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Showing posts from September, 2008

Goya 2 - Caprichos

Segunda lição de Goya: olhar o inferno de frente, mesmo o inferno dentro da gente.

Goya 1 - Desastres da Guerra

Lição de Goya: olhar o inferno de frente, sem virar a cara.

O mal ator de suas emoções

O mal ator de suas emoções Julio Torri [1889-1971] E ele chegou à montanha onde vivia o ancião. Seus pés estavam ensangüentados por causa das pedras no caminho e o brilho dos seus olhos manchado pelo desalento e pelo cansaço. - Senhor, sete anos se passaram desde que vim pedir-lhe conselho. Os varões dos mais remotos países louvavam sua santidade e sua sabedoria. Cheio de fé escutei as suas palavras: “ouve a teu próprio coração, e o amor que tenhas por teus irmãos não ocultes.” E desde então não encobria minhas paixões aos homens. Meu coração foi para eles como guia em águas claras. Mas a graça de Deus não desceu sobre mim. As mostras de amor que dei a meus irmãos, eles as tomaram por fingimento. E veja então como a solidão obscureceu o meu caminho. O ermitão o beijou três vezes na testa; um leve sorriso iluminou a sua face e ele disse: - Encobre o amor que tenhas a teus irmãos e dissimula tuas paixões ante os homens, porque és, meu filho, um mal ator de tuas emoçõ

Coração de Cachorro

[Esse post eu dedico para nosso querido Totó, atualmente vivendo em um sítio muito, muito longe daqui.] Cachorros são sobreviventes natos, acima de tudo. Eu adoro um romance de um russo [Bulgakov] chamado "Heart of a Dog" [não sei se foi traduzido para o português] que ele abre com a "voz" de um cão abandonado nas ruas de Moscou no inverno. Um cozinheiro tinha jogado água fervendo para espantar o pobre do cão e uma hora o cão diz assim: "My side hurts dreadfully, and I can see my future quite clearly: tomorrow I’ll have sores, and, I ask you, what am I going to cure them with? In summertime, you can run down to Sokolniki Park. There is a special kind of grass there, excellent grass. Besides you can gorge yourself on free sausage ends. And there’s the greasy paper left all over by the citizens – lick it to your heart’s content! And if it weren’t for that nuisance who sings “Celeste Aida” in the field under the moon so that your heart sinks, it would be altogethe
Chegou “Wait till I get him back He won’t have a back to scratch” Fiona Apple Lá vem vou entornar o caldo de novo eu sei vou perder de novo meu tempo eu sei de novo esse inferno todo eu sei mas não adianta falar não adianta dar conselho nem correr adianta agora nem se eu pular pela janela a pé agora não adianta mais nada eu estou a pé. Eu sei como é a fome dói aqui em cima e aí vai subindo uma dor nos quartos e aí vai os olhos e ouvidos se fecham e aí a boca vai se abrindo num grito medonho que eu sei espanta todo mundo que eu amo eu sei vai embora quem presta quem vale a pena vai e eu sei só ficam aqui do meu lado nesse buraco que eu mesmo cavei meus piores amigos quem é ainda pior que eu mas agora foi-se azeite. Eu não resisto eu quero tanto eu não consigo eu não sei resistir não sei sair disso sair daqui sair de mim eu não sei não ser incondicional me perdoa meu bem mas eu não sei. Lá vem subindo quente rio acima constante

Pinturas de Leticia Galizzi 2

Obs. Clique na imagem para ver a foto maior.

José Emilio Pacheco

Manifiesto Todos somos “poetas de transición”: La poesía jamás se queda inmóvil. [Irás y no volverás, 1973]

Diário do Império - Mercado Livre

Um desabafo curto e grosso: O curioso é que agora eu vivo em uma economia estatizada pelos papas do livre mercado! Os republicanos são sensacionais: defendem a liberdade e a não-intervenção do estado quando se trata de cercear lucros [por exemplo, quando se trata do salário mínimo, considerado uma intervenção indevida no mercado livre], mas agora estatizam [e portanto socializam] os prejuízos do mercado financeiro. A conta vai ficar em mais ou menos 700 bilhões de dólares, isso para um estado que já está mais que afundado em déficits gigantescos por causa das guerras e dos cortes nos impostos que esse safados inventaram nos últimos anos! Enquanto isso, os palhaços que são os responsáveis diretos por essa crise tiram férias nas Bahamas e riem da nossa cara: entre 2001 e 2006 Jimmy Cayne do Bearn Stearns [primeiro gigante que afundou nessa crise] ganhou a bagatela de 156 milhões de dólares entre salários e outros “incentivos”.

Mash-up 4 – Robert Browning

Ele fez essa carne de gente, essa bolha inflada, essa massa socada que engarrafa e gruda no chão da terra essa alma humana, bafo da boca dEle, vaporosa vertigem de cinza e nada. E Ele faz aparecer nessa mesma carne esses picos e rachaduras por onde esse vapor engenhoso, esse fogo esbelto, essa música delgada, essa coluna de silêncio puro, esse rio assombroso que se levanta do leito e flui pelos ares, que escapa assim de volta à fonte, sempre um pouco antes da hora. Isso e tudo mais nesse inferno que é o artesanato Seu aqui na terra me aparece assim: torcido e torneado com tinta que escorre da Sua boca e se condensa no papel jornal de um livrinho vagabundo jogado num canto cheio de problema sobre-humanos. Formigueiros crescendo dentro de uma caixa de ferro: Deus nos quer assim: sem caber dentro.

Música "pópi" 2

Mais pérolas da tal matéria sobre música: • “das bandas mais heterodoxas do rock atual” Será que eles comem carne de porco? Será que comem peixe na sexta-feira da paixão? Será que celebram casamentos de homossexuais? • “uma bem-vinda atmosfera dançante” Agora somos transportados para o reino das metáforas atmosféricas, mania desse tipo de resenha. No caso temos a manjada “atmosfera dançante”, provavelmente referência àquelas nuvenzinhas que ficam mexendo de lá para cá atrás do sujeito que faz a previsão do tempo no jornal da TV. • “músicas que se inspiram na disco music e na música negra americana” Eu me espanto com a precisão do termo “música negra americana”, que vai de Louis Armstrong a Mahalia Jackson a Miles Davis a Aretha Franklin a James Brown a Michael Jackson a Public Enemy. E essa imprecisão ainda é maior se pensarmos que agora, além de ir e vir e andar sem coleira e nos transportar a praias havaianas, as danadas das músicas também se inspiram! Mas o se inspiram como? • “can

Série "Batendo em Cachorro Morto": Crítica de música “pópi" 1

Seguem pequenos trechos de uma coluna publicada recentemente na FSP: • “a inútil idealização de uma época que não volta mais” Está aí um trecho que mistura tantos clichês que chega quase ao nonsense. Considero uma expressão digna de fazer dupla com seu oposto “a útil não-idealização de uma época que volta sempre”. • “a melancolia auto-indulgente” Essa expressão é puro clichê sem nonsense algum, portanto ainda pior que o primeiro trecho, já que não tem a menor graça. Note aqui a insistência em falar do conteúdo das letras [suponho], já que o sujeito provavelmente nem sabe direito o que é um acorde. • “letras tão idílicas que fariam João Gilberto passar por contestador”? Desde quando o oposto de idílico é contestador? Posso imaginar um sujeito falando, “ah, como eu gostaria que meu filho fosse mais idílico!” E detalhe: João Gilberto não escreve letras. • “arranjos que vão na direção do samba-canção e da tradição MPBística”? Isso é um defeito, de acordo com o autor da própria expressão. J

Pinturas de Leticia Galizzi 1

Gosto da forma como alguns blogues que visito revezam texto com posts de artes visuais [principalmente fotografias]. Eu vou começar a fazer isso aqui, com pinturas de uma grande e promissora artista [que eu conheço há muito, muito tempo]. Obs. Para ver uma imagem maior, clique na figura.

O último manuscrito de Teodoro (ou a vingança de Montezuma)

Para Letícia e Samuel “¿Qué pasa con el zorro ?, y cuando lo encontraban en los cócteles puntualmente se le acercaban a decirle tiene usted que publicar más.” Augusto Monterroso Teodoro havia terminado o terceiro volume da sua trilogia sobre a cidade de Montezuma (estância mineral no extremo norte de Minas Gerais; pode procurar no mapa) e enviado o último manuscrito revisado aos seus editores quando sentou-se animado na frente do seu computador naquela bela manhã de primavera, tão esperada depois de tantos meses frios em seu longo exílio dos trópicos, e escreveu no alto da primeira página virtual na tela do seu computador de antepenúltima geração o título do seu novo livro: “A Emancipação da Dissonância”. Logo abaixo do título, Teodoro copiou de um papel todo amassado que carregara na carteira durante os meses em preparara o seu último manuscrito a epígrafe do seu novo livro, frase de um venerável compositor alemão: “Quando tudo é possível, tudo precisa ser explicado”. Depois de jogar

Notas de rodapé ao post passado:

O texto que eu estava lendo é de Love and the Law in Cervantes de González Echevarría e ele por sua vez cita um livro dos vários recentes que misturam as “armas” análise literária com a análise legal de textos de direito: Minding the Law de Anthony G. Amsterdam e Jerome Bruner.

Scripts e narrativas

Estou lendo um texto interessantíssimo sobre Don Quixote e, como quase todo texto interessantíssimo, ele tem pequenas pérolas espalhadas por ele, pequenos pedaços de reflexão que saltam do texto e vão se pregar em outro canto da minha cabeça – escrevi, por exemplo, um par de parágrafos sobre os filmes de Iñárritu depois de uma dessas passagens, sobre uma espécie de “estética narrativa da interrupção”. Ainda sobre esse texto, um a referência muito instigante: um par de definições interessantíssimas de um par de críticos que eu não conhecia [Anthony G. Amsterdam e Jerome Bruner]: Para eles, o Script conta a norma, os clichês que saem do que as pessoas em geral acreditam na sociedade de um dado tempo e espaço [o monstro, o tarado, o herói, a mãe, o passional, etc]. Os scripts passam por verdade porque, apesar de às vezes bastante inverossímeis, correspondem às expectativas das pessoas em uma dada situação. As interrupções chamam atenção para o absurdo, as contradições desses scripts; essa

Keats vai ao paraíso

Keats vai ao paraíso Corremos, voamos e quando lá chegamos, quando longe se faz perto, nada se altera, e nós encontramo-nos com as mesmas misérias, com os mesmos e estreitos limites, e de novo a nossa alma suspira pelo mesmo bálsamo que acabou de se esvair. Werther Enfim, fugiu. E viu que lá o chão também é duro e frio e o metro tem cem centímetros e um quilo de estopa e um quilo de chumbo são um quilo também e dez vez oito ou oito vez dez dá oitenta também e as portas [fossem do que fossem feitas] fechavam também.

Rotas da Globalização

Uma prova de que a globalização tem fluxos bem definidos que obedecem às antigas rotas coloniais que os europeus passaram a controlar com mãos de ferro a partir do século XVI: 1968 foi um ano marcante em muitas partes do mundo, inclusive no México. "México?" você talvez me pergunte. É, México. O quadro abaixo, que fotografei lá, diz respeito ao massacre de 2 de outubro. "2 de outubro?" É, em Tlatelolco. "Tlate o quê!?" Antes que você bata no peito e jogue cinzas na cabeça em penitência, vá ao México e pergunte se alguém sabe da passeata dos Cem Mil. Ou do AI-5. Eles também não fazem a mínima idéia. Agora pergunte nos dois países sobre Woodstock ou a Primavera de Praga. Que diferença!

A força do lugar

Octavio vive cheio de planos de viver maritalmente com sua própria cunhada. Lá pelo quinta proposta, depois de um mundo de pequenos e grandes desastres, Susana retruca com uma frase da sua avó: “Si quieres hacer reir a Dios, cuéntale tus planes.” Ah, Alejandro González Iñárritu, como te faz falta o México! Vejam Amores Perros e comprovem...

Blogues que pensam: Ademir Assunçao

Um post do Ademir Assunçao que para mim eh um exemplo de que blogues nao precisam ser enrolacao pura: 15/08/2008 QUEM É QUE PAGA POR ISSO? Hoje vou participar de um bate-papo e de uma leitura de poemas, ao lado de Marcelo Tápia, com mediação de Donny Correia, na Bienal do Livro. A partir das 19h30, no estande da Volkswagen. Eu vou lá para falar de coisas que levo muito a sério: linguagem poética, visões (e alucinações) de mundo, e vou ler alguns poemas. Mas eu quero falar também de algumas coisas que continuam me preocupando. Cada vez mais. Talvez por conta desses megaeventos como Bienal do Livro e Festa Literária de Paraty, muita gente pensa que escritores e poetas vivem num mundo de glamour. Bobagem. Literatura exige talento, vocação, seriedade, e também trabalho. Muito trabalho. Ralação. E escritores e poetas são tratados cada vez mais como trabalhadores altamente desqualificados. São cada vez menos respeitados. Na indústria do livro, todos ganham (do gráfico ao editor), menos o esc

Quatro Partes

Quatro Partes O sol no céu, um dia em quatro partes: manhã, tarde, noite e madrugada. O sol no céu, um ano em quatro partes: primavera, verão, outono e inverno. O sol no corpo uma vida em quatro partes: infância, juventude, madureza e velhice e a morte?

Puritanismo estadounidense e puritanismo brasileiro

Moro nos Estados Unidos e mais especificamente na chamada Nova-Inglaterra, berço do puritanismo. Conheço a mentalidade puritana de perto e a sua extraordinária capacidade de metamorfose: um dia queimam bruxas, cem anos depois proíbem as bebidas alcoólicas, mais algumas décadas e são os comunistas, agora são os fumantes. Até o chamado politicamente correto é nas suas profundezas tipicamente puritano [não estou aqui fazendo essa crítica fácil que se faz a essa que não é um movimento nem mesmo uma corrente, mas um estado de espírito; quem conhece de perto os inimigos do politicamente correto por aqui sabe que o que se faz no Brasil é uma caricatura grotesca do real significado desse termo]. Volto para o Brasil e me encontro com essa lei seca no volante. “Tolerância zero!” Gritam entusiasmados os nossos moralistas, quase sempre sedentos de sangue [Quer ficar com medo? Leia os e-mails que mandam para O Globo comentando sobre qualquer notícia que envolva qualquer tipo de crime.] Muita gente

ANTOLOGIA POÉTICA

ANTOLOGIA POÉTICA — Não vai levar a Obra Completa? diz o livreiro, em tom maior. — Não. Levarei a Antologia, por ser dos males o menor. O humor ácido é de Drummond. Quer conhecer um pouco mais sobre os poemas de circunstância de Drummond e de Bandeira? Procure o poesia.net, um trabalho muito legal feito sem qualquer alarde há seis anos [255 números!!!!] por Carlos Machado. Além do site, você pode inscrever seu endereço como eu fiz e receber com constância impressionante um e-mail/post bem montado com pérolas surpreendentes, de um medalhão ou de um ilustre desconhecido [para você].

Informação ou embromação?

Estatísticas em jornais sempre me intrigam e freqüentemente me irritam. E não é porque eu tenha alguma coisa contra os números; ao contrário eu acho que as estatísticas são informação relevante na maioria das vezes, só que, ao contrário do cliché, não falam nunca por si. Agora, os números nos jornais quase nunca dizem nada, porque sempre aparecem pela metade, de forma meio torta. Vejamos um exemplo simples: na Folha de São Paulo de hoje saiu uma nota [“Bienal do Livro tem queda de público de 10%] que diz o seguinte: “A 20ª edição da Bienal do Livro de São Paulo, que terminou no dia 24, teve queda de cerca de 10% em seu público na comparação com 2006, quando 811 mil pessoas estiveram no evento. Neste ano, em 11 dias, 728 mil pessoas foram ao pavilhão do Anhembi, segundo a organização. Entre os compradores, a média de livros adquiridos subiu de 3,45 para 4,97 por pessoa.” Uma conta matemática simples, que eu tive que fazer por conta própria, já me revela um dado curioso: a bienal de 2008

Leopoldo Serran

Leopoldo Serran. Nome não diz nada? Que tal "Dona Flor e seus dois maridos", "Gabriela, Cravo e Canela", "Ganga Zumba", "Bye Bye Brasil", "O que é isso, companheiro?", "O Quatrilho"? Pois é, o cara escreveu o roteiros desses filmes todos [Dona Flor com ninguém mais que Eduardo Coutinho] e quem gosta de cinema brasileiro devia conhecer o nome dele de cor. Faz parte da história. Tem gente que gosta de se lamentar que o brasileiro não tem memória. Ao invés de ficar se lamentando eu prefiro dar minha modesta contribuição para que a gente se lembre mais. Repito um gesto de generosidade de um aluno. Minha fonte de informação no caso foi esse ex-aluno que me mandou a reportagem sobre o Leopoldo Serran que saiu no NYT. Saíram também pequenos comentários no Merten e no Zanin [do estadão] e na FSP.