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Showing posts from March, 2012

Recordar é viver: Arautos da Censura

Sentença da censura sobre o livro Feliz ano novo ”: "em quase sua totalidade, personagens portadores de complexos, vícios e taras, com o objetivo de enfocar a face obscura da sociedade na prática da delinquência, suborno, latrocínio e homicídio, sem qualquer referência a sanção, utilizando linguagem bastante popular e onde a pornografia foi largamente empregada, com rápidas alusões desmerecedoras aos responsáveis pelos destinos do Brasil e ao trabalho censório". Declaração do senador Dinarte Mariz da ARENA-RN aos jornalistas após reunião com o ministro da justiça da época, Armando Falcão: “Suspender o livro ‘Feliz ano novo’ foi pouco. Quem escreveu aquilo deveria estar na cadeia e quem lhe deu guarida também. Não consegui ler nem uma página. Bastaram meia dúzia de palavras. É uma coisa tão baixa que o público nem devia tomar conhecimento.” Perguntado se um futuro livro de memórias que prometia escrever poderia ser censurado, Dinarte Mariz não se fez de r

Recordar é viver: O jornal da Ditabranda começa a tirar o corpo fora

Com o regime militar caducando com as Diretas Já em 1984, a FSP, já com outra direção editorial, dedicou várias páginas ao regime que comemorava 20 anos e começou a reescrever a sua própria história, dizendo que “a reação aos excessos revolucionários começou simultaneamente em dois grandes jornais: o ‘Correio da Manhã’, do Rio e a ‘Folha’ de São Paulo.” Acho que os posts anteriores dispensam maiores comentários sobre essa impressionante cara-de-pau, ainda cuidadosamente acolchoada numa reportagem no meio do caderno. Note apenas, caro leitor, o adjetivo “revolucionário”: seria ainda um deslize ou talvez um sinal de continuidade entre as duas folhas? Não é minha intenção fazer o papel de dedo-duro, mas me espanta o desaparecimento dos defensores do regime militar. Não dos recalcitrantes que ainda querem comemorar a coisa, mas dos arrependidos, que pularam do barco em algum ponto depois de 64, a maioria bem depois de 64, quando ser oposição já não era tão perigoso e o tal "mil

Recordar é viver: O jornal da Ditabranda nos anos de chumbo

Assim recebeu a Folha de São Paulo, em editorial do dia 30 de outubro de 1969, a chegada à presidência de Emílio Garrastazu Médici: “Não há exagero em afirmar que o novo governo se instala num clima de simpática expectativa e saudável confiança.” “… o novo presidente deu ao país mais uma razão de confiar em que prosseguiremos no bom caminho percorrido até aqui e que nos há de conduzir a dias ainda melhores”

Recordar é viver: O jornal da Ditabranda nos anos de chumbo

Editorial da Folha sobre o AI-5 culpando a oposição de agitadores, "hábeis fomentadores": “Se culpa e responsabilidade há, é o radicalismo que desde há alguns meses começou a aprofundar-se entre nós, gerando tensões e intranquilidades. Em outro contexto, provavelmente a decisão da câmara dos Deputados sobre o caso Marcio não teria tido maiores consequências. Mas, ligadas a outras crises – algumas habilmente fomentadas por agitadores, interessados apenas em criar problemas para a nação – acabou sendo o acontecimento que precipitous a situação em que hoje nos encontramos.” “Horas Difíceis”, Editorial da FSP, 14 de dezembro de 1968.

Recordar é viver: O jornal da Ditabranda nos anos de chumbo

Manchete de primeira página da Folha de São Paulo ao noticiar que a repressão do regime militar havia descoberto o congresso de Ibiúna da UNE [então proibida de funcionar]. "QUASE TODOS FORAM SOLTOS Ontem, a Policia soltou todas as moças paulistas e também 106 rapazes. Ficaram ainda presos, Segundo tais númeors – fornecidos pelas fonts oficiais – 30 rapazes de S. Paulo. Manchete principal da FSP, 18 de outubro de 1968.

Recordar é viver: O jornal da Ditadura

“Ressurge a Democracia” "Vive a Nação dias gloriosos. Porque souberam unir-se todos os patriotas, independentemente de vinculações políticas, simpatias ou opinião sobre problemas isolados, para salvar o que é essencial: a democracia, a lei e a ordem. Graças à decisão e ao heroísmo das Forças Armadas, que obedientes a seus chefes demonstraram a falta de visão dos que tentavam destruir a hierarquia e a disciplina, o Brasil livrou-se do Governo irresponsável, que insistia em arrastá-lo para rumos contrários à sua vocação e tradições. Como dizíamos, no editorial de anteontem, a legalidade não poderia ser a garantia da subversão, a escora dos agitadores, o anteparo da desordem. Em nome da legalidade, não seria legítimo admitir o assassínio das instituições, como se vinha fazendo, diante da Nação horrorizada." Editorial de O Globo, 2 de abril de 1964

Recordar é viver: O jornal da Ditabranda

“Não houve rebelião contra a lei, mas uma tomada de posição em favor da lei. Na verdade, as Forças Armadas destinam-se a defender a pátria e garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem. Ora, a pátria estava ameaçada pelo comunismo, que o povo repele. Os poderes constitucionais haviam sido feridos de morte, tantos os desrespeitos à Contituição, à lei, ao regime federativo. E a ordem periclitava com a quebra de disciplina e hierarquia nas Forças Armadas.” “Assim se deve enxergar o movimento que empolgou o país. Representa, fora de dúvida, um momento dramático de nossa vida, que felizmente termina sem derramamento de sangue. E termina com a vitória do espirito de legalidade, reestabelecido o primado da Constituição e do Direito. Resta-nos esperar que os focos de resistência esboçados em raros pontos logo se desfaçam, para que a família brasileira reencontre no menor prazo possível a paz a que tanto aspirava o povo, livre da pregação e da ação dos comunistas que se hav

Recordar é viver: A revolução dos caranguejos

"De todas as violências e ilegalidades postas em prática pela quartelada de 1o de abril, a mais repugnante, a mais abjeta é a oficialização e santificação da delação. [...] No governo da Guanabara, em outros governos, no IAPC, nos demais institutos, na cidade e no País a delação foi guindada a mérito, com direito a recompensa." Trecho do primeiro parágrafo de "Judas - o dedo-duro", crônica de Carlos Heitor Cony do dia 15 de maio de 1964.

A vida além do cemitério

O melhor música feita no Brasil hoje em dia não passa no Fantástico nem na novela, não aparece no segundo caderno nem na Folha nem n’O Globo e não toca em radio nenhuma. Exemplo: “Gangorra” de Maurício Ribeiro e Zéfere, cantada por Juliana Perdigão e Rômulo Fróes no Álbum Desconhecido da Juliana, que aliás já compareceu aqui no blogue com a sensacional banda Graveola e o lixo polifônico : Eis a Letra: Por isso é que quando se trata de ouvir música, não perco meu tempo nem com Fantástico nem com novela, nem com segundo caderno de Folha nem O Globo, nem com rádio nenhuma. São cemitérios para mim. E para você?

Saquaremas e Luzias

[Legenda: "Então a gente combina assim: você fica com o senador e eu fico com o ministro."] Um certo sábio disse no século XIX que no Brasil não havia nada mais parecido com um conservador que um liberal no poder. No século XXI a sofisticação desse sistema chegou a tal ponto que o Lobão senador do PFL de ontem é o Lobão ministro do PMDB de hoje. Enquanto as diferenças políticas se cancelam e se fabricam ao sabor das conveniências, tudo acaba ficando mais ou menos no ponto em que sempre esteve e a roda da história parece mais um cachorro correndo atrás do próprio rabo – seja com “pibão” ou com “pibinho”. Acho que hoje em dia esse é um fenômeno mundial e os exemplos são tantos que ando suspeito de ter contraído algum tipo de paranóia transmitida pela água em New Haven. Afinal, em vários aspectos, nada mais parecido com Bush do que Obama no poder, vide a concentração de renda, a política externa, as int ervenções militares, o terrorismo de estado, Guantánamo e

Diário da Família - Samuel, meu filho

Não é questão de ter ou ter filhos, nem de ter orgulho ou vergonha deles, mas de saber ver e ouvir uma criança tentando chegar lá onde eles vivem, num mundo ao mesmo tempo menor e maior que o dos adultos. É um presente tentar ver e ouvir uma criança desde o mundo delas, algo que estaria acessível a qualquer um a princípio. Aí está o desenho que meu Samuel fez da última foto dele com o avô, horas antes da gente fazer uma atribulada viagem de volta a New Haven no fim de agosto do ano passado para comprovar. Ironia das ironias: meu filho, suave, silencioso, denso, tem sido um dos meus maiores consolos nesses dias negros de luto.

Juízes e dinossauros

O juiz espanhol Baltazar Garzón pisou nos calos de gente ainda muito poderosa e agora está pagando caro pela sua coragem. O resultado da sua luta foi seu duro enquadramento pelo supremo espanhol, bem no estilo do brasileiríssimo “aos amigos tudo, aos inimigos a lei”. Há aqueles que crêem no caráter exemplar da transição democrática na Espanha e no Brasil, pelo caráter pacífico e conciliador por das duas. Mas essa transição permitiu que uma parte considerável da Espanha franquista, motivada pelos motivos mais torpes, insistisse em fingir que franquistas e republicanos eram simplesmente dois lados de uma mesma moeda. É uma manobra retórica bastante comum em vários lugares do mundo nos dias de hoje: em nome de uma pretensa equanimidade jogam-se repressores fascistas e reprimidos republicanos numa vala comum apontando atrocidades dos dois lados e, a partir daí, prega-se uma anistia igual a ambas a partes ou simplesmente espera-se por um esquecimento amplo, geral e irrestrito. Ofereç