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Showing posts from February, 2008

Sobre crítica na imprensa

É natural que gostemos mais de certos artistas por causa de uma afinidade particular com um determinado tipo específico de arte. É natural, por exemplo, que gostemos, uns mais de Pollock, outros mais de Mondrian ou uns mais de Pollock e Mondrian e outros de Warhol, etc. E pode ser divertido se sentar na mesa do bar e discutir sobre essas nossas afinidades. Mas a crítica jornalística precisa levar outras coisas em conta, principalmente quando se dispõe a julgar o mérito do trabalho de um artista. Para começo de conversa, o crítico precisa explicitar se quer identificar e avaliar um projeto estético em si ou se quer julgar o mérito de um Mondrian ou um Pollock ou um Warhol dentro dos parâmetros que eles escolheram ou desenharam para si mesmos. Confundindo essas duas coisas completamente diferentes, a crítica jornalística tem muito pouco a acrescentar além do óbvio. Por exemplo, é um exercício banal e pouco instrutivo, mas comum, criticar um Spielberg com as balizas de um Bergman ou vice-

Kafka e Drummond

“No meio do caminho” foi primeiro traduzido por um judeu da Hungria. “Um maluco de Budapeste”, diziam. Preso depois numa ilha de rio, condenado a construir com as mãos um edifício a ser demolido logo depois do último arremate, “o maluco” aproveitou um intervalo entre arremate e demolição e veio parar no Brasil. Aqui pediu ao poeta funcionário que o guiasse pelo labirinto do Estado Novo em busca de um par de vistos para a mãe e a noiva, ainda na Hungria. “Tivesse encontrado mais três homens como o poeta da pedra e as duas não morreriam”, escreveu Paulo Rónai. Lendo um dia um artigo do húngaro, Drummond de repente entenderia, lívido: Kafka sou eu! Sou eu, Kafka! [que nem Rónai, nem Carpeaux, nem Rosenfeld conheciam].

Nathanael Lessa: o tipo de Rubem Fonseca que eu gosto

Peçanha pegou a carta da ceguinha e a minha resposta e leu em voz alta: Querido Nathanael. Eu não posso ler o que você escreve. Minha avozinha adorada lê para mim. Mas não pense que eu sou analfabeta. Eu sou é ceguinha. Minha querida avozinha está escrevendo a carta para mim, mas as palavras são minhas. Quero enviar uma palavra de conforto aos seus leitores, para que eles, que sofrem tanto com pequenas desgraças, se mirem no meu espelho. Sou cega _ mas sou feliz, estou em paz, com Deus e com os meus semelhantes. Felicidades para todos. Viva o Brasil e o seu Povo. Ceguinha Feliz, Estrada do Unicórnio, Nova Iguaçu. P.S. Esqueci de dizer que também sou paralítica. Peçanha acendeu um charuto. Comovente, mas Estrada do Unicórnio soa falso. Acho melhor você colocar Estrada do Catavento, ou coisa assim. Vejamos agora sua resposta: Ceguinha Feliz, parabéns por sua força moral, por sua fé inquebrantável na felicidade, no bem, no povo e no Brasil. As almas daqueles que se desesperam na advers

A canção mais triste do mundo

Mal abre a boca o sujeito faz já quatro coisas de uma vez: primeiro fala sempre dele mesmo e do lugar de onde ele vem; fala também da vida que acontece da boca pra fora, esse lugar onde a gente nasce, vive e morre; também mexe com quem escuta, mas não pelo que se diz daqui e sim pelo que se ouve lá do outro lado onde a gente nunca vai; e finalmente borda com som as letras, com letras palavras, e com sons, letras e palavras um tipo de música sutil, que às vezes transborda, mas quase sempre não. Mal abre a boca o sujeito.

Ainda sobre a TV

E se o seu filho de seis anos pedisse para fumar um cigarro, o que é que você faria? Ah, eu fui na charutaria e comprei um charuto para ele. Fazer o quê, né? É isso que ele quer… Depois o menino me pediu uma metralhadora. Como é que eu ia negar? Não adianta a gente querer negar os fatos de hoje em dia. Depois ele chega na escola e os colegas todos estão lá, com seus charutos acesos e metralhadoras em punho. Coitado do menino, vai se sentir até deslocado, sem assunto. Bom na minha opinião, é esse o teor básico da conversa que escuto de alguns pais hoje em dia com relação ao hábito dos filhos verem as novelas da televisão…

Keats vai ao paraíso

"Corremos, voamos e quando lá chegamos, quando longe se faz perto, nada se altera, e nós encontramo-nos com as mesmas misérias, com os mesmos e estreitos limites, e de novo a nossa alma suspira pelo mesmo bálsamo que acabou de se esvair." Werther Enfim fugiu daqui e viu que lá também o chão é duro e frio e um metro tem cem centímetros e um quilo de estopa é um quilo de chumbo são um quilo e dez vez oito ou oito vez dez dá oitenta e as portas, feitas do que fossem feitas, se abriam e fechavam como as brasileiras.

Ninguém é obrigado a ligar a TV

Volta e meia leio artigos indignados com o baixo nível da televisão e corrupção dos valores e a manipulação da informação, etc. A solução é muito simples: desliguem a TV! Na minha casa não temos antena nem serviço a cabo há mais de dez anos. O aparelho de TV só serve para ver DVDs que a gente escolhe na vídeolocadora ou na biblioteca. Ninguém morreu, ninguém nem passou mal – vivemos nossas vidas normalmente, exceto pela ausência da dose diária de lixo televisivo. Meu filho [tem 6 anos] assiste TV na casa dos avós ou dos amigos e se irrita de vez em quando quando não pode asssistir o começo de um desenho que ele pega pela metade ou repetir uma cena que ele gostou mais. E ele talvez seja um pouco menos tolerante que os colegas com respeito a certas apelações televisivas e certamente não exige marcas famosas e caras de sapato. Se ele conversa com os amigos na escola e se interessa, por exemplo, pelo “Ben10”, ele assiste uns episódios no site do CN ou, se ele insistir muito, a gente arruma

Nu

Nu A tesoura gelada rasga a pele, solta a carne. O sangue corre quente, cobertor de quando eu era menino. Sobram as vísceras incandescentes. Noventa e oito por cento do corpo é feito de palavras, ascendentes, infiltrando a laje em cima, cientes do perigo de um crime perfeito executado assim, sem alvará. Só me admira quem não me conhece – quem sabe de mim me evita: minha peçonha escorre e pinica. Eu não me presto. Ilustração: Naked Man, Back View , 1991–92 Lucian Freud Tela; 183.5 x 137.5 cm

Cansado

A marca da mancha da espuma da baba do verso raivoso escrito no travesseiro, é som abafado de osso esmagado por entre os ferros da porta do carro que arde no fogo, esvai-se em fumaça e deixa um punhado de cinza no chão que o vento carrega e a chuva retorna fundida na lama que o sol resseca num pó amargo e fino que irrita a sua garganta. Como é que veio cá amarrar a sua égua o velho cansado que espera o futuro no centro de mim?

Cigarros e bundas

Vivemos sobre o império implacável da estética porno-chic do photoshop: primeiro o cigarro de Sartre e agora a bunda de Simone de Beauvoir. Depois falam de Stálin… Sugestão de leitura: http://p.php.uol.com.br/tropico/html/textos/2951,1.shl

Algumas observações sobre realidade e ficção

1. Nabokov dizia que “realidade” era uma palavra que devia ser sempre usada assim, entre aspas. Fazem parte da “realidade” as várias formas de atração sexual, a relação pais-filhos, o medo da morte, a velhice, e tantas outras coisas afins; tanto quanto a injustiça social, o tráfico de drogas, a tortura e a corrupção policial, entre outras coisas. 2. TODA narrativa de ficção, desde a Branca de Neve até Tropa de Elite, relaciona-se de alguma forma com algum aspecto da “realidade” humana, dizendo alguma coisa sobre um aspecto qualquer, mais ou menos diretamente. Ser mais ou menos direto não implica em ser mais ou menos arguto, nem profundo. Às vezes a abordagem mais direta pode ser a mais superficial e a abordagem mais alegórica pode ser a mais profunda. 3. Ficção e “realidade” não são a mesma coisa. Tropa de Elite e Branca de Neve são IGUALMENTE ficcionais. Talvez Branca de Neve até jogue mais limpo, porque não fica fazendo de conta que é a “realidade” em si. O que Tropa de Elit

Já diziam os antigos 2:

Nietzsche gostava de calanguear [na linha do á]: Minha barba pegou fogo meu bigode quis queimar Eu gritei por São João São Pedro mandou apagar Meu bigode não tá curto Comprido também não tá Queria por atrás da orelha Danado não quer chegar.