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Showing posts with the label Gonçalves Dias

Entre a foto e o retrato pintado

 O contraste entre a foto do velho Machado de Assis em 1905 e o retrato feito com base nela pelo pintor Henrique Bernardelli é incontestável. O homem da foto e o retrato pintado têm cores diferentes; um é negro e o outro, nem sequer mulato. Bernardelli, assim como Nabuco no seu famoso comentário sobre o homem da Grécia que Machado de Assis seria e no quão desmerecedor seria chamar atenção para a sua condição racial, considerava esse embranquecimento talvez como uma homenagem a um homem que, admirado e até venerado àquela altura, deveria estar supostamente acima da sua origem racial. O racismo brasileiro tem muitas faces e essa é apenas uma delas. Talvez seja a mais insidiosa, porque é revestida de supostas boas intenções. Deveríamos estar discutindo-o seriamente porque é fácil repudiar a face grotesca do racismo, mas essa sua face pretensamente benévola e gentil é igualmente destrutora.  O Brasil que reconhecemos culturalmente hoje simplesmente não existiria sem Gonçalves Dias...

Commonplace Book 4

"... a intolerância em ideias politicas ou religiosas é odiosa; em matérias cientificas é ridícula". Alexandre Herculano, 1847 Gonçalves Dias, abril de 1849: "Tenho me convencido, meu Teófilo, que a vida de literato no Brasil, é ora para quem tem dinheiro, quem não o tiver, faz bem em vender-se a um jornalista; ora eu não me deixo vender. Poesias, entre nós, não rendem". Gonçalves Dias, agosto de 1849 "... essa gente que se dá comigo não sabe que independência eu tenho na minha vida, nos meus atos e nas minhas opiniões". "Se vamos à essência da nossa formação, veremos que na realidade nos constituímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros; mais tarde ouro e diamantes; depois, algodão, e em seguida café, para o comércio europeu. Nada mais que isso". Caio Prado Jr., 1942 “Quanto maior o entrechoque de versões contraditórias, maior o resíduo objetivamente verificável”. Octavio Frias  

Ainda Gonçalves Dias (me desculpem)

Diz a nota biográfica da Academia Brasileira de Letras sobre Antônio Gonçalves Dias que  "A consciência da inferioridade de origem, a saúde precária, tudo lhe era motivo de tristezas."  Notem bem nos termos dessa frase que se coloca para o leitor como meramente objetiva: a frase implica claramente que a origem (mestiça, bastarda?) do escritor maranhense filho de português com mestiça era, sim, de fato, "inferior"!  Meu primeiro instinto é exclamar, "Inferior para quem, cara pálida?" (e agora as aspas são para mim mesmo). A tal frase, tão neutra e serena, apenas nos informa que Gonçalves Dias tem "consciência" desse "fato" (embrulha-se aqui num só pacote chamado "tudo" fato, consciência do fato e "saúde precária") e que a "inferioridade" e a "consciência da inferioridade" do poeta são "motivo de tristezas" que marcam sua poesia "eminentemente biográfica".   Fico com u...

Sobre "Meditação" Gonçalves Dias: como morre uma cultura/nação/país

Em "Meditação" Gonçalves coloca em diálogo um jovem e um ancião, que discutem a partir de perspectivas diferentes questões relativas ao passado, presente e futuro do Brasil. Num dos momentos altos do texto o Ancião nos joga na cara [na cara de todos os brasileiros] o seguinte: "A nacionalidade, que é dela? O característico de um povo, que é dele? Não sabeis vós que a planta exótica perde o mais excelente de seu aroma, e que a roseira dos Alpes produz espinhos, plantada em vales? Dir-vos-ei que as nações se assemelham os indivíduos. E se milhões de indivíduos morreram sem nome; também foram povos cujos nomes se deliram dos anais da humanidade. E como existiram homens sem gênio; povos também existirão sem ele. Porque eles dirão em sua indolência; – Por que plantarei um pomar se não hei de provar seus frutos? E o mesmo dirão vossos filhos, e ainda o mesmo os filhos de vossos filhos; e não plantarão o pomar. E dirão mais no seu egoísmo: –...

Gonçalves Dias, pensando o Brasil através da poesia

Caderno meu Todo mundo conhece a canção do exílio, reescrita como paródia tantas vezes no século XX. Mas não se conhece o melhor de Gonçalves Dias. No longo texto "Meditação", Gonçalves Dias segue [e acho que supera] o Lamennais de "Confissões de um crente". É o melhor texto brasileiro da primeira metade do século XIX que eu li até hoje. Prosa poética romântica da melhor qualidade, porque Gonçalves Dias dominava o português como poucos até hoje. Ele supera portanto Lamennais; mas o faz na forma, não no conteúdo. Lamennais articula no seu livro um cristianismo radicalmente democrático quando diz coisas como: "O que não ama seu irmão é sete vezes maldito, e o que se faz inimigo de seu irmão é maldito setenta vezes sete vezes. É isto porque os reis, os príncipes e todos aqueles que o mundo chama grandes foram malditos: não amaram seus irmãos, e os trataram como inimigos." Gonçalves Dias não chega a condenar todos os príncipes e "grandes" do...

Gonçalves Dias, patrono dos letristas da MPB

A caricatura Na caricatura, como em outras imagens, Gonçalves Dias parece um romântico francês. Observem a diferença com relação à foto abaixo. Não preciso nem comentar mais, né? Quem conhece as letras de grandes canções de Pixinguinha, Cartola ou Nelson do Cavaquinho, às vezes se deixa enganar por quem diz que eram parnasianas. Isso demonstra desconhecimento do poesia parnasiana. O primeiro grande poeta musical do Brasil é Gonçalves Dias. Não conto aqui com Domingos Caldas Barbosa, porque este era mais que tudo letrista mesmo. E indico a sua precedência com relação a Castro Alves, que era muita vezes mais bombástico, mas, nos seus momentos mais líricos, também era um grande "letrista". Várias estrofes de Gonçalves Dias me parecem muito adequadas para a música brasileira do século XX. Fico, na brevidade daqui, com apenas dois exemplos. O homem era fera musical em dois metros fundamentais para o português. Os decassílabos, um pouco mais lentos e introspectivos: Simp...