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Showing posts from January, 2019

Viva la mídia loca: mantendo a sanidade depois do crime ambiental de Brumadinho

Uma segunda barragem com rejeitos de mina da Vale, agora em Brumadinho, promete possivelmente arrasar o rio Paraopeba. A escala de rejeitos é bem menor do que o da mina da Samarco, mas os danos à população perto da mina já são muito piores.  Vou escrever sobre a primeira recepção do acontecido sem citar nomes porque tenho horror a esses linchamentos virtuais que volta e meia acontecem nas redes sociais, como se atirar todo o ódio visceral quando A ou B que compartilhou ou disse algo repugnante não fosse igualmente repugnante. O processo se repete com pessoas diferentes e sair destilando ódio personalizado é uma reação descontroladamente violenta e, pior, completamente ineficaz.  Vamos lá: O exército de desinformadores já trabalha freneticamente na mídia em geral. Amiga do FCBK me informa que "especialistas" passaram a manhã inteira no canal de notícias da Rede Globo limpando a barra da Vale e das outras mineradoras. Esses senhores muito serenamente especializados com se

Poesia Portuguesa: "Papel"

Papel  Carlos de Oliveira Pego na folha de papel, onde o bolor do poema se infiltrou, levanto-a contra a luz, distingo a marca de água (uma ténue figura emblemática) e deixo-a cair. Quase sem peso, embate na parede, hesita, paira como as folhas das árvores no outono (o mesmo voo morto, vegetal) e poisa sobre a mesa para ser o vagaroso estrume doutro poema.

Diário de Babylon

Quando eu cheguei aos Estados Unidos para estudar um fenômeno curioso aconteceu. Mais de dez vezes eu telefonei para alguém anunciando um apartamento para alugar e, ao perceber que eu era latino americano, fui informado que o imóvel já tinha sido alugado. Só depois de vários dias, quando eu aprendi a omitir minha origem, conseguimos um apartamento para alugar. Esse foi apenas o cartão de visitas. Depois vieram uma seleta de professores racistas, colegas de curso racistas e até funcionários racistas. Depois venho a enfermeira da clínica onde minha esposa constatou a gravidez me mandando voltar para o meu país. Depois veio o guardinha de imigração proibindo minha esposa grávida de seis meses de se sentar na sombra num calorão de Califórnia. Depois veio a volta ao Brasil, exaustos e perdidos, com um bebê nos braços e a cabeça mexida para sempre. Quando voltei para trabalhar nos Estados Unidos, agora como professor universitário, me choquei com um grupo de alunos de fraternidade que, cla

Além da Intencionalidade

Um tema espinhoso no meu campo de estudos é a questão da intenção autoral. A maioria que finge que a questão não existe insiste em se arvorar autoridade para dizer o que Machado de Assis, Guimarães Rosa ou Shakespeare queriam dizer ou fazer com determinado trecho de suas obras. A subjetividade do leitor é o outro lado dessa moeda esquecida no fundo da gaveta. Afinal de contas quaisquer conclusões que eu tire sobre um texto de Machado de Assis ou Guimarães Rosa ou Shakespeare são minhas e não dos respectivos autores. Ilustro com um simples caso não literário. Os retratos de corpo inteiro que Albert Eckhout fez de vários "tipos" do Brasil colônia: negro/as, mulato/as, índio/as e mameluco/as. A gente pode (e talvez deva) especular sobre o que pensava Eckhout sobre os seus retratados e a relação destes com o colonizador europeu. Mas o nosso trabalho não pode (nem deve) parar por aí. Porque eu creio que o amor pelo trabalho de pintor realista da escola holandesa de Eckhout trans

Intelectuais [des]armados

Conta Roberto Méndez Martínez: 1897, a disputa entre facções de Blancos e Colorados esquenta no Uruguai. Na redação do  El Orden , jornal identificado com os Colorados corre o boato que Blancos exaltados viriam empastelar o jornal e encher todo o mundo de pancada. Exaltados os jornalistas tomam revólveres e começam a carregá-los para enfrentar os inimigos. De repente o grupo se da conta que José Enrique Rodó faz o oposto: certifica-se de que o seu revólver não tem balas antes de guardá-lo no bolso. Os colegas o instam a carregar a arma ao que Rodó responde: "Nem pensar, depois me escapa um tiro." E os tais exaltados nunca chegaram. ***

Poesia portuguesa: Ruy Belo

Breve Sonata em Sol [Um] (Menor, claro) Ruy Belo A solidão da árvore sozinha no campo do verão alentejano é só mais solitária do que a minha e teima ali na terra todo o ano quando nem chuva ou vento já lhe fazem companhia e o calor é tão triste como o é somente a alegria Eu passo e passo muito mais que o próprio dia

You're So Paranoid You Probably Think This Essay Is About You

Aprendendo muito com a leitura de  Touching Feeling: Affect, Pedagogy, Performativity   (2003) de  Eve Sedgewick, principalmente com "Paranoid Reading and Reparative Reading, or, You're So Paranoid You Probably Think This Essay Is About You". Uma questão premente: se você escreve almejando relevância política/cultural, como escrever efetivamente? Para Sedgewick trata-se de escrever afetivamente com a intenção de buscar formas de reparar danos e propor alívios possíveis.  Qual a chave para tentar escrever assim? Primeiramente escrever sem medo de escorregar e cair. Sem medo de errar feio e se expor ao ridículo.  Sem coragem para se expor, nos rendemos à paranóia. E assumindo uma perspectiva paranóica, sonhamos com uma voz poderosa que se levanta indestrutível e incontestável - "lacradora". Essa voz pensa seu papel cultural como um elementor desmistificador: revelando verdades e mentiras, separando o joio do trigo, iluminando o caminho das pedras.  A voz p