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Showing posts from August, 2015

Tempos difíceis: Woolf & Stein

Iris Virginia Woolf chama o marido Leonard Woolf para entrar e ouvir um discurso de Hitler no rádio. Ele responde que não vai; prefere ficar no jardim. Diz que está plantando íris e elas estarão dando flores muito depois de Hitler morrer. "A vida é engraçada assim. É sempre engraçada assim, aqueles que deveriam naturalmente oferecer alguma coisa não oferecem, e aqueles que não tem qualquer motivo para oferecê-la, o fazem, você nunca sabe de onde a sua boa sorte pode vir." Trecho de "Guerras Que Vi" de Gertrude Stein

Sobre o esquecimento

Forgetfulness Billy Collins     The name of the author is the first to go followed obediently by the title, the plot, the heartbreaking conclusion, the entire novel which suddenly becomes one you have never read, never even heard of, as if, one by one, the memories you used to harbor decided to retire to the southern hemisphere of the brain, to a little fishing village where there are no phones. Long ago you kissed the names of the nine muses goodbye and watched the quadratic equation pack its bag, and even now as you memorize the order of the planets, something else is slipping away, a state flower perhaps, the address of an uncle, the capital of Paraguay. Whatever it is you are struggling to remember, it is not poised on the tip of your tongue or even lurking in some obscure corner of your spleen. It has floated away down a dark mythological river whose name begins with an L as far as you can recall well on your own way to oblivion where you

Música: Wise Up de Aimee Mann

Esse devia ser o hino de todos os pobres diabos como eu, que pastam nesse mundo duro e ruim como eu, que volta e meia batem com a cabeça no vidro da janela fechada feito uma mosca idiota como eu, que vivem indo embora e voltando e indo embora procurando uma coisa que não existe em lugar nenhum como eu, que bebem demais e comem demais e suam demais ou morrem de frio e choram demais e dormem de menos e têm medo de tudo até que de repente não têm mais medo de nada. Como eu. No final do post a versão de estúdio da canção que apareceu no filme Magnólia de Paul Thomas Anderson, que eu coloquei no final do post. Wise Up Aimee Mann It's not what you thought when you first began it. You got what you want, now you can hardly stand it, though by now you know It's not going to stop It's not going to stop It's not going to stop Till you wise up You're sure there's a cure And you have finally found it You think one drink Will shrink you till you're

Música: duas versões para "Seven Nation Army"

Seven Nation Army I'm gonna fight 'em off A seven nation army couldn't hold me back They're gonna rip it off Taking their time right behind my back And I'm talkin' to myself at night because I can't forget Back and forth through my mind behind a cigarette And the message comin' from my eyes says, "Leave it alone." Don't wanna hear about it Every single one's got a story to tell Everyone knows about it From the queen of England to the hounds of hell And if I catch it comin' back my way, I'm gonna serve it to you And that ain't what you want to hear, but that's what I'll do And the feeling coming from my bones says, "Find a home." I'm going to Wichita Far from this opera for evermore I'm gonna work the straw Make the sweat drip out of every pore And I'm bleeding, and I'm bleeding, and I'm bleeding right before the lord All the words are gonna bleed from me and I wi

Fragmentos sobre o filme "Another Year" de Mike Leigh

1. Um roteiro posta bem no centro da história um casal próximo da aposentadoria. Durante as quatro estações do ano o casal é visto cuidando da sua horta num "alotment" [um pequeno pedaço de terra num lote comunitário] perto da casa e depois em casa recebendo amigos e parentes. Mas a verdadeira protagonista do filme, aquela personagem que faz as coisas andarem é uma amiga do trabalho da esposa do casal. Mary, interpretada pela sensacional  Lesley Manville é uma mulher de meia idade muito sozinha que gravita em torno do casal Tom e Gerri.  Mary está na periferia da vida de Tom e Gerri, o filme está firmemente assentado no mundo desses dois, mas, ainda assim, Mary é a razão de ser do filme.  Ou seja, Mike Leigh, mais uma vez, fez u m filme com um roteiro bastante ousado, mas que, mais uma vez, não grita e anuncia essa ousadia como se ela fosse a razão de ser do filme.   2.  Ousadia formal que não se transforma em formalismo. Mike Leigh combina um cuidado extremo com a

Fragmentos: Corpo e Imaginação

--> Depois de quase uma década trabalhando nos Estados Unidos, adaptar-se ao sistema de concursos das universidades  brasileiras é um desafio interessante. Enquanto nos Estados Unidos a universidade pede que cada candidato, além do seu currículo, apresente o melhor do seu trabalho, o sistema de pontos de exame exige que a gente saia estudando coisas e tentando construir um discurso articulado sobre assuntos que muitas vezes podem não ser mais que uma nota de rodapé no seu trabalho, quando não menos. Eu vou estudar A e acabo trombando com B ou C, que não tem nada a ver com o exame, mas me interessam muito mais. O resultado é que, entre vários textos curtos que tenho produzido para me preparar, acabo produzindo fragmentos que não servem para nada e que acabam ficando então "às moscas"...  Eis um deles: Corpo e Imaginação Desenho meu: Carnaval Como Tomás de Aquino, acredito na existência material da alma. Não como uma espécie de terceiro rim fantasm

Tradução: outro trecho de Citizen de Claudia Rankine

Foto minha da série "Land of the Free" O mundo está errado. Você não pode deixar o passado para trás. Ele está enterrado em você; transformou a sua carne no armário dele. Nem tudo o que se lembra é útil mas tudo vem do mundo para ser guardado dentro de você.... Eu escutei o que eu penso que escutei? Isso saiu da minha boca, da boca dele, da sua boca?     O original “The world is wrong. You can’t put the past behind you. It’s buried in you; it’s turned your flesh into its own cupboard. Not everything remembered is useful but it all comes from the world to be stored in you. . . . Did I hear what I think I heard? Did that just come out of my mouth, his mouth, your mouth?”

Poesia em tradução: trecho de Citizen de Claudia Rankine

Foto minha da série "Land of the Free" Trecho traduzido por mim de Citizen Claudia Rankine: "Um homem no metrô jogou no chão o filho dela. Você sente seu próprio corpo contrair. O menino está bem, mas o filho da puta simplesmente continuou andando. Ela me diz que agarrou o braço do estranho e disse a ele que pedisse desculpas: eu disse a ele, olhe para o menino e peça desculpas. E é isso mesmo, você quero que isso pare, você quer que o menino negro empurrado no chão seja visto, que ajudem ele a se erguer e a bater a poeira da sua roupa, não ser limpo por uma pessoa que não o tenha visto, nunca o viu, talvez nunca tenha visto ninguém que não seja um reflexo de si mesmo. O que foi bonito é que um grupo de homens ficou em pé do meu lado feito uma frota de guarda-costas, ela me diz, feito um banco de tios e irmãos recém encontrados." Aqui o original em inglês: A man knocked over her son in the subway. You feel your own body wince. He’s okay, but the

Traduções de brincadeira no FCBK: Robert Frost e Charles Perrone

Acho muito simpático e quase irresistível esse tipo de desafio feito pelo FCBK, um desafio em que ninguém ganha de ninguém e todos se divertem.  Um foi feito pelo grande professor e figuraça Charles Perrone, que tem um trabalho importante e muito bonito feito aqui nos Estados Unidos sobre a poesia do Brasil. Além disse ele é poeta e publicou esse poema muito legal, no qual a forma da edição é fundamental: Minha tradução devia incluir uma tradução de edição mas não tenho tempo para aprender a apresentar com certa decência uma "tradução gráfica". Fica a tradução: Meios e sem meios Miolos de sabedoria Brinquedos em petardos tritura lascas silvícola Mingau de letrinhas Alegres cachos tosquiados Mente meio que viril Há outras versões legais do poema de Perrone boiando por aí. Ontem, Ana Martins Marques fez um desafio parecido com um poema de Robert Frost. Ana foi minha colega na Letras e, para qu

Amnésia histórica e pobreza cultural

Sobre a importância de tradição e história na cultura, Raymond Williams dizia que uma sociedade que só pode viver com base em seus recursos contemporâneos é uma sociedade pobre de fato. Terry Eagleton acha que as sociedades do capitalismo tardio reprimem a história porque elas devem reprimir formas alternativas de história e porque gostariam produzir a história de mais do mesmo em qualquer que seja a aparência mais na moda no momento. Não sei se concordo com Eagleton – acho a explicação talvez simples demais. Mas fico com a constatação de Williams sobre a pobreza cultural de quem vive eternamente num estranho hoje dono de, no máximo, um passado nebuloso e rarefeito. Assim vive o Brasil, cuja a opinião pública “discute” o país fingindo que a história desse país não existe. Alguns exemplos: 1. A maioria da opinião pública “discute” política exclusivamente em termos personalistas e profundamente moralistas, fazendo crer que a solução de todos os nossos males políticos é a simples

Prosa minha: Sobre dinossauros e lagartixas

Sobre dinossauros e lagartixas São várias as pitorescas curiosidades da minha cidadezinha, mas quero chamar a atenção para uma que, crescendo à sombra de outra muito mais impressionante, pode passar desapercebida, mesmo aos locais. 488 anos de escravidão deixaram aqui inúmeras marcas. São cicatrizes muito feias, que preenchem de modo sufocante o nosso no dia a dia e que podem nos fazer perder de vista outras marcas. Eu me refiro às marcas causadas pelos 489 anos de monarquia que acompanharam a escravidão em quase todo o seu percurso por aqui. Meu pequeno pedaço de chão está coalhado de cartórios hereditários que não me deixam negar. Mesmo nossas ainda tão jovens universidades estão coalhadas de herdeiros, filhos, sobrinhos e netos dos grandes dinossauros de gabinete que as habitavam soberanos nas priscas eras em que elas foram constituídas, há menos de cem anos. Meus amigos nostálgicos me acusam de republicano radical e insistem em me dizer que esses herdeiros

Prosa minha: Certificado de Impunidade®

Certificado de Impunidade ® “Nós não medimos nem pesamos esforços no sentido de promover um ambiente o mais propício possível ao desenvolvimento aqui do nosso município. É justamente com esse intuito que temos lançado uma série de políticas públicas e medidas administrativas para simplificar, agilizar, otimizar e desburocratizar os nossos processos, sempre priorizando a eficiência e a transparência em um ambiente propício ao fomento dos mais diversos empreendimentos, buscando uma máxima diversificação dentro das nossas potencialidades e das nossas vocações naturais. E agora, embuídos desse espírito, estamos aqui hoje para anunciar que a administração municipal do prefeito Lair Lara e da vice-prefeita Santuza Vasconcelos mais uma vez sai na frente e tem o orgulho de ser a pioneira na aplicação de uma idéia que, com toda a certeza, logo se espalhará por todo o país: o Certificado de Impunidade®. Como quase todas as grandes idéias que vêm para mudar, o nosso