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Showing posts from January, 2017

Recordar é viver: Luta Desarmada

Paulo de Tarso Celestino 1944-1971 "O Paulo [de Tarso Celestino] era moderado. [...] Ele era contra toda radicalização. Mas foi acuado pela ditadura de fio a pavio, escondeu-se e em seguida participou da luta armada. Acabou assassinado debaixo de uma tortura atroz naquela sinistra casa de Petrópolis. Foi um pouco o que poderia ter ocorrido com vários de nós e o que aconteceu com Honestino Guimarães, nosso sucessor na Feub. Outros não foram mortos, mas foram torturados, presos, tiveram que se esconder, e suas vidas sofreram graves transtornos. Nas ditaduras, na América Latina ou no resto do mundo,   você nem sempre escolhe a forma de fazer oposição. As circunstâncias e a própria repressão empurram às vezes parte dos oposicionistas para a clandestinidade e a luta armada. Quando vejo gente desinformada ou de má-fé dizer que Dilma “escolheu” a luta armada na sua juventude, acho um absurdo. Por que é que só teve luta armada no Brasil durante a ditadura, e não n

O tango e a dança selvagem no Brasil ou vamos virar o disco

“Para cada problema complexo há uma resposta clara, simples e errada”. "For every complex problem there is an answer that is clear, simple, and wrong." H. L. Mencken Cidadão brasileiro do século XXI amante da música brasileira, por favor, leve em consideração que: 1. Duas grandes, fundamentais composições da música brasileira [ "Odeon" de Ernesto Nazareth e "Gaúcho" também conhecida como "Corta-Jaca" de Chiquinha Gonzaga e] são TANGOS.  Tendo isso em mente, re-ouçam "Odeon" com Yamandu Costa e Roee Ben Sira: e re-ouçam "Gaúcho" com Paulo Moura e Clara Sverner: 2. Os dois compositores têm além de inúmeros tangos no seu repertório, várias composições em ritmos como polcas e valsas, tão "estrangeiros" quanto o jazz, o iê-iê-iê ou a discoteca. 3. A música dos dois (a de Ernesto Nazareth em 1922 e a de Chiquinha Gonzaga em 1914) causaram escândalo quando chegaram a ambientes elitis

Obituário: Leonard Cohen

Era uma vez um velho poeta judeu que sabia que ia morrer e, sabendo que ia morrer, escreveu um último poema. Esse poema, como era do seu feitio, passava longe de slogans sentimentais e certezas, coisas que ele uma vez disse andar escurecendo o ambiente feito uma praga de gafanhotos. Ainda assim o tal poema continha um refrão ao mesmo tempo simples e poderoso: Hineni/הנני [Aqui estou!]. O refrão em hebraico era uma referência a um outro poeta judeu, de uma sensibilidade bastante diferente. Esse outro poeta, muito antigo, chama-se Isaías, e gostava de fazer falar furiosamente um Deus que anunciava a redenção dos seres humanos num futuro próximo que, séculos mais tarde, parecia ainda mais improvável.  O velho poeta judeu, descrente de redenções grandiloquentes, transformou seu poema numa canção, e chamou para acompanhá-lo o coro da sinagoga da sua infância,  Shaar Hashomayim, que significa, significativamente, "Porta dos Céus". Falava de velas votivas queimando em vão e sofrim

Traduzindo: Every Day is For The Thief de Teju Cole

Trecho de Every Day is For The Thief do nigeriano Teju Cole no qual o protagonista tem uma troca de incompreensões com um velho amigo que ele reencontra depois de anos: - Estou com malária. - Ai, não diz isso. Fico perplexo. - Como assim? Eu estou com malária. - O que eu quero dizer é que você não devia dizer "estou com malária" e esse tipo de coisa. A língua é uma coisa muito poderosa, sabia? - Bom, tudo bem, isso é muito bonito e coisa e tal. Mas o negócio é o seguinte, meu chapa: eu estou mesmo com malária. Então eu digo que estou com malária. Estou doente feito um cachorro já faz 24 horas. - É dizer essas coisas que te faz doente. Você não está doente. Não estou a fim de discutir com ele. Naquela altura tenho que sair correndo para o banheiro para me aliviar. Volto me arrastando para a cama e digo: - A fêmea do mosquito Anopheles me pegou. Essa é a realidade. O parasita plasmodium ataca meus glóbulos vermelhos e me faz sentir assim, então quanto mais cedo eu