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Showing posts from February, 2019

Tradução minha: Brenda Ríos

"Agora me vem a ideia de que a literatura europeia cuida dos adjetivos como se fossem jóias que estivessem trancafiadas na caixa forte de um hotel elegante. Os latino-americanos escrevem como se só pudessem fazer um livro que diga tudo de todas as maneiras possíveis. A narrativa europeia é um homem vestido de terno num anúncio de perfume. A narrativa latino americana é um jovem imprudente dum anúncio de motocicletas. Ainda que não seja ninguém para opinar sobre o assunto, é essa a minha opinião." Fragmento de "1 de mayo", crônica de Brenda Ríos contida em Empacados al vacío - Ensayos sobre la nada

Juan Rulfo: El día del derrumbe

“El día del derrumbe” ( Toda la obra , 140-149) é um conto de acento nitidamente cômico e quase farsesco. Publicado pela primeira vez no influente caderno cultural México en la Cultura , do jornal Novedades em 1955, “El día del derrumbe” só foi acrescentado ao volume de contos El Llano en llamas na sua nona edição em 1970. “El día del derrumbe” traz dois narradores/contadores de história: um deles, cujo nome desconhecemos, conduz quase toda a narrativa, mas constantemente elicita explicitamente uma confirmação ou correção do outro narrador, Melitón, dizendo, por exemplo, “Oye, Melitón, (…) ¿Tú no te acuerdas?” (140) ou “¿O no es así, Melitón?” (141). A narrativa dividida assim entre os dois ganha sentido agudo de performance, com apelos frequentes a uma audiência silenciosa com coisas como: “pero espérense” (140), “Todos ustedes saben” (141), ou “bueno, como les estaba diciendo” (141). Aqui Melitón é um ouvinte participante, convocado insistentemente pelo narra

Poesia portuguesa: Miguel Torga e o Brasil

Coimbra, 16 de junho de 1970. BRASIL Brasil onde vivi, Brasil onde penei, Brasil dos meus assombros de menino: Há quanto tempo já que te deixei, Cais do lado de lá do meu destino! Que milhas de angústia no mar da saudade! Que salgado pranto no convés da ausência! Chegar. Perder-te mais. Outra orfandade, Agora sem o amparo da inocência. Dois pólos de atracção no pensamento! Duas ânsias opostas nos sentidos! Um purgatório em que o sofrimento Nunca avista um dos céus apetecidos. Ah, desterro do rosto em cada face, Tristeza dum regaço repartido! Antes o desespero naufragasse Entre o chão encontrado e o chão perdido. Miguel Torga (1907-1995), Diários, Vols IX a XII , 219 O poeta, contista e memorialista Adolfo Correia da Rocha (Miguel Torga) nasceu em Portugal em família humilde e amigrou para o Brasil com 12 anos e ali viveu até 1925, quando um tio decide patrocinar seus estudos após ele ter se destacada no Ginásio Leopoldinense. En

Anne Enright

Anne Enright é uma escritora irlandesa contemporânea e não deve nada aos grandes escritores dessa tradição tão rica e tão viva da lingua inglesa. Li uma série curta de ensaios dela que ela escreveu sob o impacto da gravidez e do nascimento da sua primeira filha. A série chamada Babies [na verdade fragmentos de um livro dela chamado Making Babiesi ] me tocou profundamente pela maneira sensível e ao mesmo tempo avessa aos clichês cafonas ou engraçadinhos que costumam proliferar nesse tipo de texto sobre paternidade. Abro um parêntesis necessário. Meu convívio com pessoas que optaram por não ter filhos foi muito positivo para me alertar sobre a tolice de sair empilhando superlativos para descrever uma experiência pessoal e intransferível, falsificando uma ideia de que a paternidade é boa para todo mundo em qualquer situação o tempo todo. Claro que isso não impede que alguém escreva sobre suas experiências e consiga compartilhá-las sem fazer cabotinismo. Não se trata de qualquer tipo de

Poesia Portuguesa: Jorge de Senna

Arte Minha: S_mething. is m_ssing A Portugal Jorge de Sena Podereis roubar-me tudo: As ideias, as palavras, as imagens, E também as metáforas, os temas, os motivos, Os símbolos, e a primazia Nas dores sofridas de uma língua nova, No entendimento de outros, na coragem De combater, julgar, de penetrar Em recessos de amor para que sois castrados. E podereis depois não me citar, Suprimir-me, ignorar-me, aclamar até Outros ladrões mais felizes. Não importa nada: que o castigo Será terrível. Não só quando Vossos netos não souberem já quem sois Terão de me saber melhor ainda Do que fingis que não sabeis, Como tudo, tudo o que laboriosamente pilhais, Reverterá para o meu nome. E mesmo será meu, Tido por meu, contado como meu, Até mesmo aquele pouco e miserável Que, só por vós, sem roubo, haveríeis feito. Nada tereis, mas nada: nem os ossos, Que um vosso esqueleto há-de ser buscado, para passar por meu, E para outros ladr

Poesia minha

Só me importa o que não leva a nada São meus esses desertos vibrando sob os dedos do amor. É minha essa aranha miúda que vai tecendo minha desventura. São meus os semeadores da confusão que arde nas minhas entranhas aqui agora. São meus esses linchadores do espírito me esperando atrás da porta. Mas hoje só me importa o que não leva a nada: Um raio de sol que se enfia pela cortina; uma florzinha teimando na racha do asfalto; um olhar atento de bebê, alheio a nostalgias e previsões; todas as emoções dissolvidas na desarticulação da pré-história onde não existe palavra. Enfim, todas as memórias inconsequentes. Hoje só me importa o que não leva a nada.