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Puritanismo estadounidense e puritanismo brasileiro

Moro nos Estados Unidos e mais especificamente na chamada Nova-Inglaterra, berço do puritanismo. Conheço a mentalidade puritana de perto e a sua extraordinária capacidade de metamorfose: um dia queimam bruxas, cem anos depois proíbem as bebidas alcoólicas, mais algumas décadas e são os comunistas, agora são os fumantes. Até o chamado politicamente correto é nas suas profundezas tipicamente puritano [não estou aqui fazendo essa crítica fácil que se faz a essa que não é um movimento nem mesmo uma corrente, mas um estado de espírito; quem conhece de perto os inimigos do politicamente correto por aqui sabe que o que se faz no Brasil é uma caricatura grotesca do real significado desse termo].
Volto para o Brasil e me encontro com essa lei seca no volante. “Tolerância zero!” Gritam entusiasmados os nossos moralistas, quase sempre sedentos de sangue [Quer ficar com medo? Leia os e-mails que mandam para O Globo comentando sobre qualquer notícia que envolva qualquer tipo de crime.]
Muita gente inteligente que merece meu apreço e minha admiração concorda com a lei seca! E os argumentos a favor são o que mais me impressionou: o número de acidentes e vítimas caiu um colosso, os hospitais estão recebendo menos pacientes e gastando muito menos, etc.
Esses argumentos me levam de volta aos Estados Unidos. Eu vivo num lugar em que a diretora da escola do meu filho de 7 anos decide proibir a prática de esportes como futebol e atividades “perigosas” como pegador para preservar a integridade física dos alunos. O argumento é da mesma natureza: “se as crianças não correm e não trombam umas nas outras, não temos acidentes.”
Bom, na política o puritanismo quase sempre não passa de hipocrisia. Não só no Brasil [que o diga o ex-governador de Nova Iorque].

Pois eu fico pensando e acho que é pouco. Porque parar por aqui? Depois de proibir terminantemente a bebida e o cigarro em qualquer lugar habitado por qualquer criatura viva, proponho banir de nossa sociedade também o consumo do açúcar e do chocolate – especialistas garantem que a obesidade, a diabetes e outras doenças relacionadas ao consumo em excesso dessas substâncias praticamente sumiriam do mapa! Ah, proponho que também proibamos o prática de exercícios físicos em púbico, digo público – garanto uma redução substancial de contusões que certamente vai desafogar nossos já tão ocupados hospitais. E finalmente, com o apoio entusiasmado da comunidade católica, proponho a proibição de qualquer atividade sexual que não tenha propósitos estritamente reprodutivos –diminuindo a contaminação de DST, eliminando o homossexualismo e reduzindo o consumo de drogas perigosas como o Viagra ou o licor de catuaba. Poderíamos até criar [aqui entra uma das belezas da cultura brasileira] o CEPROSER, Certificado de Propósito Sexual Estritamente Reprodutivo, emitido nos cartórios ou paróquias locais. Que tal?

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