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O último manuscrito de Teodoro (ou a vingança de Montezuma)

Para Letícia e Samuel

“¿Qué pasa con el zorro ?, y cuando lo encontraban en los cócteles
puntualmente se le acercaban a decirle tiene usted que publicar más.”
Augusto Monterroso


Teodoro havia terminado o terceiro volume da sua trilogia sobre a cidade de Montezuma (estância mineral no extremo norte de Minas Gerais; pode procurar no mapa) e enviado o último manuscrito revisado aos seus editores quando sentou-se animado na frente do seu computador naquela bela manhã de primavera, tão esperada depois de tantos meses frios em seu longo exílio dos trópicos, e escreveu no alto da primeira página virtual na tela do seu computador de antepenúltima geração o título do seu novo livro: “A Emancipação da Dissonância”. Logo abaixo do título, Teodoro copiou de um papel todo amassado que carregara na carteira durante os meses em preparara o seu último manuscrito a epígrafe do seu novo livro, frase de um venerável compositor alemão: “Quando tudo é possível, tudo precisa ser explicado”. Depois de jogar o papelucho amassado no lixo, Teodoro foi então teclando enter, cada vez mais lentamente, até finalmente chegar à segunda página. Ao olhar para a tela em branco, o escritor se deu conta de que não tinha mais nada a dizer. Lembrou-se com pesar, e uma certa inveja, da fábula da Raposa, que, para combater o tédio, a melancolia e a falta de dinheiro, havia publicado dois bons livros, o segundo ainda melhor que o primeiro, mas que, depois disso, apesar de toda a repercussão – estudiosos americanos publicaram livros sobre os livros publicados sobre os dois livros da Raposa, que foram traduzidos (quase sempre mal) em mais de uma dúzia de idiomas – e apesar de toda a insistência daquela gente toda que a Raposa vivia encontrando em magros coquetéis de livraria, ela havia se recusado terminantemente a publicar um terceiro livro porque, pensava a Raposa consigo mesma, “na realidade querem que eu publique um livro ruim, mas como sou a Raposa, não vou fazê-lo”.

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