Primeiro poema
No sonho ele era um falcão com sangue no bico.
No sonho ele era um falcão.
No sonho ele era uma mulher, nua, indolente depois do gozo, uma centelha de esperma nos lábios vaginais.
No sonho ele era uma mulher.
(Ele podia ao mesmo ser a mulher e ver o fluido viscoso no sonho.)
No sonho ele era um pássaro turquesa feito de pedra sabão por um povo que o cavava da terra e achava que ele era o céu despedaçado de um mundo antigo.
No sonho ele era um pássaro turquesa.
No sonho seus pés doíam, ainda havia muito que caminhar, os lagartos escapulindo na poeira.
No sonho seus pés doíam.
No sonho ele era um velho, sua mulher falecida, que acordava cedo todo dia e fazia o café e cortava pedacinhos de melão para os lagartos e os deixava no chão duro perto do muro do jardim.
No sonho ele era um velho.
As bocas tranquilas dos lagartos que esperavam, eles mesmos da cor da poeira, significava que todas as criaturas da terra eram singulares e solitárias.
No sonho a mulher no elevador tirou seu próprio olho.
Era uma lua no sonho.
No sonho batia-se na porta e era uma tropa de crianças mendigas e ele disse a elas com falsa indignação: “Vocês! Saiam! Hoje não é o dia de vocês. Terça-feira é o seu dia.” E as crianças riam cheias de bom humor.
O dia delas era terça-feira no sonho.
Monteiro Lobato conta em "O engraçado arrependido" a história trágica de um homem que não consegue se livrar do papel de palhaço da cidade, papel que interpretou com maestria durante 32 anos na sua cidade interiorana. Pontes é um artista, um gênio da comédia e por motives de espaço coloco aqui só o miolo da introdução em que o narrador descreve o ser humano como “o animal que ri” e descreve a arte do protagonista: "Em todos os gestos e modos, como no andar, no ler, no comer, nas ações mais triviais da vida, o raio do homem diferençava-se dos demais no sentido de amolecá-los prodigiosamente. E chegou a ponto de que escusava abrir a boca ou esboçar um gesto para que se torcesse em risos a humanidade. Bastava sua presença. Mal o avistavam, já as caras refloriam; se fazia um gesto, espirravam risos; se abria a boca, espigaitavam-se uns, outros afrouxavam os coses, terceiros desabotoavam os coletes. E se entreabria o bico, Nossa Senhora! eram cascalhadas, eram rinchavelhos, e...
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