Skip to main content

Sobre terror, sobre culpa, sobre solidariedade.

Quando alguém emposta a voz e diz que a França ou o Líbano ou qualquer nação foi atacada/ferida/ofendida por um ato de terrorismo, além de um tom épico-fajuto, essa pessoa entra em uma estranha sintonia com o discurso desse tipo de terrorrismo, que sustenta que todo e qualquer cidadão de uma determinada nação é parte responsável pelos atos daquela nação como um todo. Trocando em miúdos, um vendedor de cachorro quente na Praça do Papa é responsável por tudo o que o governo brasileiro faz ou deixa de fazer, por exemplo, com os povos indígenas que habitam o país. Assim sendo, seguindo esse raciocínio, um grupo terrorista que lutasse contra o genocídio dos indígenas no Brasil consideraria explodir esse vendedor de cachorro quente na Praça do Papa e os dois pipoqueiros ao lado como um alvo legítimo para um protesto de natureza violenta.

Um certo Picasso pintou no mesmo 1937 um quadro/protesto que só voltou à Espanha depois que Franco caiu fora
Isso não foi inventado pela escalada do terrorismo dos anos 70. Em 1937 aviões alemães e italianos que apoiavam Franco na Guerra Civil espanhola decidiram testar a teoria de Bombardeio de Terror e escolheram uma cidade sem qualquer importância estratégica na guerra chamada Guernica para testar sua teoria. Os aliados usaram, obviamente sem nunca assumi-lo, o mesmo princípio nos bombardeios que devastaram Dresden, Hiroshima e Nagazaki. Nesses três atos de assassinato em massa de civis durante uma guerra, o rótulo de Bombardeio de Terror foi negado veementemente. Uma fábrica aqui ou ali justificariam esses ataques como "táticos".

É claro que acabou a política de "tolerância" que França e companhia tinham adotado contra o ISIS na Síria - havia um contraste imenso entre a intensidade de bombardeios no Iraque e a timidez em atacar o ISIS na Síria "para não fortalecer Bashad". Quem acha que só vão morrer soldados malvados em Raqqa, deve também acreditar que só morreram nazistas de carteirinha em Dresden ou japoneses sanguinários em Hiroshima. Mas é claro que a imprensa já vai começar a repetir as potocas de que bombardeios são "cirúrgicos" e mísseis são "inteligentes" e que civis e gente inocente nunca morre quando o grande ocidente-varonil-rivotril ataca.

Sou totalmente contra todas as patrulhas da solidariedade alheia. Leão Famoso ou anônimo, natureza de perto ou de muito longe, gente de perto ou muito de longe, solidariedade vazia ou cheia. Eu me solidarizo com vítimas de agressão e violência, não com países. Eu, particularmente, parei de jogar WAR quando era adolescente e não fico aqui vibrando quando alguém mata israelenses ou palestinos ou russos ou soldados ou policiais ou favelados como se estivéssemos contando figurinhas ou apostando para ver quem faz xixi mais longe. Em nome da civilização cristã ou dos os valores do mundo ocidental, então, nem me fale. Não dou meia pataca de entusiasmo por nada disso e se alguém me dissesse que era possível se livrar dessas coisas sem transformar o mundo num tsunami de sangue inocente, eu até apoiaria. Meu negócio é a gente e o meio ambiente; bandeira e hino nacional de onde for, eu até respeito, mas estou fora. Mas só para enfatizar eu repito: cada um devia poder fazer o que bem entendesse com a sua empatia e vontade de solidariedade. O mundo já tem ódio demais.

Comments

Anonymous said…
Sensatez, tão rara hoje em dia. (tata)
É melhor que os sensatos comecem a fazer seu barulhinho, né, Tata? Porque os insensatos são uma legião e andam cada vez mais doidos. E também tenho reparado com muito desconforto que desde que a gente migrou dos blogues para o FCBK que a vontade de controlar o que os outros falam e fazem, cobrar atitudes e repreender atitudes. De cagar regra na cabeça dos outros, para usar uma expressão mais direta.

Popular posts from this blog

Diário do Império - Antenado com a minha casa [BH]

Acompanho a vida no Brasil antes de tudo pela internet, um "lugar" estranho em que a [para mim tenebrosa] classe m é dia brasileira reina soberana, quase absoluta, com seus complexos, suas mediocridades e sua agressividade... Um conhecido, daqueles que ao inv és de ter um blogue que a gente visita quando quer, prefere um papel mais ativo, mandando suas "id éias" para os outros por e-mail, me enviou o texto abaixo, que eu vou comentar o mais sucintamente possível: resolvi a partir de amanh ã fazer um esforço e tentar, al ém do blogue, onde expresso minhas "id éias" passivamente, tentar me comunicar diretamente com as pessoas por carta... OS ALUNOS DE UNIVERSIDADES PARTICULARES DERAM UMA RESPOSTA; E A BRIGA CONTINUOU ... 1 - PROVOCAÇÃO INICIAL Estudar na PUC:............... R$ 1.200,00 Estudar no PITÁGORAS:..........R$ 1.000,00 Estudar na NEWTON:.....R$ 900,00 Estudar na FUMEC:............ R$600,00 Estudar na UNI-BH:........... R$ 550,00 Estudar na

Uma gota de fenomenologia

Esse texto é uma homenagem aos milhares de livrinhos fininhos que se propõem a explicar em 50 páginas qualquer coisa, do Marxismo ao machismo e de Bakhtin a Bakunin: Uma gota de fenomenologia Uma coisa é a coisa que a gente vive nos ossos, nos nervos, na carne e na pele; aquilo que chega e esfria ou esquenta o sangue do caboclo. Outra coisa bem outra é assistir essa mesma coisa, mais ou menos de longe. Nem a mãe de um caboclo que passa fome sabe o que é passar fome do jeito que o caboclo que passa fome sabe. A mãe sabe outra coisa, que é o que é ser mãe de um caboclo que passa fome. Isso nem o caboclo sabe: o que ela sabe é dela só, diferente do caboclo e diferente do médico que recebe o tal caboclo e a mãe dele no hospital. O médico sabe da fome do cabloco de um outro jeito porque ele já ficou mais longe daquela fome um tanto mais que a mãe e outro tanto bem mais que o caboclo. O jeito que o médico sabe da fome daquele caboclo pode ser mais ou menos só dele ainda, mas isso só se ele p

Protestantes e evangélicos no Brasil

1.      O crescimento dos protestantes no Brasil é realmente impressionante, saindo de uma pequena minoria para quase um quarto da população em 30 anos: 1980: 6,6% 1991: 9% 2000: 15,4%, 26,2 milhões 2010: 22,2%, 42,3 milhões   Há mais evangélicos no Brasil do que nos Estados Unidos: são 22,37 milhões da população e mais ou menos a metade desses pertencem à mesma igreja.  Você sabe qual é? 2.      Costuma-se, por ignorância ou má vontade, a dar um destaque exagerado a Igreja Universal do Reino de Deus e ao seu líder, Edir Macedo. A IURD nunca representou mais que 15% dos evangélicos e menos de 10% dos protestantes como um todo. Além disso, a IURD diminuiu seu número de fiéis   nos últimos 10 anos de acordo com o censo do IBGE, ao contrário de outras denominações, que já eram bem maiores. 3.      Os jornalistas dos jornalões, acostumados com a rígida hierarquia institucional católica não conseguem [ou não tentam] entender muito o sistema