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Showing posts with the label Literatura é bom e eu gosto

Poesia lendo poesia

Lendo Cova Profunda é a Boca das Mulheres Estranhas na cova profunda  perdão é graça das assimétricas gagas interrompidas muitas vezes dedos tortos de artrose costurando ponto a ponto, mudamente esqueletos feitos para dançar não dançam desfilam pequenos horrores enternecidos rancores frios marmorizados em orgulhos carunchos boiando em círculos ralas como água de arroz reconhecendo a viva na morta

Lendo Manoel de Barros

Poesia minha

JULHO, 1969  eu nasci e ninguém mais foi à lua os sonhos encolhendo os olhos firmes abotoados no chão esperando um bilhete sorteado a justiça fútil dos ressentidos colecionando arrependimentos acreditando que quem pode  não faz manda fazer e depois não paga 

Leitura Cerrada

 A coisa mais valiosa que eu aprendi quando saí do Brasil para estudar (e depois trabalhar) foi algo que eu descreveria como uma técnica de leitura. Uma prática, primeiro, de leitura e, depois, de escrita persuasiva. Para ser justo, fui apresentado a ela ainda na UFMG, mas só porque me formei no bacharelado em literatura de língua inglesa com muitos professores que tinham sido treinados nos Estados Unidos. Me explico: essa técnica de leitura é absolutamente central no mundo de língua inglesa, sendo praticado por aqui de forma contumaz desde o ensino médio em todas as aulas que envolvam literatura e escrita na língua inglesa.  Enquanto isso no Brasil (no meu tempo de aluno pelo menos), era um esforço fútil e absurdo de tentar enquadrar textos dentro de uma lista escolas e estilos de época, normalmente descritos de uma forma tão vaga e formalista que chega a produzir textos didáticos que são simplesmente surreais. Um exemplo: O  parnasianismo  é definido como uma escol...

Encontros e Desencontros na Literatura

  Guadalupe Nettel é uma escritora mexicana. Escolhida para um prêmio famoso na universidade onde eu trabalho, ela veio nos visitar, acompanhada por sua tradutora inglesa, Rosalind Harvey. Lá fui eu conhecer o trabalho dela e encontrrei uma escritora com a prosa cheia daquela mesura muito mexicana e um olhar extremamente sensível para observar pessoas e animais. Aqui abaixo uma das várias passagens do livro O casamento dos peixes vermelhos , no qual Nettel junta cinco contos onde animais e humanos se espelham mutuamente:   Ler Guadalupe Nettel agora altura casou muito bem com um outro livro que eu já estava estava lendo sobre animais na literatura: Maria Esther Maciel, mineira, professora da UFMG é uma escritora também sensível e capaz de uma prosa clara e sutil que pouco a pouco chega muito, muito longe. O romance dela, Essa coisa viva , foi uma das melhores coisas que eu li ano passado:  É uma leitura muito sensível sobre uma relação complicadíssima entre mãe e filha e ...

Da santidade que se oferece diariamente a cada um de nós

Sobre o Santuário de Faulkner

  Depois de escrever uma obra-prima que acabou vendendo quase nada ( The Sound and The Fury ), casado, dono de uma casa de fazenda caindo aos pedaços e duro de dar dó, Faulkner resolveu chutar o balde:  Comecei a pensar em um livro em termos de dinheiro… tentei adivinhar o que uma pessoa no Mississippi acha que são os assuntos do momento, escolhi os que me pareciam os mais prováveis e inventei uma história, a mais escabrosa que eu conseguisse imaginar.  Conta a lenda que, quando leu o primeiro manuscrito de Sanctuary , o editor Harrison Smith teria dito “pelo amor de Deus, eu não posso publicar isso. Vamos acabar os dois sendo presos!” Não era a primeira nem a última vez em que Faulkner tinha um manuscrito seu rejeitado. O escritor simplesmente deu de ombros e foi escrever As I Lay Dying nos intervalos quando trabalhava alimentando de carvão a caldeira da Universidade do Mississippi.   Qual foi a surpresa de Faulkner quando um tempo depois recebeu de Harrison S...

Minhas Leituras: Dodie Bellamy

 Em um ensaio do livro Bee Reaved  [que eu li março do ano passado], a escritora Dodie Bellamy faz uma advertência importante para qualquer escritor brasileiro no século XXI: "Se eu fingir que o que eu escrevo se posiciona fora do vexame que é os Estados Unidos, que o meu ego-id-superego não é impulsionado por esse vexame, eu não estou apenas mentindo para os meus leitores, eu estou mentindo para mim mesmo." [19-20] As redes sociais exercem uma pressão constante para que nos coloquemos nesse lugar supostamente superior, além e portanto fora, daquilo que criticamos. Isso acontece porque as redes sociais nos requisitam a fazer o papel de juízes de tudo e de todos, necessariamente gostando ou desgostando de tudo. Essa postura narcisista em si mesma já é muito ruim para a inteligência de qualquer pessoa, mas é particularmente ruim para um escritor. No mínimo deveríamos, por exemplo, ao fazer análises sobre o que é ou deixa ser o Brasil, usar a primeira pessoa do plural. Nossas fa...

Tradução: Emily Dickinson

  Recentemente não sei quem voltou pela enésima vez ao tema de que haveria escritores demais e leitores de menos hoje em dia. Disse a tal pessoa que deveríamos escrever menos. Logo pensei em Emily Dickinson, que pubicou menos de uma dúzia de poemas em vida e escreveu mais de 1.800. Estes aqui, chamados de "sobras"[scraps] ou "maravilhosos nadas" [gorgeous nothings], foram escritos no verso de envelopes e são pequenos tesouros. Minha rápida e [como sempre no caso de Dickinson] insuficiente tradução: Este é o livro:

Poesia da Guiné-Bissau: Odete Semedo

As minhas lágrimas   Odete Semedo As lágrimas  escapuliram  esboçaram  no chão do meu rosto  um fio de mágoa profunda  queimando  bem fundo   Nenhum grito...  nenhum gemido...  palavra nenhuma  letra alguma  jamais traduziu  tanto sofrer  os olhos sentiram  a minha gente viu  E eu?  E eu?  Odete Semedo, No fundo do canto. Belo Horizonte: Nandyala, 2007.

Tradução minha: "Primeiro poema" de Robert Haas

Primeiro poema No sonho ele era um falcão com sangue no bico. No sonho ele era um falcão. No sonho ele era uma mulher, nua, indolente depois do gozo, uma centelha de esperma nos lábios vaginais. No sonho ele era uma mulher. (Ele podia ao mesmo ser a mulher e ver o fluido viscoso no sonho.) No sonho ele era um pássaro turquesa feito de pedra sabão por um povo que o cavava da terra e achava que ele era o céu despedaçado de um mundo antigo. No sonho ele era um pássaro turquesa. No sonho seus pés doíam, ainda havia muito que caminhar, os lagartos escapulindo na poeira. No sonho seus pés doíam. No sonho ele era um velho, sua mulher falecida, que acordava cedo todo dia e fazia o café e cortava pedacinhos de melão para os lagartos e os deixava no chão duro perto do muro do jardim. No sonho ele era um velho. As bocas tranquilas dos lagartos que esperavam, eles mesmos da cor da poeira, significava que todas as criaturas da terra eram singulares e solitárias. No sonho a mulher no elevad...

Poesia minha: Conto de Fadas

Eu me lembro daquela noite em que me deitei acordado no vagão mal iluminado, num terno êxtase de agitação a maçã do meu rosto queimando o frio impecável da fronha  e o coração batendo com os pistões  da locomotiva que puxava o trem e me levava noite afora para longe de Belo Horizonte para longe da minha infância para longe da calma caiada  da casa da minha mãe, para o país desconhecido da vida adulta para nunca mais voltar.                                                                                                   Eu imaginava minha mãe passando a vista cansada em tudo o que eu deixei para trás no quarto que não era mais meu numa caixa de papelão pardo dormindo, cobrindo-se de...

Livros que eu amo: Oliver Twist de Charles Dickens

Charles Dickens teve sucesso extraordinário com Pickwick Papers,  um romance satírico, conseguindo finalmente afastar de si a sombra tenebrosa da pobreza que tinha marcado grande parte da sua infância e adolescência.  No meio do século XIX, um romance era muito mais que um livro vendido em livrarias: saía primeiro serializado em algum jornal ou revista e era adaptado para o teatro em forma simplificada, atingindo um público imenso - contam que no seu auge um romance novo de Dickens aparecia em 20 produções teatrais distintas só em Londres!  Ao contrário de muitos outros artistas, Dickens não tentou repetir a fórmula do sucesso dos Pickwick Papers no seu projeto seguinte .  Em 1838, Dickens publicou um livro que misturava em partes iguais comédia e drama e que tinha um alvo social bem claro:  Oliver Twist. O alvo do livro era o primeiro sistema de bem-estar social da Inglaterra industrializada, que tratava os pobres com disciplina vitoriana implacável em casas de...

Edgar Morin

Desenho Meu Mistério  [Edgar Morin] A Realidade se esconde atrás de nossas realidades.  O espírito humano se encontra às portas do Mistério.   

Poema: Drummond

 Nos momentos difíceis, como este em que temos que aceitar que 50 milhões de brasileiros ainda escolhem votar em Jair Bolsonaro depois de 4 anos de pesadelo, eu me agarro naqueles poemas que Carlos Drummond de Andrade escreveu numa época muito mais dura do que essa. Entre 1935 e 1945, as pessoas tiveram que encarar nada menos que o Estado Novo, Franco, Hitler, Mussolini, o império japonês e a Segunda Guerra Mundial. Compartilho aqui um deles:  Foto minha: Caderno de notas

Leituras: Doze pepitas de ouro nas cartas de Mário de Andrade pra Câmara Cascudo

Desenho de Anitta Malfatti 1. 1924: Uns imitam por incapacidade. Outros, para ensaiar asas. [32] 2. 1925: Não misturo amizade com valor. [37] 3. 1925: [sobre Oswald de Andrade] ... é o sujeito mais atabalhoado do mundo. Promete tudo de coração, se esquece e tem dez milhões de negócios complicadíssimos vai-se embora pra Europa sem a gente saber. [...] também ele é um pouco malabarista das vicissitudes. Brinca com elas e se diverte. [40-1] 4. 1926: [sobre Menotti del Picchia et caverna] "Esse homem está cada vez ficando mais pedante e como arranjou um grupinho de sequazes como ele deram pra patriotas por não poderem compreender a elevação de idea em que estamos alguns fazendo brasileirismo sem nacionalismo... [...] ... não me confundam com essa corja de nacionalisteiros de última hora que por aqui andam ganindo."[50] 5. 1926: [sobre Marinetti] Nunca me interessei pela obra dele que acho pau e besta porém esperava um sujeito vivo e mais interessante. Me deu a impressão dum sujei...

Poema meu - Sem Título

Subindo a Rua da Bahia em outra encarnação ir do pesadelo a uma experiência luminosa -  contra o silêncio contra o barulho -  de um futuro  que nunca existiu e uma liberdade que só diz não

10 sentenças de Guimarães Rosa em "Luas-de-mel"

Sou remediado labrador,  isto é,  de pobre não me sujo, de rico não me emporcalho. Sou quase de paz, o quanto posso. Eu ponho a mesa  e pago a despesa. Se ele riscou,  eu talho. Aroeira de mato virgem não alisa. A velhice da lã é a sujeira. Com tino e consideração, é que o respeito é granjeado: com honra, sossego e proveito. Se me diz, nem pensei: os namoros dessas gentes, são minhas outras mocidades. Com o que o outro míngua, eu me sobejo. As coisas que estão para a aurora,  são antes à noite confiadas.

Lendo os três livro de memórias de Fernando Gabeira

Essas são notas que eu tomei quando li ps três volumes de memórias de Fernando Gabeira para escrever um artigo sobre os filmes O que é isso, companheiro? e Batismo de Sangue : Cada um escreve suas memórias para fabricar-se como personagem para consumo público e escolhe um gênero e uma estratégia de caracterização específica para se inventar. Protagonista de um épico? Anti-herói de um mundo farsesco? Herói sacrificado numa tragédia? Bonachão tolerante numa comédia de costumes? Claro que o autor das suas próprias memórias deve suspeitar que sempre dirá um pouco menos e um pouco mais do que quer dizer.  Gabeira o heterodoxo, o companheiro sábio visionário, o militante consciência modelo, sempre sorrindo ironicamente, tanto para os companheiros ingênuos e fanatizados como para os algozes e torturadores. Gabeira sorrindo sempre para os fanáticos, os caretas, os burocratas, os dogmáticos, os iludidos, os ridículos com seus discursos pomposos e irrelevantes. Gabeira o inimigo gentil dos ...

Lendo Schiller