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Burrice e fascismo ou esperteza e fundamentalismo?

Li há pouco tempo um artigo de Eliane Brum sobre a suposta “burrice” nacional, em parte uma resenha bastante positiva do livro de Márcia Tilburi Como conversar com um fascista – reflexões sobre o cotidiano autoritário brasileiro. Achei interessante e gostaria mesmo de ler o livro quando puder, mas tenho objeções com o uso de termos como burrice e fascismo. Tenho muita simpatia por tudo o que ela disse, mas acho que chamar o que está acontecendo no Brasil de resultado de "burrice" ou até mesmo de "fascismo" pode ser tentador mas, em última instância, é dar um rótulo meio fácil e antigo a um fenômeno bem mais complexo. Burrice é um termo que subtrai do burro a responsabilidade pelo que diz ou faz, já que o que fala e age é a falta de conhecimento ou de capacidade cognitiva do pobre coitado. Há muita esperteza nessa tal burrice que trata de garantir um debate-boca sempre curto e grosso em torno das mesmas cortinas de fumaça [kit-gay, foro de são paulo, etc]. E nem todo o autoritarismo ou brutalidade política são fascismos. O moralismo que apela para cruzadas dos homens de bem contra mares de lama e o infame "bandido bom é bandido morto" que tem tanta visibilidade no discurso político hoje não são novidades na nossa cultura. E quase 50 anos de infantilização sentimental jogada nos sofás da nação-rivotril no horário nobre sete dias por semana não são só burrice. E já se finge que não houve uma ditadura tosca e brutal com amplo apoio civil há uns 25 anos pelo menos, como se fingiu antes que não houve colonização, que não houve genocídio e etnocídio, que não houve escravidão, que não houve Canudos ou Contestado – a amnésia não é um acidente e sim uma estratégia muito inteligente de perpetuação das coisas que pretensamente são esquecidas. 
Mercadante e Kátia Abreu tramam bolivarianismos

Busco nos confins dos confins um exemplo de simplicidade fabricada para me explicar melhor [quase sempre acabo me explicando pior, mas, paciência…]
Era uma vez um simplório colecionador amador de fatos curiosos chamado Richard Saunders, pródigo em frases cheias de sabedoria popular e bom senso. Saunders publicava um almanaque anual chamado Poor Richard's Almanac, que vendia horrores nas colônias inglesas na América do Norte lá pelos anos 30 do século XVIII. O que ninguém sabia era que a sabedoria simplória do almanaque era obra de um dos homens mais brilhantes das colônias, um tal de Benjamin Franklin, que aliás ficou podre de rico com as vendas do seu almanaque. 

Entre centenas de máximas dispostas em ordem alfabética estão as seguintes:

"Half the truth is often a great lie."
Uma meia verdade cosutma ser uma grande mentira. 

"Half wits talk much but say little."
Gente sem noção fala muito mas diz muito pouco.

“Happy Tom Crump, ne'er sees his own hump.”   
Feliz do Tonico Covas, nunca vê sua própria corcova.
 
“Haste makes waste.” 
A pressa causa o desperdício.
 
He has chang'd his one ey'd horse for a blind one.
Ele trocou seu cavalo caolho por um sem olho. 
 

A internet é uma maravilha para essas coisas e o velho almanaque está disponível para quem quiser.  

Enfim: é fácil finger-se de bronco quando finger-se de bronco me garante um debate-boca onde eu sempre saio ganhando. O fascismo era uma forma de autoritarismo e por ser assim compartilha obviamente algo com os nossos autoritarismos, mas os nossos autoritarismos são muito mais espertos, mais insidiosos. Se há um fenônemo MUNDIAL [e vou sempre brigar para que os brasileiros saiam de sua auto-obsessão e vejam que não são assim tão excepcionais nem para bem nem para mal] com o qual temos que nos preocupar, não é o fascismo e sim o fundamentalismo e não vamos entender as coisas melhor confundido Musolini com Médici.

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