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Showing posts from September, 2021

Notícias das profundezas do tuíto

 1. Para quem vive o Fla-Flu diário lá no tuíto: o buraco, meus amigos, é muitíssimo mais embaixo. Para quem não conhece: sem uma boa dose de objetividade e cuidado por parte do usuário uma excelente forma de se informar pode acabar reduzida a um bate-boca interminável e inútil. 2. Desejar e celebrar porradas da polícia, chuvas de gás de pimenta, prisões arbitrárias, estupros na cela da prisão, espancamentos e tiros "na cabecinha" dos adversários vai além de defender o uso da violência como arma política. É descer lá nas profundezas de onde veio o atual presidente da república no Brasil. É ser, no século XXI, uma expressão típica do sadismo que a sociedade escravista nos legou e que a ditadura nos relegou. Não importa o alvo. Ou melhor, o alvo importa porque ajuda a entender melhor as obsessões do autoritarismo brasileiro.  3. As rivalidades no futebol servem exatamente para isso: exacerbar seus desejos obscuros de violência num ambiente de ritual simbólico intenso. Claro que

Entre a foto e o retrato pintado

 O contraste entre a foto do velho Machado de Assis em 1905 e o retrato feito com base nela pelo pintor Henrique Bernardelli é incontestável. O homem da foto e o retrato pintado têm cores diferentes; um é negro e o outro, nem sequer mulato. Bernardelli, assim como Nabuco no seu famoso comentário sobre o homem da Grécia que Machado de Assis seria e no quão desmerecedor seria chamar atenção para a sua condição racial, considerava esse embranquecimento talvez como uma homenagem a um homem que, admirado e até venerado àquela altura, deveria estar supostamente acima da sua origem racial. O racismo brasileiro tem muitas faces e essa é apenas uma delas. Talvez seja a mais insidiosa, porque é revestida de supostas boas intenções. Deveríamos estar discutindo-o seriamente porque é fácil repudiar a face grotesca do racismo, mas essa sua face pretensamente benévola e gentil é igualmente destrutora.  O Brasil que reconhecemos culturalmente hoje simplesmente não existiria sem Gonçalves Dias, Machado

Telegráficas sobre Arturo Toscanini

 

Antonio Vieira, contador de histórias e inspirador de Eça

 Num sermão de Vieira sobre os encantos e encantamentos do rosário, o pregador maravilhoso faz uma pequena pausa e o contador de histórias toma conta: “No reino de Valença houve um fidalgo rico e moço, com que já está dito quais seriam os seus pensamentos. Deu em festejar com passeios públicos uma senhora casa­da, de igual ou maior qualidade, mas tão honesta como ilustre. Chegou a notícia ao marido, e não só para dissimular o seu agravo, mas para o vingar, com pretexto de passar os calores do estio no campo, se passou com toda a família a uma quinta. Anda­dos alguns dias, entrou em um aposento, onde estava só a mulher, deu volta à chave, e, tirando de um punhal, lhe mandou que escrevesse o que lhe ditasse. Respondeu a senho­ra, muito segura, que nem para a sua obediência eram necessários punhais, nem para a sua inocência havia temores. Escreveu, e o que continha o papel ditado, era estranhar ela ao fidalgo dos passeios o descuido de a não ver naquele retiro, avisando-o que, se

Quatro vezes 7 de setembro

  Em 1841 o pintor René Moreaux imaginou assim a proclamação da independência do Brasil no dia 7 de setembro de 1822. A ideia de uma monarquia constitucional não era de todo estranha . Lafayette defendia o sistema na época da revolução francesa e os próprios franceses experimentariam com ela em 1830 com o "rei cidadão " Louis Philippe e o regime durou até a revolução de 1848. Já no finalzinho da monarquia o pintor brasileiro Pedro Américo pintou o famoso Grito do Ipiranga , bem mais movimentado e com direito a uma audiência algo ambivalente do outro lado da cerca : um lavrador com seu carro de boi levando madeira recém-cortada , um fazendeiro no lombo do cavalo que parece estar olhando não exatamente para o imperador e sua trupe e de um segundo lavrador com uma mula carregada . Um ano depois a monarquia estaria aniquilada no dia 15 de outubro . Praticamente a redação inteira do jor

Entre normas e possibilidades com Milton Santos

  Desenho Meu: "the only way to survive" " O mundo de hoje é o mundo de normas. A propaganda do neo-liberalismo fala de desregulação, mas nunca o mundo foi tão regulado, tão normado: normas públicas, normas das empresas que se impõem por sobre ou que orientam as normas do poder público; normas formais, normas informais, normas sempre. Tudo ou quase tudo é feito a partir de normas, o que já é indicativo da tendência ao empobrecimento simbólico que estamos vivendo: esta proliferação e esta hegemonia da norma." " Seja qual for o momento da história, o mundo se define como um conjunto de possibilidades. Isto é que é o mundo. O mundo do tempo de Colombo ou de Cabral era formado por um conjunto de possibilidades diferentes do mundo de Voltaire ou de nosso mundo. Isto é o mundo: um conjunto de possibilidades. Estas possibilidades que estão por aí boiando sobre nossas cabeças; que formam um universo e que são, um dia ou outro, colhidas por atares que as realizam, trans

Obituário: Lee "Scratch" Perry

 Morreu na Jamaica Lee Perry o produtor dos grandes discos de Bob Marley. Ao mesmo tempo ele foi uma das figuras mais importantes do Dub, um tipo de reggae menos conhecido cheio de ecos, reverberações e mixagens de estúdio. O The Guardian fez uma coletânea de momentos importantes da carreira dele aqui . Ando meio de sem forças para escrever muito aqui, mas Lee Perry marcou minha juventude e meus anos de músico tanto com um disco com o "Mad Professor" como com um solo que foi lançado no Brasil ainda na época do vinil.