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Showing posts from December, 2009

Poema meu: Mash-Up de Cyril Connolly

Desconfie dos que falam de ética o dia inteiro. Desconfie dos charmosos que escondem viver do amor alheio. Desconfie daqueles que ignoram que sem inteligência nem sensibilidade, o caráter é caroço duro, sem polpa e casca. Desconfie dos que negam que nada dói mais do que a dor que dois amantes podem dar um ao outro. Desconfie da uva que nos ensinou o vinho que aprendemos a beber, mas desconfie também dos que se dizem livres das drogas, porque tudo nesse mundo é uma droga perigosa exceto a realidade, que é insuportável. Desconfie dos que nunca se perguntaram se a civilização de hoje é o esterco de amanhã e dos que não desconfiam do passado, a única coisa morta que não cheira mal. Desconfie dos que vivem nas encubadoras de apatia e delírio da classe média e têm medo e amam o conforto vazio e têm medo e amam o dinheiro e têm medo e odeiam o que temem. Eles não se matam por medo do que os vizinhos vão dizer. Desconfie dos que escrevem poemas como esse, cheios de imperativos. Deus ri dos nos

Pérolas de Sabedoria

Duas frases interessantes de Cyril Connoly, um crítico e editor muito influente nos anos 40 na Inglaterra. "Like everyone who talked of ethics all day long, one could not trust him half an hour with one's wife." Sobre Arthur Koestler "There are many who dare not kill themselves for fear of what the neighbors will say."

Liar, Liar, Pants on Fire!

O www.politifact.com é um site muito interessante mantido por um jornal regional, da cidade de São Petersburgo na Flórida. A premissa é muito simples: declarações de políticos e de comentaristas da mídia são checadas pelo site que então classifica a declaração como verdadeira, verdadeira na maior parte, uma meia-verdade etc. Uma mentira deslavada ganha o nome de “Pants on Fire” [uma rima infantil muito comum que as crianças usam quando acusam alguém de mentiroso, dizendo “liar, liar / pants on fire”]. O troféu da “mentira do ano” do politifact.com vai para a mentira mais deslavada de todas no ano, de acordo com os leitores e os jornalistas do site. Em 2009 ganhou, com grande merecimento, a seguinte lorota da ex-governadora do Alaska e ex-candidata a vice-presidente Sarah Palin. No dia 7 de agosto, três semanas depois que a reforma do sistema de saúde chegou ao congresso, Sarah Palin disse que o governo de Obama iria criar “death panels”, grupos de burocratas que iriam resolver se os i

Extra, Extra!

O jornal El País da Espanha repercutiu muito positivamente a nova tradução de Grande Sertão: Veredas para o espanhol, feita por Florencia Garamuño e Gonzalo Aguilar, um argentino que conhece literatura brasileira melhor que a maioria dos especialistas brasileiros. Já no primeiro parágrafo do artigo do jornal uma surpresa: “El carioca Guimarães Rosa (1908-1967), uno de los más grandes narradores del siglo XX, anduvo siempre obsesionado con el lenguaje.” Ora bolas, Guimarães Rosa tem mais em comum comigo que eu pensava… deve ser o “carioca” mais mineiro de todos os tempos… Fora essa bola fora, a reportagem é muito simpática e o site do jornal oferece as primeiras páginas da tradução nova para baixar. Também chama a atenção a iniciativa da editora Adriana Hidalgo, que também lançou há pouco tempo uma primeira tradução de Sagarana para o Espanhol. Os argentinos, enfim, estão pondo outra vez no mapa das letras hispanas o nome de Guimarães Rosa. Não consigo imaginar outro universo literário

A dança dos números em Honduras de 1 a 10

1. A ONU, a OEA e mesmo o Carter Center [ONG do ex-presidente Jimmy Carter] não enviaram equipes de fiscalização para as eleições em Honduras porque não reconheciam a convocação de eleições por um governo golpista. 2. Sem essa fiscalização externa formal tradicional, as eleições foram monitoradas por duas ONGs dos Estados Unidos, o International Republican Institute (IRI), de extrema-direita, e o National Democratic Institute (NDI), digamos que de centro-direita; ambas financiadas principalmente pelo dinheiro do USAID (the United States Agency for International Development) do governo norte-americano. 3. Isso, claro, além do TSE de Honduras, que apoiava claramente o golpe. Poucos dias antes da eleição, 90 membros do TSE de Honduras pediram demissão em protesto contra o apoio do tribunal ao regime no poder. 4. O TSE de Honduras inicialmente anunciou a participação de 62% dos eleitores – informação crucial para a legitimação internacional do regime. Nesse sentido, o porta-voz do ministé

Gabriel Orozco 3

"Es un trabajo de desprejuicio, un proceso en que busco librarme de prejuicios". Mais Gabriel Orozco aqui .

A voz do dinossauro

Sexta-feria passada o rádio do helicóptero que levava o casal Kirchner da sua residência à Casa Rosada sofreu interferência durante o todo o trajeto. Em cinco momentos ouviram-se vozes. No primero, uma voz diz “Maten a la yegua”; no segundo ouve-se um fragmento de ‘Avenida de las Camelias’ [marcha militar que acompanhava os anúncios oficiais da ditadura militar argentina]; no terceiro outra voz diz “Boludos, maten al pescado” [apelido de Nestor Kirchner]; e no quarto e quinto uma voz diz simplesmente, “Mátenla”. A interferência no radio do helicóptero foi sincronizada com o início do julgamento de pessoas que trabalhavam na ESMA [Escuela de Mecánica de la Mariña], um dos principais centros de detenção clandestinos da ditadura argentina, onde estima-se que 5.000 pessoas foram “interrogadas” e de onde só sobreviveram 150. O prédio da ESMA foi aberto ao público e será transformado em um museu dos direitos humanos. Héctor Febres, o “administrador” da “maternidade” onde centenas de bebês na

Gabriel Orozco de novo

Além da foto, a escultura que aparece na fotografia também estava na exposição. O material: barro de uma olaria no México.

Poema meu

[imagem: cartão postal de 1905 do Luna Park de Long Island] Mash-up: LUNA PARK Nací cuando del sollozo del ultimo siglo, No se oía ni un solo eco Luis Cardoza y Aragón O soluço do último século abriu a fenda onde passaram galopando as montanhas. O século seguinte ofereceu a Dom Quixote um aeroplano, lastre lançado ao passado. Do trigo dos campos de batalha um grão de loucura germinou nas minhas entranhas. O rio suicida me piscou um olho; sua suave sonolenta corrente noturna não quer os barcos que singram, fumando, pacientes, sobre trilhos, no mar. Nesse bosque de chaminés fumantes escuto o músculo obediente, fiel, sonoro, da máquina, construindo castelos no ar. Para as vidas sublinhadas em vermelho pela guerra o choro veste os rostos com caretas de máscaras de clown: o futuro é um feto que não vem. E que Deus é esse que só ouve súplicas em inglês? Que prazer sentir-se bruto e desfolhar a vida sem saber nada da feira do mundo, nada desse LUNA PARK e

Gabriel Orozco

[esse é um post em fragmentos]: - Escrever sobre artes plásticas é como fazer um quadro ou uma escultura para comentar um romance. Não é impossível, é muito interessante, mas não é nada fácil. - Visitei uma exposição retrospectiva de Gabriel Orozco. Logo me lembrei de um amigo pintor de São Paulo que, explicando porque não se sentia latino americano, me disse que não havia nenhum pintor mexicano que lhe dissesse alguma coisa, que fosse importante para ele. Como é que você se sentiria se conversasse com um artista angolano que dissesse que não se sentia africano e que nenhum artista africano lhe dizia qualquer coisa de interessante? - A obra ao lado [Papalotes Negros] foi a que mais gostei na exposição, mas é uma apresentação que convida a uma visão equivocada do trabalho dele. Por quê? Porque as pessoas vão logo achar que... Prefiro não dizer mais nada para não acabar reforçando o que eu não queria dizer sobre ele. - Trabalhar com objetos encontrados ao acaso, com materiais nada nobre

Unsilent Night

Ontem New Haven foi palco de um evento muito legal. Imagine um grupo de umas sessenta pessoas passeando durante mais ou menos 40 minutos pelas ruas da cidade, carregando mais ou menos trinta aparelhos de som portáteis tocando a mesma música sincronizada. É uma música instrumental estranha, cheia de sinos e notas longas, pequenos padrões vagamente natalinos encadeados sem transições bruscas. A música muda à medida em que você anda e se coloca em posições diferentes, no meio, nas pontas, no fim, no começo da “procissão de boomboxes”. O nome do evento é uma brincadeira com o natal: “Unsilent Night” [o nome da canção natalina Noite Feliz é Silent Night]. O compositor Phil Kline estava presente e ainda serviram chocolate quente antes e depois. O evento acontece em várias cidades diferentes todos os anos e tem uma página na internet com notícias e clips, de onde qualquer um pode baixar a música para participar. Encontrei um clip do ano passado no iutubi .

Última da Sterling: Painel de Vidro na Janela

Mais Sterling: detalhe da porta principal

Afinal de contas, o que é que eu estou fazendo aqui?

Quase três horas da tarde. A temperatura agora não vai além de nove graus até abril e geralmente, como hoje, vai estar bem abaixo disso. O sol, branco e fraco como se você uma lua metida à besta, vai se por, na menos pior das hipóteses, às 15 para as quatro [3:45]. Isso mesmo: antes das quatro horas da "tarde" [sou contra o uso aspas para indicar ironia]. Preciso me lembrar porque vivo 10 meses por ano aqui nesse clima feito para Inuits [nome que os Eskimós usam para si mesmos] e protestantes masoquistas. Vou visitar a Biblioteca Sterling: são mais de 4 milhões de livros em 15 andares dentro de uma linda ainda que bizarra leitura de uma catedral gótica. No altar, Palas Atena e companhia ilustrada. Os vitrais e as esculturas vão de Santo Agostinho aos Maias, sempre se referindo à linguagem, ao saber, aos livros. Melhor ainda: aqui dentro está quentinho!

Katherine Anne Porter

Eis o final de “Noon Wine” de 1937 "He licked the point of his pencil again, and signed his full name carefully, folded the paper and put it in his outside pocket. Taking off his right shoe and sock, he set the butt of the shotgun along the ground with the twin barrels pointed toward is head. It was very awkward. He thought about this a little, leaning his head against the gun mouth. He was trembling and his head was drumming until he was deaf and blind, but he lay down flat on the earth on his side, drew the barrel under his chin and fumbled for the trigger with his great toe. That way he could work it."

Jóias da Literatura Americana: Flannery O'Connor

Flannery O'Connor é uma das escritoras mais originais que eu já li - uma católica praticante que adorava o grotesco e foi uma das figuras mais importantes do Southern Gothic. Junto com Katherine Anne Porter, Eudora Welty, Carson McCullers [todas do sul dos Estados Unidos], acho que O'Connor escreveu a melhor literatura americana do século XX, depois de Faulkner. É dela o elenco mais estranho e fascinante de personagens que eu já conheci: uma perneta niilista formada em filosofia chamada Joy Hopewell, um vendedor de bíblias que esconde pornografia e bebida em uma Bíblia oca, etc. O'Connor é uma escritora de precisão, com uma frieza e crueldade extremas que nunca caem na banalidade, uma lição útil para muito escritor contemporâneo que quer bancar o Tarantino no papel e acaba escrevendo neo-naturalismo de quinta. Abaixo um trecho do conto "A Good Man is Hard to Find", com o confronto final entre uma vovó mal humorada e o assassino The Misfit, que acaba de dar cabo d

Poema meu

O poema - em nova versão - ainda não está completo, mas depois de ter lido os jornais hoje, ando achando que ler poesia pode ser bem mais útil e informativo . As partes em itálico são poemas de outrem [putz, acabo de perceber que o itálico sumiu do word pra internet] . A história é sensacional e o elenco é muito forte - se não deu certo a culpa é toda minha. Kafka e Drummond Ciego a las culpas, el destino puede ser despiadado con las mínimas distracciones. (…) A la realidad le gustan las simetrías y los leves anacronismos. Jorge Luis Borges, “Sur” 1939, quatro dias antes da Polônia começar a cair; imagine No meio do caminho tinha uma pedra traduzido por um judeu da Hungria. “É um maluco de Budapeste”, diziam aqui. Preso numa ilha, terceira margem do rio Danúbio; condenado a levantar e, depois de pronto, desmanchar com as mãos nuas um prédio de pedra dura; o tradutor louco de Budapeste numa pausa entre arremate e demolição, foge e vem parar aqui, no Brasil. Aqui pede ao poeta funcionári

Mais Lydia Davis: Head, Heart

Heart weeps. Head tries to help heart. Head tells heart how it is, again: You will lose the ones you love. They will all go. But even the earth will go, someday. Heart feels better, then. But the words of head do not remain long in the ears of heart. Heart is so new to this. I want them back, says heart. Head is all heart has. Help, head. Help heart.

Classificar o inclassificável

Entender as categorias raciais no Brasil e nos Estados Unidos me ensinou que é preciso ter cuidado com as certezas que a gente tem sobre quem é o quê quando e como. Nada é tão simples como parece. Quem sabe dizer com certeza, sempre, quem é homem e quem é mulher? Será que todo mundo é homossexual ou heterossexual ou bissexual? Caster Semenya era uma corredora extremamente promissora da Africa do Sul. Uma pessoa humilde, do norte rural do país, Caster começou a treinar descalça e conseguiu entrar para universidade com uma bolsa e fazer carreira internacional. Sua especialidade era os 800 metros e ela parecia estar à beira de ganhar tudo nessa categoria. Mas Caster é uma italasi – uma mulher com jeito de homem, com feições masculinas – e o comitê internacional de atletismo resolveu que ela precisava ser “testada” além do trivial [e ao mesmo tempo extremamente humilhante] “abaixa a calça”. O problema é que mesmo os famosos cromossomos XX e XY são menos definitivos do que parecem – há, por

É insuportável mas é meu

Às vezes a gente escreve uma coisa que acha boa e ninguém gosta. Mesmo assim a gente continua gostando do que escreveu, às vezes. Mas às vezes a gente escreve umas coisas que nem a gente mesmo gosta. Um textos que eu classifico como insuportáveis , mas que, como filhos que a gente odeia mas também ama, a gente é obrigado a suportá-los. Segue abaixo um deles. É engraçado [ou triste] como uma idéia que a gente ser irresistível acaba gerando um texto que a gente mesmo acha insuportável - imagina os outros. Esse foi feito durante a oficina em Paraty mas não foi mostrado lá - afinal a primeira impressão é importante e ninguém quer ficar marcado como "o sujeito dos textos insuportáveis"... o mundo inteiro entre uma maiúscula e um ponto final I’m trying to say it all in one sentence, between one Cap and one period. I’m still trying to put it all, if possible, on one pinhead. I don’t know how to do it. All I know to do is to keep on trying in a new way William Faulkner Enfiar o mun