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Showing posts from 2018

Vieira e a força da literatura

--> Por força do meu ofício tive que traduzir para o inglês o seguinte trecho do "Sermão do Espírito Santo" de António Vieira: "Os que andastes pelo mundo, e entrastes em casas de prazer de príncipes, veríeis  naqueles quadros e naquelas ruas dos jardins dois gêneros de estátuas muito diferentes,  umas de mármore, outras de murta. A estátua de mármore custa muito a fazer, pela  dureza e resistência da matéria; mas, depois de feita uma vez, não é necessário que lhe  ponham mais a mão: sempre conserva e sustenta a mesma figura; a estátua de murta é  mais fácil de formar, pela facilidade com que se dobram os ramos, mas é necessário  andar sempre reformando e trabalhando nela, para que se conserve. Se deixa o  jardineiro de assistir, em quatro dias sai um ramo que lhe atravessa os olhos, sai outro  que lhe descompõe as orelhas, saem dois que de cinco dedos lhe fazem sete, e o que  pouco antes era homem, já é uma confusão verde de murtas. Eis aqui a difere

Obituário: Roger Avanzi, ou o que podemos reconhecer e aprender com o cruel mundo dos palhaços

O mundo dos palhaços não é um nunca mundo gentil e pacífico. Na base das relações entre os diversos palhaços [cada um executando a sua função específica no picadeiro] frequentemente aparece a questão do subjugamento violento de um ser humano por outro e também da instabilidade precária nessa relação de dominação, já que o dominado pode de repente levantar-se e transformar-se no dominador. Tudo no mundo dos palhaços é mediado pela lógica da caricatura, do exagero, mas uma vez que se compreenda que se trata de uma convenção grotesca, a crueldade constante do mundo do picadeiro fica clara.  No seu manual mínimo do ator, Dario Fo explica que todos os palhaços "lidam com o mesmo problema, com a fome: fome de comida, fome de sexo, mas também fome de dignidade, de identidade, fome de poder" [ I clown, come i giullari e i «comici», trattano sempre dello stesso problema, della fame: fame di cibo, fame di sesso, ma anche fame di dignità, di identità, fame di potere &quo