Diz a nota biográfica da Academia Brasileira de Letras sobre Antônio Gonçalves Dias que
"A consciência da inferioridade de origem, a saúde precária, tudo lhe era motivo de tristezas."
Notem bem nos termos dessa frase que se coloca para o leitor como meramente objetiva: a frase implica claramente que a origem (mestiça, bastarda?) do escritor maranhense filho de português com mestiça era, sim, de fato, "inferior"!
Meu primeiro instinto é exclamar, "Inferior para quem, cara pálida?" (e agora as aspas são para mim mesmo). A tal frase, tão neutra e serena, apenas nos informa que Gonçalves Dias tem "consciência" desse "fato" (embrulha-se aqui num só pacote chamado "tudo" fato, consciência do fato e "saúde precária") e que a "inferioridade" e a "consciência da inferioridade" do poeta são "motivo de tristezas" que marcam sua poesia "eminentemente biográfica".
Fico com um trecho de uma carta do próprio Gonçalves Dias a Alexandre Teófilo de Carvalho Leal, "mano e amigo", escrita do Rio de Janeiro, onde Gonçalves Dias foi professor e educador com um salário que não pagava um terço do custo de vida da capital de acordo com ele mesmo:
“Demais não sou cortesão, não o quero ser, não o pretendo ser; não queria sobretudo aparecer ao público diverso do que sou”.
A frase vinda do próprio autor está carregada de consciência, não apenas do que ele era, mas do que ele queria que o público visse. Não vejo aqui nem o mais discreto senso de inferioridade, muito antes pelo contrário. O contexto da frase é uma subvenção de 300 contos para publicar um livro, dinheiro que vem com a exigência implícita de dedicar o livro ao "benemérito" que se fazia de mecenas com o dinheiro do estado. A exigência implícita, provavelmente, tão normal e serena quanto o tom da frase da nota biográfica da ABL, é pragmaticamente recusada por Gonçalves Dias, pois 300 contos não é tanto dinheiro assim de qualquer maneira. Prometem-lhe pagar 1000 contos no seu emprego de professor e secretário do novo Liceu de Niterói, mas depois da inauguração ele descobre que só vai receber mesmo 800 contos - imagino a naturalidade tranquila do safado que cortou em 20% o salário, já insuficiente, do mestiço que tinha se formado com louvores em Coimbra (a melhor universidade de língua portuguesa da época). O mestiço que conhecia a língua portuguesa de cabo a rabo, que era membro do IHGB, que era tradutor do alemão, que escreveu a melhor literatura do período e pertence a um grupo bem restrito de escritores que influenciaram profundamente a cultura brasileira.
"A consciência da inferioridade de origem, a saúde precária, tudo lhe era motivo de tristezas."
Notem bem nos termos dessa frase que se coloca para o leitor como meramente objetiva: a frase implica claramente que a origem (mestiça, bastarda?) do escritor maranhense filho de português com mestiça era, sim, de fato, "inferior"!
Meu primeiro instinto é exclamar, "Inferior para quem, cara pálida?" (e agora as aspas são para mim mesmo). A tal frase, tão neutra e serena, apenas nos informa que Gonçalves Dias tem "consciência" desse "fato" (embrulha-se aqui num só pacote chamado "tudo" fato, consciência do fato e "saúde precária") e que a "inferioridade" e a "consciência da inferioridade" do poeta são "motivo de tristezas" que marcam sua poesia "eminentemente biográfica".
Fico com um trecho de uma carta do próprio Gonçalves Dias a Alexandre Teófilo de Carvalho Leal, "mano e amigo", escrita do Rio de Janeiro, onde Gonçalves Dias foi professor e educador com um salário que não pagava um terço do custo de vida da capital de acordo com ele mesmo:
“Demais não sou cortesão, não o quero ser, não o pretendo ser; não queria sobretudo aparecer ao público diverso do que sou”.
A frase vinda do próprio autor está carregada de consciência, não apenas do que ele era, mas do que ele queria que o público visse. Não vejo aqui nem o mais discreto senso de inferioridade, muito antes pelo contrário. O contexto da frase é uma subvenção de 300 contos para publicar um livro, dinheiro que vem com a exigência implícita de dedicar o livro ao "benemérito" que se fazia de mecenas com o dinheiro do estado. A exigência implícita, provavelmente, tão normal e serena quanto o tom da frase da nota biográfica da ABL, é pragmaticamente recusada por Gonçalves Dias, pois 300 contos não é tanto dinheiro assim de qualquer maneira. Prometem-lhe pagar 1000 contos no seu emprego de professor e secretário do novo Liceu de Niterói, mas depois da inauguração ele descobre que só vai receber mesmo 800 contos - imagino a naturalidade tranquila do safado que cortou em 20% o salário, já insuficiente, do mestiço que tinha se formado com louvores em Coimbra (a melhor universidade de língua portuguesa da época). O mestiço que conhecia a língua portuguesa de cabo a rabo, que era membro do IHGB, que era tradutor do alemão, que escreveu a melhor literatura do período e pertence a um grupo bem restrito de escritores que influenciaram profundamente a cultura brasileira.
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