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Showing posts from March, 2017

Memórias da sala de aula: sobre os usos possíveis da meta-história

Me marcou muito certas leituras que fiz de Hayden White nos meus tempos de aluno, particularmente o momento em que enfurece os historiadores com aquele enquadramento de grandes clássicos da disciplina no século XIX num esquema de análise de gêneros literários no seu Metahistória . Desde então, com certas adaptações à teoria de gêneros dele [prefiro usar a farsa no lugar da sátira] e sem aquela empáfia quase-formalista que White tem para com a história, tenho feito usos variados de algumas ideias dele. Tenho ensinado aos meus alunos em diversas oportunidades que eles devem se aproximar não apenas de literatura e do cinema de ficção mas também de textos jornalísticos e/ou científicos com um olhar atento para o gênero que é escolhido ali e nas implicações que essa escolha tem na visão geral do mundo que fica subjacente naquele texto. Também às vezes aproveito para um exercício mais arriscado, bom para praticar protegido pela impunidade da sala de aula [aquele lugar de onde ninguém se

Filme argentino: La mirada invisible

La mirada invisible é um filme dirigido por Diego Lerman [diretor ainda jovem de grandes filmes do cinema argentino] e lançado em 2010. É um dos melhores filmes sobre a ditadura argentina, mais especificamente sobre o seu fim, no período das Malvinas e de Leopoldo Galtieri, que aparece brevemente na televisão da casa da protagonista. O script se baseia no romance Ciencias Morales de Martín Kohan [1967], livro que ganhou o importante prêmio Herralde de 2007. O filme é quase todo centrado na rotina sufocante de um Colegio Nacional de Buenos Aires fundado por Bartolomé Mitre, onde tudo gira em torno do conceito de ordem. Nem uma lapela fora do lugar no uniforme dos alunos passa pela vigilância constante de um exército de inspetores que auxiliam os professores. Um grupo imenso de adolescentes mal se contendo num clima pesado, onde nem um fio de cabelo ou uma meia abaixada, nem uma tossida ou um risinho, nem uma revista de quadrinhos muito menos um beiijnho no corredor é permitido. Lá d

Miroslava Breach, Patricia Acioli, Ayotzinapa, Cabula e Valdomiro Costa Pereira e muitos outros

O México e o Brasil andam pelo mesmo caminho que muitas outras partes do mundo globalizado: longe das manchetes principais da imprensa, mensalmente, talvez semanalmente, alguém é preso, torturado, desaparecido ou assassinado em conflitos marcados pelo total desrespeito aos direitos humanos e da cidadania.  As vítimas são indígenas, sem-terra, sem-teto, moradores de comunidades marginalizadas, crianças pobres, membros de várias minorias e de organizações que lutam pelo respeito aos direitos dessas pessoas, desde ativistas a promotores, juízes e jornalistas. E os criminosos caminham quase sempre numa linha imprecisa entre o crime organizado e os aparelhos de repressão do estado. Mensalmente, talvez semanalmente as mortes e abusos vão se acumulando e formando na minha cabeça uma daquelas terríveis, assustadoras de pilhas de corpos dos campos de concentração nazista. Um discurso furioso de ódio que divide o mundo entre gente de bem e inimigos que merecem nada além da comple

Obituário: Derek Walcott

Foto minha: Espelho d'água Encerramento Derek Walcott Eu vivo sobre as águas sozinho. Sem mulher nem filhos. Circulei todas as possibilidades para cheguar a isto: uma casa baixa perto da água cinza, com as janelas sempre abertas para o mar parado. Não escolhemos essas coisas, mas somos o que fizemos. Sofremos, passam-se os anos, baixamos a carga mas não a nossa precisão de estorvos. O amor é uma pedra que se acomoda no leito do mar debaixo da água cinza. Agora nada quero da poesia além de sentimento verdadeiro, nem piedade, nem fama, nem cura. Esposa silenciosa, podemos nos sentar e assistir a água cinza, e numa vida inundada com mediocridades e lixo, viver feito pedras. Eu desaprenderei a sentir, desaprenderei meu dom. Isso é mais e mais difícil do que o que aí se passa por vida. Acesse o original e outra tradução aqui . Comentei brevemente sobre o poema e a tradução aqui .

Prosa minha: Sonhos de Moctezuma

Sonhos de Moctezuma Final do debate organizado em 1960 pela Escola de Arte da Philadelphia publicado na revista Spring no mesmo ano. Certos pecados têm precedência numa dada cultura, conferindo-lhe suas feições típicas. Moctezuma, como todas as outras cidades da região, vive fraturada entre clãs opostos provindos de uma mesma família – há quem cinicamente diga que se trata de um estratagema digno dos velhos reis portugueses através do qual os Andrades se perpetuam no poder desde a fundação da cidade. O que torna nossa cidade realmente especial é o fato que ela padece daquele pecado que um velho sábio considerava o rei de todos os demais: a Vaidade. A prevalência desse pecado entre nós nos diferencia de nossos vizinhos, tanto dos possessivos-compulsivos de Rio Pardo, escravizados entre a Cobiça de conseguir o que não têm e a Avareza de não perder o que acumularam, como dos dualistas tripolares de Taiobeiras, açoitados ora pela suavidade suicida da Ternura,

Postais: o dentro e o fora das coisas

"Para mim, estilo é exteriorização do conteúdo, e conteúdo, a internalização do estilo; como as partes externa e interna do corpo humano, ambos caminham juntos e não podem ser separados". Jean-Luc Godard "... os  Road Movies  mais interessantes são justamente aqueles em que a crise de identidade do protagonista da história reflete a crise de identidade de uma cultura, de um país." Walter Salles Desenho meu: "... the only way to survive." "... eventos são reais não porque ocorreram mas porque, em primeiro lugar, ele alguém se lembrou deles e, em segundo lugar, porque eles encontram seu lugar numa sequência ordenada cronologicamente. [...] ... o valor dado à narratividade na representação de eventos reais vem do desejo de ver nos eventos reais uma exibição de coerência, integridade, completude e fechamento que pertencem a uma imagem da vida que é, e só pode ser, imaginária. " Hayden White