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Showing posts from 2015

Feliz Natal

--> Foto minha: Quadro de Avisos Spectre Radiohead I'm lost, I'm a ghost, dispossessed, taken host. My hunger burns a bullet hole, a spectre of my mortal soul. These rumors and suspicion, anger is a poison. The only truth that I could see is when you put your lips to me. Futures tricked by the past. Spectre, how he laughs. Fear puts a spell on us, always second- guessing love. My hunger burns a bullet hole, a spectre of my mortal soul. The only truth that I can see: Spectre has come for me.

Música/Testamento

--> Há dois momentos marcantes em que dois artistas que eu admirei muito como adolescente rasgaram aquela capa que insiste em ficar entre a arte e a vida. Esse limite ganhava urgência e se transformava também em limite entre a vida e a morte, já que as duas são canções que falam sobre uma morte como uma coisa eminente e concreta, não como uma abstração impactante para impressionar adolescentes. O primeiro foi em 1989, quando eu tinha vinte anos, sonhava com o Lula barbudão sem gravata presidente revolucionário, era o pior estudante universitário que eu já conheci, tinha uma banda de roque e ainda comprava vinis com meus caraminguás como professor de inglês. Foi assim que comprei Burguesia , o último disco do Cazuza. Um disco difícil de ouvir por causa da debilidade física do artista que fica registrada feito um fantasma na voz trêmula e vacilante do cantor. A faixa fantasmagórica mais impressionante daquele disco é “Cobaias de Deus”, música de Ângela Ro-Rô e letra am

A malandragem de terno e gravata

Outro dia um pessoa amiga e inteligente se queixava publicamente dos achaques diários a que várias empresas sujeitam seus clientes no Brasil e sugeria que isso seria resultado da nossa incapacidade de reproduzir no nosso país os padrões de eficiência do capitalismo de lugares como os Estados Unidos. Eu, como morador há quase dez anos nos Estados Unidos pensei comigo mesmo que esse modelo de achaque ao cliente é uma cópia perfeita do sistema daqui. Se você não pode ser um cliente VIP/Gourmet/Primeira-Classe, que paga um extra, não vai conseguir livrar-se do inferno a que estão sujeitos todos os outros, meros mortais. Com a gentalha todo mundo dá o preço errado, erra no troco, não cumpre prazo nem atende o telefone sem pelo menos 20 minutos de musiquinha. Trata-se de um sistema de malandragem sistematizada, regulamentada em cartório, oficializado nas letras cada vez mais miúdas dos contratos cada vez mais longos. Nos tempos, digamos, do meu pai, os malandros eram os que movimentavam, p

Um fragmento de um diário

Uma pessoa amiga me mostrou em confidência esse belíssimo fragmento do seu diário. Insisti e ela permitiu que eu compartilhasse aqui o que ela escreveu, mas em anonimidade. Espero que vocês gostem tanto quanto eu. 2004 Prometo não me esconder atrás de mim mesmo. Prometo deixar no papel nada que não seja meu sangue. A onda vem e eu perco o pé, mas não me desespero. Solto o corpo e sinto o silêncio vibrar nele a paz do esquecimento. Um vento denso de água e sal balança meu corpo feito um saco plástico vazio de mim. Imagino meu esqueleto solto dançando por dentro em ondas de sangue ainda mais denso. A próxima onda chega e me puxa mais longe. Respirar me custa, me cansa subir. Devagar aos poucos tomo ar e volto para baixo d’água. Não me sinto preso. Não estou me afogando ainda, agora. Não estou vencido ainda que passe agora por mim o salva-vidas que vem ajudar alguém mais longe da praia que eu. Não peço ajuda. Não é orgulho. Estou à deriva por bem mai

O pequeno psicopata que vive dentro de cada um de nós

Martin Shkreli sucesso das finanças para a indústria farmacêutica Estamos num mundo que promove sem tréguas a ideia de que a cobiça em estado puro não é apenas um valor positivo [o que já seria uma proposição temerária] mas um valor supremo, que deveria nos "libertar" das "distrações" da empatia e do remorso. Livre das patéticas amarras da moral, o capitalismo puro ou selvagem nos ofereceria uma meritocracia radical capaz de trazer a felicidade suprema, mas apenas aos que a merecem de verdade, por darem os maiores "retornos" aos seus "investidores" produzindo o máximo "valor" no mínimo de tempo. Vide Martin Shkreli, que aumentou o preço do Daraprim , um remédio essencial para o tratamento da AIDS e da Toxoplasmose, de US$13,50 para US$750 e promete fazer o mesmo com um remédio para tratar do Mal de Chagas viu as ações de sua empresa aumentarem US$1.50 para US$28 por ação. Como se vê, o Senhor Mercado aprova a psicopatia de Shkre

Música

--> Bulería   --> Paco de Lucía / Pepe de Lucía ¿Para qué quiero yo llorar si no tengo prima quién me oiga?                                       [“primo” é um termo de apreço por                                                                                                companheiro de mesma geração;                                                                                                os mais velhos são                                                                                                respeitosamente chamados “tíos”]   La que me tenía que oír                                                                          está viviendo en la Gloria y no se acuerda de mí. ¿Quién ha visto a una pastora adornada con ricas pieles y por coronita le han puesto una matita de laurel verde?                                                             [“matita” é um ramalhete] Al de la puerta real que me alivie las duquelas       

O que podemos reconhecer e aprender com o cruel mundo dos palhaços

O mundo dos palhaços não é um nunca mundo gentil e pacífico. Na base das relações entre os diversos palhaços [cada um executando a sua função específica no picadeiro] frequentemente aparece a questão do subjugamento violento de um ser humano por outro e também da instabilidade precária nessa relação de dominação, já que o dominado pode de repente levantar-se e transformar-se no dominador. Tudo no mundo dos palhaços é mediado pela lógica da caricatura, do exagero, mas uma vez que se compreenda que se trata de uma convenção grotesca, a crueldade constante do mundo do picadeiro fica clara. No seu manual mínimo do ator, Dario Fo explica que todos os palhaços "lidam com o mesmo problema, com a fome: fome de comida, fome de sexo, mas também fome de dignidade, de identidade, fome de poder" [ I clown, come i giullari e i «comici», trattano sempre dello stesso problema, della fame: fame di cibo, fame di sesso, ma anche fame di dignità, di identità, fame di potere &

Notas para um livro impossível sobre crítica

John Updike, que teve uma longa carreira como escritor de resenhas para jornais e revistas, dizia que não fazia o menor sentido reclamar que um autor "não havia atingido o que nunca quis atingir" com uma determinada obra. Trocando em miúdos: é tolice esperar que Spielberg faça um filme de Godard ou que Godard faça um filme de Spielberg. Mas nem sempre é tão fácil assim discernir a partir da obra o que é que o seu autor queria que ela fizesse. Sem falar que muitas obras interessantes acabam fazendo coisas que seus autores nunca quiseram que elas fizessem; uma vez soltas pelo mundo, as obras sofrem metamorfoses impressionantes na cabeça dos seus vários leitores diferentes. Se há um "eu-autor" numa resenha crítica, ele pertence ao crítico antes de tudo. Mas para isso há que encontrar um público, inclusive um público crítico. Oscar Wilde, com aquela ironia habitual, disse o seguinte: "Minha peça foi um sucesso absoluto. O público é que foi um fracasso".

Ser pai de uma menina de 6 anos em 2015

Ter uma filha de 6 anos como a minha [cada uma deve ser de um jeito, com certeza] é mais ou menos o seguinte [pelo menos se você quiser aprender e se divertir com ela de verdade]: um sujeito casca grossa feito eu, que cresci com três irmãos mais velhos todos muito ogros, tem que começar a aprender sobre pincéis de maquiagem e fazer sessões de salão de beleza enquanto ela toma banho de banheira para passar 3 xampús diferentes e pentear o cabelo dela, além de aprender a ver desenhos animados "harcore" como Strawberry Short Cake e Monster High e tudo mais quanto interesse a ela. E ela vai pulando de lá pra cá, e eu vou seguindo os novos interesses e obsessões, aceitando tudo com a melhor cara do mundo. Foi assim com meu filho, que hoje é um adolescente e já não quer mais muito saber dos pais. No caso dele eram Pokemóns intermináveis e Changemen e companhia limitada. No caso dela isso inclui um bilhão de gritantes e rebolantes cantoras POP que hoje movimentam o rádio sonhando e

A vida continua: Kara Walker e Titus Kaphar

Talvez o mais importante a fazer antes de tentar escrever algo sobre o trabalho de outra pessoa seja entender como esse trabalho me afeta, entender porque ele me afeta, descobrir meu interesse ao invés de fingir que existe um desinteresse científico da minha parte. Titus Kaphar e Kara Walker são artistas contemporâneos que me interessam muito - já mencionei eles aqui brevemente. O trabalho deles me interessa porque os trabalhos dos dois têm um forte componente narrativo, porque eles trazem visibilidade e inteligência para assuntos que são ignorados tradicionalmente, porque eles falam com inteligência crítica de coisas que eu considero importantes e urgentes. Gostaria de escrever sobre eles e sobre Claudia Rankine e Robin Coste Lewis e talvez aproveite esse meu período de reavaliação das prioridades na minha vida para fazer isso. Ou talvez nada disso passe desse rascunho apressado, escrito nos Estados Unidos em português [essa língua tão "exótica"] sobre artistas estadounidens

Burrice e fascismo ou esperteza e fundamentalismo?

Li há pouco tempo um artigo de Eliane Brum sobre a suposta “burrice” nacional , em parte uma resenha bastante positiva do livro de Márcia Tilburi Como conversar com um fascista – reflexões sobre o cotidiano autoritário brasileiro . Achei interessante e gostaria mesmo de ler o livro quando puder, mas tenho objeções com o uso de termos como burrice e fascismo. Tenho muita simpatia por tudo o que ela disse, mas acho que chamar o que está acontecendo no Brasil de resultado de "burrice" ou até mesmo de "fascismo" pode ser tentador mas, em última instância, é dar um rótulo meio fácil e antigo a um fenômeno bem mais complexo. Burrice é um termo que subtrai do burro a responsabilidade pelo que diz ou faz, já que o que fala e age é a falta de conhecimento ou de capacidade cognitiva do pobre coitado. Há muita esperteza nessa tal burrice que trata de garantir um debate-boca sempre curto e grosso em torno das mesmas cortinas de fumaça [kit-gay, foro de s

Sobre terror, sobre culpa, sobre solidariedade.

Quando alguém emposta a voz e diz que a França ou o Líbano ou qualquer nação foi atacada/ferida/ofendida por um ato de terrorismo, além de um tom épico-fajuto, essa pessoa entra em uma estranha sintonia com o discurso desse tipo de terrorrismo, que sustenta que todo e qualquer cidadão de uma determinada nação é parte responsável pelos atos daquela nação como um todo. Trocando em miúdos, um vendedor de cachorro quente na Praça do Papa é responsável por tudo o que o governo brasileiro faz ou deixa de fazer, por exemplo, com os povos indígenas que habitam o país. Assim sendo, seguindo esse raciocínio, um grupo terrorista que lutasse contra o genocídio dos indígenas no Brasil consideraria explodir esse vendedor de cachorro quente na Praça do Papa e os dois pipoqueiros ao lado como um alvo legítimo para um protesto de natureza violenta. Um certo Picasso pintou no mesmo 1937 um quadro/protesto que só voltou à Espanha depois que Franco caiu fora Isso não foi inventado pela escalada do t

Trechos do Diário de Witold Gombrowicz

Estou muito, muito lentamente lendo o diário do escritor polonês Witold Gombrowicz, traduzido para o inglês Lillian Vallee e publicado em 2012. Não gosto de traduzir coisas que foram traduzidas para o inglês mas não sei dizer "oi" em polonês mas a importância dos diários de Gombrowicz para mim foi comprovada quando cruzei recentemente com referências a Gombrowicz no livro FUNDAMENTAL de Eduardo Subirats Mito y Literatura , baseado numa leitura instigante de cinco autores centrais para mim: Mário de Andrade, Guimarães Rosa, Juan Rulfo, José María Arguedas e Augusto Roa Bastos. Leio os dois tão lentamente que é capaz de eu nunca chegar ao final dos dois livros, mas chegar ao final das coisas acho que nunca foi meu forte de qualquer jeito... 1953 Quarta-Feira [pg. 67] O artista que se realiza dentro da arte nunca será criativo. Ele deve permanecer nas periferias onde a arte encontra a vida, onde perguntas desagradáveis como as seguintes aparecem: quanto da poesia que escre

Simone de Beauvoir e as definições essencialistas do feminino

A falha principal da humanidade não é a ignorância, mas a recusa do saber. Tenho dado para ler a vários alunos meus o capítulo introdutório de O segundo sexo de Simone de Beauvoir. Gostei muito que tivessem citado um pedacinho dele no exame do ENEM. Acho paradoxal que algumas pessoas se queixem de reações, digamos, toscas sobre o assunto ao mesmo tempo em que dão máxima visibilidade a essas declarações, em alguns casos óbvias e em outras vindas de ilustres desconhecidos que são alçados a um destaque imenso por sua imbecilidade.  Acho fundamental ler o texto, voltar ao texto, sempre. Mesmo porque o assunto está longe de ultrapassado, ainda que o livro seja de 1949. Uma grande amiga esteve semana passada numa palestra na universidade sobre « Negociação Para Mulheres », palestra criada provavelmente pela constatação de que as mulheres ganham menos em posições semelhantes na universidade e no mundo corporativo [será que ainda vale a pena diferenciar ?] e pela su