Arte Minha: S_mething. is m_ssing |
A Portugal
Jorge de Sena
Podereis roubar-me tudo:
As ideias, as palavras, as
imagens,
E também as metáforas, os
temas, os motivos,
Os símbolos, e a primazia
Nas dores sofridas de uma
língua nova,
No entendimento de outros, na
coragem
De combater, julgar, de
penetrar
Em recessos de amor para que
sois castrados.
E podereis depois não me
citar,
Suprimir-me, ignorar-me,
aclamar até
Outros ladrões mais felizes.
Não importa nada: que o
castigo
Será terrível. Não só quando
Vossos netos não souberem já
quem sois
Terão de me saber melhor
ainda
Do que fingis que não sabeis,
Como tudo, tudo o que
laboriosamente pilhais,
Reverterá para o meu nome. E
mesmo será meu,
Tido por meu, contado como
meu,
Até mesmo aquele pouco e
miserável
Que, só por vós, sem roubo,
haveríeis feito.
Nada tereis, mas nada: nem os
ossos,
Que um vosso esqueleto há-de
ser buscado,
para passar por meu, E para
outros ladrões,
iguais a vós, de joelhos,
porem flores no túmulo.
Esta é a ditosa pátria minha
amada.
Não, nem é ditosa porque o
não merece,
nem minha amada, porque é só
madrasta
nem pátria minha, porque eu
não mereço
a pouca sorte de ter nascido
nela.
Nada me prende ou liga a uma
baixeza tanta
Quanto esse arroto de
passadas glórias.
Amigos meus mais caros tenho
nela
Saudosamente nela,
Mas amigos são por serem meus
amigos
e mais nada.
Torpe dejecto de romano
império,
Babugem de invasões,
Salsujem porca de esgoto
atlântico,
Irrisória face de lama, de
cobiça e de vileza,
De mesquinhez, de fátua
ignorância.
Terra de escravos, de cú para
o ar,
Ouvindo ranger no nevoeiro a
nau do Encoberto.
Terra de funcionários e de
prostitutas,
Devotos todos do Milagre,
Castos nas horas vagas, de
doença oculta.
Terra de heróis a peso de
ouro e sangue,
E santos com balcão de secos
e molhados,
No fundo da virtude.
Terra triste à luz do Sol
caiada,
Arrebicada, pulha,
Cheia de afáveis para os
estrangeiros,
Que deixam moedas e
transportam pulgas
(Oh!, pulgas lusitanas!) pela
Europa.
Terra de monumentos
em que o povo assina a merda
o seu anonimato.
Terra-museu em que se vive
ainda
com porcos pela rua em casas
celtiberas.
Terra de poetas tão
sentimentais
Que o cheiro de um sovaco os
põe em transe.
Terra de pedras esburgadas,
Secas como esses sentimentos
De oito séculos de roubos e
patrões,
Barões ou condes.
Oh! Terra de ninguém,
ninguém, ninguém!
Eu te pertenço.
És cabra! És badalhoca!
És mais que cachorra pelo
cio!
És peste e fome, e guerra e
dor de coração!
Eu te pertenço!
Mas seres minha, não!
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