
Entender as categorias raciais no Brasil e nos Estados Unidos me ensinou que é preciso ter cuidado com as certezas que a gente tem sobre quem é o quê quando e como. Nada é tão simples como parece. Quem sabe dizer com certeza, sempre, quem é homem e quem é mulher? Será que todo mundo é homossexual ou heterossexual ou bissexual? Caster Semenya era uma corredora extremamente promissora da Africa do Sul. Uma pessoa humilde, do norte rural do país, Caster começou a treinar descalça e conseguiu entrar para universidade com uma bolsa e fazer carreira internacional. Sua especialidade era os 800 metros e ela parecia estar à beira de ganhar tudo nessa categoria. Mas Caster é uma italasi – uma mulher com jeito de homem, com feições masculinas – e o comitê internacional de atletismo resolveu que ela precisava ser “testada” além do trivial [e ao mesmo tempo extremamente humilhante] “abaixa a calça”. O problema é que mesmo os famosos cromossomos XX e XY são menos definitivos do que parecem – há, por exemplo, casos de pessoas que nascem com uma incapacidade congênita de “ler” a testosterona e por isso têm cromossomos de homem mas são anatomicamente super-femininas. Estima-se que mais ou menos 1.7% da população mundial é, cromossomicamente, biologicamente falando, interessexual – é mais do que a população mundial com síndrome de down, por exemplo. Caster é um super-ídolo esportivo na África do Sul e o negócio todo virou uma polêmica nacional de proporções semelhantes a uma polêmica de copa do mundo no Brasil. O que só complicou a situação ainda mais.
Comments