La mirada invisible é um filme dirigido por Diego Lerman [diretor ainda jovem de grandes filmes do cinema argentino] e lançado em 2010. É um dos melhores filmes sobre a ditadura argentina, mais especificamente sobre o seu fim, no período das Malvinas e de Leopoldo Galtieri, que aparece brevemente na televisão da casa da protagonista. O script se baseia no romance Ciencias Morales de Martín Kohan [1967], livro que ganhou o importante prêmio Herralde de 2007.
O filme é quase todo centrado na rotina sufocante de um Colegio Nacional de Buenos Aires fundado por Bartolomé Mitre, onde tudo gira em torno do conceito de ordem. Nem uma lapela fora do lugar no uniforme dos alunos passa pela vigilância constante de um exército de inspetores que auxiliam os professores. Um grupo imenso de adolescentes mal se contendo num clima pesado, onde nem um fio de cabelo ou uma meia abaixada, nem uma tossida ou um risinho, nem uma revista de quadrinhos muito menos um beiijnho no corredor é permitido.
Lá de fora ouvimos as batucadas que marcam os protestos de rua de uma Argentina farta das loucuras dos seus generais celerados; ficamos com a câmera aqui dentro, onde o hino nacional é cantado como uma espécie de canção fúnebre que celebra a morte de quem canta. O filme é profundamente político sem nenhum eloquente discurso explicativo sobre lutas políticas nem de grandes menções sobre figuras importantes da época. A única voz é a da repressão. Dentro do colégio ninguém resiste explicitamente. Os meninos são repetidamente autuados e punidos pelas falhas mais mínimas. O conformismo impera.
A protagonista é uma jovem inspetora da escola, obviamente produto desse caldo de opressão, um poço fundo e escuro de silêncio e repressão que agora se dedica a manter a ordem. Ela tenta impressionar o inspetor chefe que chegou à escola no início do regime militar e era conhecido por ter fornecido ao aparato sinistro do Proceso de Reconsctrucción Nacional listas de "alunos subversivos". O filme não se cansa de mostrar a protagonista de perto e Julieta Zylberberg corresponde com uma atuação contida mas brilhante para um papel difícil por trafegar num território já demarcado por clichês antigos do melodrama e da comédia: a mulher sufocada por repressão à beira da histeria. Sufocada, Maria Teresa mergulha na repressão com empenho de quem quer ser o melhor da classe, mas o desejo sexual/afetivo subverte o desejo de repressão, que não caminha para uma libertação [que seria outro clichê] mas para a perversidade. A vigilância vira então em parte disfarce para um silencioso e torturado voyeurismo que a inspetora tem dificuldades em ocultar. Maria Teresa espreita e depois se esconde no banheiro dos homens com a desculpa de buscar descobrir alunos que fumam escondido na escola e ali dentro arde de desejo doloroso por um dos alunos que ela espreita obsessivamente.
Diretor e atores trabalham juntos para trafegar nesse terreno minado e fazer algo diferente do comum. É muito baixa hoje em dia a tolerância para com o que é diferente do comum no cinema [e entenda-se comum aqui como o tratamento habitual de Hollywood ou da televisão para tudo da linguagem do audio-visual, do script à atuação, passando pela iluminação e trilha sonora]. Também é muito baixo o nível do discurso que discute a política nesses meios e nos meios de comunicação, incluídos aí as redes sociais. Para quem requer "socos no estômago" e "porradas na cara" como recursos retóricos para discutir a política, o filme nem sequer vai registrar como filme político. No meu entender, o filme desvenda de maneira profunda todo o discurso da ordem que marca a extrema-direita moralista de cariz cristão de Franco a Bolsonaro. Inclusive quando, sem grandes surpresas o chefe dos inspetores estupra a sua pupila mais apreciada no mesmo fatídico banheiro. A vítima não deixa barato a truculência do agressor e o gesto final mostra coragem frente à dificuldade em se livrar do ferrolho abusivo da Ordem.
O filme é quase todo centrado na rotina sufocante de um Colegio Nacional de Buenos Aires fundado por Bartolomé Mitre, onde tudo gira em torno do conceito de ordem. Nem uma lapela fora do lugar no uniforme dos alunos passa pela vigilância constante de um exército de inspetores que auxiliam os professores. Um grupo imenso de adolescentes mal se contendo num clima pesado, onde nem um fio de cabelo ou uma meia abaixada, nem uma tossida ou um risinho, nem uma revista de quadrinhos muito menos um beiijnho no corredor é permitido.
Lá de fora ouvimos as batucadas que marcam os protestos de rua de uma Argentina farta das loucuras dos seus generais celerados; ficamos com a câmera aqui dentro, onde o hino nacional é cantado como uma espécie de canção fúnebre que celebra a morte de quem canta. O filme é profundamente político sem nenhum eloquente discurso explicativo sobre lutas políticas nem de grandes menções sobre figuras importantes da época. A única voz é a da repressão. Dentro do colégio ninguém resiste explicitamente. Os meninos são repetidamente autuados e punidos pelas falhas mais mínimas. O conformismo impera.
A protagonista é uma jovem inspetora da escola, obviamente produto desse caldo de opressão, um poço fundo e escuro de silêncio e repressão que agora se dedica a manter a ordem. Ela tenta impressionar o inspetor chefe que chegou à escola no início do regime militar e era conhecido por ter fornecido ao aparato sinistro do Proceso de Reconsctrucción Nacional listas de "alunos subversivos". O filme não se cansa de mostrar a protagonista de perto e Julieta Zylberberg corresponde com uma atuação contida mas brilhante para um papel difícil por trafegar num território já demarcado por clichês antigos do melodrama e da comédia: a mulher sufocada por repressão à beira da histeria. Sufocada, Maria Teresa mergulha na repressão com empenho de quem quer ser o melhor da classe, mas o desejo sexual/afetivo subverte o desejo de repressão, que não caminha para uma libertação [que seria outro clichê] mas para a perversidade. A vigilância vira então em parte disfarce para um silencioso e torturado voyeurismo que a inspetora tem dificuldades em ocultar. Maria Teresa espreita e depois se esconde no banheiro dos homens com a desculpa de buscar descobrir alunos que fumam escondido na escola e ali dentro arde de desejo doloroso por um dos alunos que ela espreita obsessivamente.
Diretor e atores trabalham juntos para trafegar nesse terreno minado e fazer algo diferente do comum. É muito baixa hoje em dia a tolerância para com o que é diferente do comum no cinema [e entenda-se comum aqui como o tratamento habitual de Hollywood ou da televisão para tudo da linguagem do audio-visual, do script à atuação, passando pela iluminação e trilha sonora]. Também é muito baixo o nível do discurso que discute a política nesses meios e nos meios de comunicação, incluídos aí as redes sociais. Para quem requer "socos no estômago" e "porradas na cara" como recursos retóricos para discutir a política, o filme nem sequer vai registrar como filme político. No meu entender, o filme desvenda de maneira profunda todo o discurso da ordem que marca a extrema-direita moralista de cariz cristão de Franco a Bolsonaro. Inclusive quando, sem grandes surpresas o chefe dos inspetores estupra a sua pupila mais apreciada no mesmo fatídico banheiro. A vítima não deixa barato a truculência do agressor e o gesto final mostra coragem frente à dificuldade em se livrar do ferrolho abusivo da Ordem.
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