesquisas, resolvidas [ah, as pesquisas...]. http://elections.nytimes.com/2008/president/whos-ahead/key-states/map.html

Personagens Secundários Memoráveis - Goodhue Coldfield [e Rosa Coldfield]

He had closed his store permanently and was at home all day now. He and Miss Rosa lived in the back of the house, with the front door locked and the front shutters closed and fastened, and where, so the neighbors said, he spent the day behind one of the slightly opened blinds like a picquet on post, armed not with a musket but with the big family bible in which his and his sister's birth and his marriage and Ellen's birth and marriage and the birth of his two grandchildren and of Miss Rosa, and his wife's death (but not the marriage of the aunt; it was Miss Rosa who entered that, along with Ellen's death, on the day when she entered Mr. Coldfield's own and Charles Bon's and eve Sutpen's) had been duly entered in his neat clerk's hand, until a detachment of troops would pass: whereupon he would open the bible and declaim in a harsh voice even above the sound of the tramping feet, the passages of the old violent vindictive mysticism which he had already ma

Um soneto de um poeta genial - Tablada

A un Lémur (Soneto sin ripios) GO ZA BA YO A BO GO TA TE MI RE Y ME FUI

Diário da Babilônia - Eleições 2

Além do fato de que as pessoas aqui se preocupam primordialmente em mobilizar as pessoas para votar [ou às vezes simplesmente tentar impedir certos grupos de votar], a política americana difere da brasileira pela polarização regional dos partidos. Os republicanos dominam certos estados e os democratas outros, sobrando um punhado de estados que oscilam a cada eleição. Por causa disso, o estado em que vivo tem uma campanha presidencial morna, já que é considerado favas contados para Obama. Um exemplo dessa situação: aqui em Connecticut podemos ver o último deputado republicano da Nova Inglaterra [Maine, New Hampshire, Vermont, Massachusetts, Rhode Island e Connecticut], Chris Shays, perder seu mandato para um democrata nessas eleições. Aliás, que porcaria é o sistema de colégio eleitoral que vigora nos EUA, mas que beleza são as eleições distritais, que põe os deputados numa relação bem mais próxima com seus eleitores diretos… E para os que acham que tudo aqui são coerências, informo que

Diário da Babilônia - Eleições

Assisti ontem a uma palestra interessante em que os métodos “científicos” de pesquisas e campanhas eleitorais foram impiedosamente criticados como charlatanice pura. Donald Green, que deu a palestra, escreveu com Alan Gerber um livro sobre o assunto chamado Get Out the Vote - a ênfase num país em que o voto não é obrigatório é compreensivelmente fazer o máximo número de pessoas que apoiam seu candidato a sairem de casa e irem votar [ou votar pelo correio, coisa mais ou menos comum por aqui]. A eficiência de coisas como chamadas telefônicas eletrônicas, correio, e-mails, propagandas na TV é posta em dúvida por Greer. Quando comparados a grupos de controle os resultados são quase que invariavelmente pífios e os marqueteiros revelam-se como enganadores que fingem eficiência para vender seu peixe. O que Greer cita como fator capaz de mudar as coisas? Um acompanhamento próximo com mais de uma visita pessoal ao provável eleitor [uma coisa cara e difícil de fazer com profissionais] e a press

Arquivo de inconstâncias

Há uns 6 anos atrás li Gregório de Mattos de trás para frente e, no final das contas, além de um trabalho bastante meia-bomba que nunca mais vai sair da gaveta, fiz esse poema-ventríloquo sobre “Boca do Inferno”, um poeta que representa, para mim, a matriz do rancor do que seria muito tempo depois de uma boa parte da classe média brasileira, um rancor raivoso provocado pelo sentimento [completamente equivocado na minha opinião] de ser melhor que o país em que se vive. Gregório de Mattos é um grande escritor e um grande escritor transforma em ouro qualquer coisa, até mesmo a mesquinharia de classe e raça: Arquivo de inconstâncias Para Ignácio Ruiz Caí de vertigem em verso 1 até o fundo preto do tacho ferventando esse caldo macho onde a cana ferve perversa com o que havia de ser essa merda 5 que atende pelo nome Brasil – essa puta que me pariu e que não larga a minha boca que fede ao suor dessa louca tesão de eu ser também o anti- 10 Brasil. E confesso que fui o que fui manc

E agora, Guimarães? A rose is a Rosa is a rose?

Um canadense interessado no assunto me pediu uma opinião sobre a tradução para o inglês de Grande Sertão: Veredas. Eu não quis explicar em termos gerais; achei que era melhor simplesmente tomar um trecho da tradução e fazer uma avaliação detalhada. Escolhi o óbvio, a abertura do livro. A abertura do livro no original: Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não, Deus esteja. Alvejei mira em árvore, no quintal, no baixo do córrego. Por meu acerto. Todo dia isso faço, gosto; desde mal em minha mocidade. A tradução para o inglês: It’s nothing. The shots you heard were not men fighting. God be praised. It was just me there in the back yard, target shooting down by the creek, to keep in practice. I do it because I enjoy it; have ever since I was a boy. Os comentários [estão em inglês porque eu não ganho dinheiro escrevendo blogue, mas acho que dá para entender]: 1. Nonada is old Portuguese; it means trifles. The translator explains the term in standard English instead o

Soneto da fúria (uma constatação e um pedido)

Porém meu ódio é o melhor de mim A minha fúria só viu pasto de onde come a sua ira, que à distância zero parecia merda pura, contra a qual achava que lutava a luta justa. Injusta e errada – eu assumo – (não é pura, a merda, nem é tudo) é ainda a minha mesma fúria o motor maior que me comove. Que a minha fúria, com a sua crosta, açucarado rancor profundo repetente na sua sina pobre de chocar o medo em sua cova, não me impeça a comunhão com o mundo.

Fartura de Curtura

Manchetes listadas como link “Cultura” na página online do jornal O Globo nos últimos três dias: Dia 1 * Morre autor da lista de astros que se vestem mal * 'High School Musical 3' chega aos cinemas esta semana * Tatuagem nas costas de músico é vendida por US$ 200 mil Cultura Dia 2 * Zaha Hadid assina sapato para Lacoste * Homem de L.A. se diz inocente de pirataria do Guns N' Roses * Grupo RBD lançará uma coletânea de grandes sucessos Dia 3 * Festival de Cinema de Roma homenageia Al Pacino * Mendigo encontra cabeça de cera de Paul McCartney * Aumentam boatos sobre caso entre Madonna e jogador de beisebol

Voltaire e McCain

Antes de eleger Bush pela segunda vez, 53% dos americanos achavam que Saddam estava diretamente envolvido no atentado de 11 de setembro. Esse tipo de insanidade coletiva promovida pelo partido republicano está se repetindo com relação a Obama, com a mensagem de que ele é amigo de terroristas e muçulmano. Uma coisa me chamou a atenção quando vi os videos em que John McCain parece ter um momento de lucidez e decide tentar contrapor essa insanidade que sua campanha vem alimentando contra Obama num país em que, ainda por cima, a violência política e racial não é brincadeira [Lincoln e Kennedy não foram os únicos presidentes americanos assassinados e o número de linchamentos nos Estados Unidos era maior que cem até 1900 e maior que 50 até 1922]. Uma velhinha diz a McCain “ele é árabe” e McCain responde “Não, senhora. Ele é um homem decente.” Esse foi o momento de “humanidade” de McCain? Ser árabe ou muçulmano [pelo amor de Deus, quando é que vão aprender que não é a mesma coisa] significa n

Personagens menores e memoráveis de Guimarães Rosa: Don'Ana

"Don’Ana do Janjão e Janjão da Don’Ana são respectivamente esposo e esposa, e, pois, co-proprietários da fazenda da Panela-Cheia. Janjão da Don’Ana é um paspalhão, e não conta. Mas Don’Ana do Janjão é uma mulher-homem, que manda e desmanda, amansa cavalos, fuma cachimbo, anda armada de garrucha, e chefia eleitorado bem copioso, no município."

Abobrinhas a propósito da lei seca, dos cristãos novos, dos escravos que nunca vieram e dos países independentes ma non troppo

Aconteceu o que sempre acontece: primeiro, o impacto de uma lei draconiana que proíbe terminantemente qualquer motorista de beber qualquer quantidade de bebida; depois, uma fiscalização inversamente proporcional à rigidez da lei; finalmente a “surpresa” decepcionada com o aumento dos acidentes de trânsito. Descobri essa nossa matriz profunda da nossa cultura política quando li que o rei de Portugal resolveu simplesmente acabar com a questão judaica no império através de um decreto que simplesmente convertia todo o mundo compulsoriamente. “Pronto; agor a ninguém mais é judeu e acabou-se o nosso problema.” Continuamos até hoje de decreto em decreto “resolvendo” nossas questões sumariamente “para inglês ver” [expressão aliás cunhada para descrever um exercício de ficção legal perpetrado por um império, aliás, já sumariamente brasileiro, por decreto]. Mas vá você fazer piadas com a família de alguém que morre atropelado por alguém que dirije encarando as leis de trânsito como esse mesmo ci

Poesia Prosaica Minha: Uma gota de fenomenologia

Uma coisa é a coisa que a gente vive nos ossos, nos nervos, na carne e na pele; aquilo que chega e esfria ou esquenta o sangue do caboclo. Outra coisa bem outra é assistir essa mesma coisa mais ou menos de longe. Nem a mãe de um caboclo que passa fome sabe o que é passar fome do jeito que o caboclo que passa fome sabe. A mãe sabe outra coisa, que é o que é ser mãe de um caboclo que passa fome. Isso nem o caboclo sabe: o que ela sabe é dela só, diferente do caboclo e diferente do médico que recebe o tal caboclo e a mãe dele no hospital. O médico sabe da fome do cabloco de um outro jeito porque ele já ficou mais longe daquela fome um tanto mais que a mãe e outro tanto bem mais que o caboclo. O jeito que o médico sabe da fome daquele caboclo pode ser mais ou menos só dele ainda, mas isso só se ele pôr muito reparo no caboclo e na mãe dele. O que geralmente atrapalha o médico é que ele geralmente acha que sabe mais da fome do caboclo que o próprio caboclo e a mãe do caboclo e por isso ele

Diário da Babilônia – um pequena provocação

Quando se discute a educação superior no Brasil, especialmente o debate entre educação pública e privada, me espanta a desinformação [que eu não sei se é intencional ou não] a respeito do sistema Americano, onde trabalho. Deixo aqui apenas dois dados provocativos: 1. A maior parte do sistema universitário americano é pública, instituições financiadas pelos estados e mesmo minicípios. 2. Yale, assim como todas as outras universidades privadas de maior destaque nos Estados Unidos, fornece algum tipo de auxílio financeiro a 49% dos seus alunos de graduação. Qualquer família que ganhe menos de 60.000 dólares por ano não precisa pagar um tostão para seu filho estudar aqui [se ele conseguir uma vaga – menos de 10% dos candidatos entra]. A universidade agora cogita, inclusive, deixar de cobrar mensalidades de todos os alunos indistintamente [isso não é filantropia ianque: o pagamento de mensalidades representa apenas 17% da renda da universidade]. Quem quiser saber um pouco mais sobre a

Poesia Mexicana - Jaime Sabines

¿Qué putas puedo hacer con mi rodilla, ¿Qué putas puedo hacer con mi rodilla, con mi pierna tan larga y tan flaca, con mis brazos, con mi lengua, con mis flacos ojos? ¿Que puedo hacer en este remolino de imbéciles de buena voluntad? ¿Que puedo con inteligentes podridos y con dulces niñas que no quieren hombre sino poesía? ¿Que puedo entre los poetas uniformados por la academia o por el comunismo? ¿Que, entre vendedores o políticos o pastores de almas? ¿Que putas puedo hacer, Tarumba, si no soy santo, ni héroe, ni bandido, ni adorador del arte, ni boticario, ni rebelde? ¿Que puedo hacer si puedo hacerlo todo y no tengo ganas sino de mirar y mirar? Tarumba, 1956

Pase Libre / Crónica de una fuga

O cineasta Adrián Caetano tomou o livro de memórias de Claudio Tamburrini e fez o melhor filme até hoje sobre a repressão das ditaduras militares latino-americanos na “guerra suja”. O filme Crónica de una fuga, baseado em Pase Libre é uma lição sobre muitas coisas importantes sobre o que poderíamos chamar de período pós-atrocidades na América Latina. Por exemplo, sobre o que Adorno, falando da arte pós-holocausto, dizia ser a necessidade de falar de “meaning and truth and suffering that neither deny nor affirm the existence of a world transcendent to the one we know” e do que ele chamava de um novo imperativo categórico, que é “arrange their thought and action that Auschwitz would not repeat itself, [that] nothing similar would happen”. Acho que o final do livro ilustra o que eu estou dizendo. O protagonista está num carro, livre e reflete: “Estoy inmensamente feliz. Siento que mi vida y mi destino me pertenecen. Y me imunda un optimismo desbordante sobre el futuro. Después de At

O menor livro do mundo [em sete capítulos]

Andam fazendo de tudo de para popularizar a leitura no leitor: videoclip de livro, trailer de livro, até "Copa de Literatura" já inventaram. Quero dar a minha contribuição com uma idéia que certamente aumentará dramaticamente o número de livros lidos per capta no Brasil: o micro-livro, que você compra por R$1, cabe no bolso da camisa, e pode ser lido em 1 minuto. Eis aí minha primeira obra, ainda sem título [Quem sabe, "História de Tudo no Mundo"?]: 0. Primeiro aniversário Mal abre a boca o sujeito. 1. Fenomenologia em gota Se fica alegre, é a cachaça. 2. E pur si muove Duas muletas, as dele: a ciência e a fé. 3. Dialética da corrupção moralista Crio dificuldade hoje; vendo facilidade amanhã. 4. Escreveu, não leu... Emprestava ao diabo a alma dos outros. 5. Extrema Unção Deus e Diabo, juntos desligaram meu relógio. 6. O sol se apaga depois do Apocalipse A Terra e a Lua, enfim, sós.

Masturbação Mental Também é Cultura 2

Às vezes me parece que o mundo dos adultos se divide cada vez mais entre aqueles que adoram as crianças como se fossem semi-deuses ou seres humanos superiores e aqueles outros que acham as crianças estúpidas e simplesmente insuportáveis. Eu tenho um filho de 7 anos que eu admiro sem reservas nem senso crítico e, portanto, pertenceria certamente ao primeiro grupo, mas tenho muitas reservas quanto à idealização da infância. A infância é fascinante, rica, livre de algumas amarras das quais os adultos padecem, mas daí a transformar isso em uma bondade inata... Acho um exagero quando as pessoas acham que qualquer criança é sempre boa simplesmente porque é pura e inocente – puro ou impuro, inocente ou experiente, o ser humano é um ser freqüentemente vil [e ocasionalmente maravilhoso] e as crianças são seres humanos! Um exemplo recente do noticiário: um menino de 7 anos invadiu um zoológico e em 35 minutos matou brutalmente vários animais no centro de répteis de Alice Springs na Austrália. O

Cansado

Aqui está um traço da mancha da espuma da baba do verso raivoso, escrito no meu travesseiro, num pesadelo: o som abafado do osso esmagado por entre os ferros da porta do carro que arde no fogo; esvai-se o corpo em fumaça e em um punhado de cinza que o vento carrega do chão e a chuva retorna fundida na lama que o sol do meu sonho resseca num pó preto, amargo e fino, que irrita a garganta e desce ao pulmão. Como é que vem cá, no meio do sonho, e amarra a sua égua o velho cansado que espera o futuro aqui dentro, no centro no meio de mim? 3 dias dormindo depois das 4 da manhã e levando no máximo às 9 e meia, resolvi reescrever esse pequeno poema, agora em prosa. Antes ele era assim: Cansado Aqui está um traço da mancha da espuma da baba do verso raivoso , escrito no meu travesseiro, num pesadelo: o som abafado do osso esmagado por entre os ferros da porta do carro que arde no fogo; esvai-se o corpo em fumaça e em um punhado de cinza que o vento carrega d

O rei está nú!

"Quizás indignará a algunos hacer notar el paralelismo entre el pensar paciano y el cantinfleo. En Paz la dicotomía se resuelve en la eufonía; critica códigos con una dialéctica que empareja los opuestos, distendiéndolos. Cantinflas falla al rehacer (repetir) el discurso preexistente, ¡lo revuelve!, lo hace bolas, pedazos, lo vuelve incoherente; Paz logra rearticular los discursos preexistentes, los hace elocuentes, los reimagina, los embellece. Es Cantinflas corregido y estetizado." - Heriberto Yépez

Goya 2 - Caprichos

Segunda lição de Goya: olhar o inferno de frente, mesmo o inferno dentro da gente.

Goya 1 - Desastres da Guerra

Lição de Goya: olhar o inferno de frente, sem virar a cara.

O mal ator de suas emoções

O mal ator de suas emoções Julio Torri [1889-1971] E ele chegou à montanha onde vivia o ancião. Seus pés estavam ensangüentados por causa das pedras no caminho e o brilho dos seus olhos manchado pelo desalento e pelo cansaço. - Senhor, sete anos se passaram desde que vim pedir-lhe conselho. Os varões dos mais remotos países louvavam sua santidade e sua sabedoria. Cheio de fé escutei as suas palavras: “ouve a teu próprio coração, e o amor que tenhas por teus irmãos não ocultes.” E desde então não encobria minhas paixões aos homens. Meu coração foi para eles como guia em águas claras. Mas a graça de Deus não desceu sobre mim. As mostras de amor que dei a meus irmãos, eles as tomaram por fingimento. E veja então como a solidão obscureceu o meu caminho. O ermitão o beijou três vezes na testa; um leve sorriso iluminou a sua face e ele disse: - Encobre o amor que tenhas a teus irmãos e dissimula tuas paixões ante os homens, porque és, meu filho, um mal ator de tuas emoçõ

Coração de Cachorro

[Esse post eu dedico para nosso querido Totó, atualmente vivendo em um sítio muito, muito longe daqui.] Cachorros são sobreviventes natos, acima de tudo. Eu adoro um romance de um russo [Bulgakov] chamado "Heart of a Dog" [não sei se foi traduzido para o português] que ele abre com a "voz" de um cão abandonado nas ruas de Moscou no inverno. Um cozinheiro tinha jogado água fervendo para espantar o pobre do cão e uma hora o cão diz assim: "My side hurts dreadfully, and I can see my future quite clearly: tomorrow I’ll have sores, and, I ask you, what am I going to cure them with? In summertime, you can run down to Sokolniki Park. There is a special kind of grass there, excellent grass. Besides you can gorge yourself on free sausage ends. And there’s the greasy paper left all over by the citizens – lick it to your heart’s content! And if it weren’t for that nuisance who sings “Celeste Aida” in the field under the moon so that your heart sinks, it would be altogethe
Chegou “Wait till I get him back He won’t have a back to scratch” Fiona Apple Lá vem vou entornar o caldo de novo eu sei vou perder de novo meu tempo eu sei de novo esse inferno todo eu sei mas não adianta falar não adianta dar conselho nem correr adianta agora nem se eu pular pela janela a pé agora não adianta mais nada eu estou a pé. Eu sei como é a fome dói aqui em cima e aí vai subindo uma dor nos quartos e aí vai os olhos e ouvidos se fecham e aí a boca vai se abrindo num grito medonho que eu sei espanta todo mundo que eu amo eu sei vai embora quem presta quem vale a pena vai e eu sei só ficam aqui do meu lado nesse buraco que eu mesmo cavei meus piores amigos quem é ainda pior que eu mas agora foi-se azeite. Eu não resisto eu quero tanto eu não consigo eu não sei resistir não sei sair disso sair daqui sair de mim eu não sei não ser incondicional me perdoa meu bem mas eu não sei. Lá vem subindo quente rio acima constante

Pinturas de Leticia Galizzi 2

Obs. Clique na imagem para ver a foto maior.

José Emilio Pacheco

Manifiesto Todos somos “poetas de transición”: La poesía jamás se queda inmóvil. [Irás y no volverás, 1973]

Diário do Império - Mercado Livre

Um desabafo curto e grosso: O curioso é que agora eu vivo em uma economia estatizada pelos papas do livre mercado! Os republicanos são sensacionais: defendem a liberdade e a não-intervenção do estado quando se trata de cercear lucros [por exemplo, quando se trata do salário mínimo, considerado uma intervenção indevida no mercado livre], mas agora estatizam [e portanto socializam] os prejuízos do mercado financeiro. A conta vai ficar em mais ou menos 700 bilhões de dólares, isso para um estado que já está mais que afundado em déficits gigantescos por causa das guerras e dos cortes nos impostos que esse safados inventaram nos últimos anos! Enquanto isso, os palhaços que são os responsáveis diretos por essa crise tiram férias nas Bahamas e riem da nossa cara: entre 2001 e 2006 Jimmy Cayne do Bearn Stearns [primeiro gigante que afundou nessa crise] ganhou a bagatela de 156 milhões de dólares entre salários e outros “incentivos”.

Mash-up 4 – Robert Browning

Ele fez essa carne de gente, essa bolha inflada, essa massa socada que engarrafa e gruda no chão da terra essa alma humana, bafo da boca dEle, vaporosa vertigem de cinza e nada. E Ele faz aparecer nessa mesma carne esses picos e rachaduras por onde esse vapor engenhoso, esse fogo esbelto, essa música delgada, essa coluna de silêncio puro, esse rio assombroso que se levanta do leito e flui pelos ares, que escapa assim de volta à fonte, sempre um pouco antes da hora. Isso e tudo mais nesse inferno que é o artesanato Seu aqui na terra me aparece assim: torcido e torneado com tinta que escorre da Sua boca e se condensa no papel jornal de um livrinho vagabundo jogado num canto cheio de problema sobre-humanos. Formigueiros crescendo dentro de uma caixa de ferro: Deus nos quer assim: sem caber dentro.

Música "pópi" 2

Mais pérolas da tal matéria sobre música: • “das bandas mais heterodoxas do rock atual” Será que eles comem carne de porco? Será que comem peixe na sexta-feira da paixão? Será que celebram casamentos de homossexuais? • “uma bem-vinda atmosfera dançante” Agora somos transportados para o reino das metáforas atmosféricas, mania desse tipo de resenha. No caso temos a manjada “atmosfera dançante”, provavelmente referência àquelas nuvenzinhas que ficam mexendo de lá para cá atrás do sujeito que faz a previsão do tempo no jornal da TV. • “músicas que se inspiram na disco music e na música negra americana” Eu me espanto com a precisão do termo “música negra americana”, que vai de Louis Armstrong a Mahalia Jackson a Miles Davis a Aretha Franklin a James Brown a Michael Jackson a Public Enemy. E essa imprecisão ainda é maior se pensarmos que agora, além de ir e vir e andar sem coleira e nos transportar a praias havaianas, as danadas das músicas também se inspiram! Mas o se inspiram como? • “can

Série "Batendo em Cachorro Morto": Crítica de música “pópi" 1

Seguem pequenos trechos de uma coluna publicada recentemente na FSP: • “a inútil idealização de uma época que não volta mais” Está aí um trecho que mistura tantos clichês que chega quase ao nonsense. Considero uma expressão digna de fazer dupla com seu oposto “a útil não-idealização de uma época que volta sempre”. • “a melancolia auto-indulgente” Essa expressão é puro clichê sem nonsense algum, portanto ainda pior que o primeiro trecho, já que não tem a menor graça. Note aqui a insistência em falar do conteúdo das letras [suponho], já que o sujeito provavelmente nem sabe direito o que é um acorde. • “letras tão idílicas que fariam João Gilberto passar por contestador”? Desde quando o oposto de idílico é contestador? Posso imaginar um sujeito falando, “ah, como eu gostaria que meu filho fosse mais idílico!” E detalhe: João Gilberto não escreve letras. • “arranjos que vão na direção do samba-canção e da tradição MPBística”? Isso é um defeito, de acordo com o autor da própria expressão. J