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Traduzindo: Every Day is For The Thief de Teju Cole

Trecho de Every Day is For The Thief do nigeriano Teju Cole no qual o protagonista tem uma troca de incompreensões com um velho amigo que ele reencontra depois de anos:

- Estou com malária.
- Ai, não diz isso.
Fico perplexo.
- Como assim? Eu estou com malária.
- O que eu quero dizer é que você não devia dizer "estou com malária" e esse tipo de coisa. A língua é uma coisa muito poderosa, sabia?
- Bom, tudo bem, isso é muito bonito e coisa e tal. Mas o negócio é o seguinte, meu chapa: eu estou mesmo com malária. Então eu digo que estou com malária. Estou doente feito um cachorro já faz 24 horas.
- É dizer essas coisas que te faz doente. Você não está doente.
Não estou a fim de discutir com ele. Naquela altura tenho que sair correndo para o banheiro para me aliviar. Volto me arrastando para a cama e digo:
- A fêmea do mosquito Anopheles me pegou. Essa é a realidade. O parasita plasmodium ataca meus glóbulos vermelhos e me faz sentir assim, então quanto mais cedo eu admitir isso para mim mesmo, mais cedo eu começo a tratar a doença, Oluwafemi. Não faz sentido contrariar a realidade.
Busco em seu rosto, em vão, sinais de compreensão. Oluwafemi apenas balança a cabeça, como se sentisse pena de mim, preso que estou a uma visão científica do mundo. "Relaxe! Deus está no comando!" E na sua atitude reconheço a chave para entender muito do que vi nas semanas anteriores. a ideia de que dizer alguma coisa faz dela uma realidade, de que as leis da imaginação valem mais do que todas as outras. Mas é claro. Oluwafemi justifica a si mesmo: ele está em plena saúde, e sou eu, descuidado com a língua e desprovido de fé, que estou suando frio debaixo das cobertas.

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