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Poema de Drummond [ilustrado]

A flor e a náusea Carlos Drummond de Andrade Preso à minha classe e a algumas roupas, vou de branco pela rua cinzenta. Melancolias, mercadorias, espreitam-me. Devo seguir até o enjôo? Posso, sem armas, revoltar-me? Foto minha: Dente de Leão na Greta Olhos sujos no relógio da torre: Não, o tempo não chegou de completa justiça. O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera. O tempo pobre, o poeta pobre fundem-se no mesmo impasse. Em vão me tento explicar, os muros são surdos. Sob a pele das palavras há cifras e códigos. O sol consola os doentes e não os renova. As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase. Vomitar este tédio sobre a cidade. Quarenta anos e nenhum problema resolvido, sequer colocado. Nenhuma carta escrita nem recebida. Todos os homens voltam para casa. Estão menos livres mas levam jornais e soletram o mundo, sabendo que o perdem. Crimes da terra, como perdoá-los? Tomei parte em muitos, outros escondi. Alguns achei belos, f...

Poesia Portuguesa: Alberto Caeiro

Foto Minha: Água em Norman Deslumbramento foi o que eu senti quando li Alberto Caeiro, essa face mais luminosa de Fernando Pessoa. Se eu pudesse escrever como eu quisesse - uma triste impossibilidade, porque a gente não escreve o que quer como quer, a gente escreve o que dá conta como dá conta - gostaria de escrever forte e simples como Caeiro. Que Caeiro seja apenas uma das muitas faces de Fernando Pessoa me parece um exagero. Como é que Fernando Pessoa guardava tanta coisa assim dentro? Como é que ele dava conta de tanto? Eis um pedacinho do "Guardador de Rebanhos":  IX Sou guardador de rebanhos O rebanho é os meus pensamentos E os meus pensamentos são todos sensações. Penso  com os olhos e com os ouvidos E com as mãos e os pés E com o nariz e a boca. Pensar uma flor é vê-la e cheira-la E Comer um fruto é saber-lhe o sentido. Por isso quando num dia de calor Me sinto triste de goza-lo tanto. E me deito ao comprido na erva, E fecho os olhos quentes, Sinto ...

Ruínas em New Haven

Eu mesmo dou minhas fotografadas em fábricas abandonadas aqui em New Haven.  Eis aí três fotos que tirei perto aqui de casa.  Acompanho com um poema meu: Stultifera Navis eu sei o preço de ficar aqui e sei o preço de ir embora mas hoje meus bolsos estão vazios eu tenho os dois pés descalços plantados firmes nesse chão entre a colheita vazia do não-mais e o semeio do ainda-não e tenho que gestar nessa ausência algo que se possa chamar presença montar um novo outro-que-não-é do gelo podre desse o-que-é eu sei o preço de ficar aqui e sei o preço de ir embora mas só tenho dois bolsos descosidos

Postal do passado recente feito ruína

Um shopping, uma fábrica, um teatro em Detroit: marcas visíveis, cicatrizes na paisagem urbana gritando em silêncio uma das nossas muitas perversas insanidades do capitalismo,   aquilo que Marx chamava de destruição ou aniquilamento [ Vernichtung ]  criativa/o:  a destruição sistemática da riqueza  para que se abra espaço  para a criação de nova riqueza  e a reconfiguração da ordem econômica.  Tem gente que acha lindo .  As fotos são - na minha opinião - lindas não só pela composição e jogo de luz e cores e tal mas porque uma ruína assim nos fala de uma morte íntima e monumental daquele momento em que um passado reconhecível começa a fazer parte da história, quando de repente a nossa própria vida  vira também matéria de arqueologia e as coisas que vimos construírem  pirâmides em ruínas. É na morte que as pedras  que a gente achava mortas revelam-se, paradoxalmente, vidas.