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Há dois momentos marcantes em que dois artistas que eu
admirei muito como adolescente rasgaram aquela capa que insiste em ficar entre
a arte e a vida. Esse limite ganhava urgência e se transformava também em limite entre a vida e a morte, já que as duas são canções que
falam sobre uma morte como uma coisa eminente e concreta, não como uma abstração
impactante para impressionar adolescentes.
O primeiro foi em 1989, quando eu tinha vinte anos, sonhava
com o Lula barbudão sem gravata presidente revolucionário, era o pior estudante
universitário que eu já conheci, tinha uma banda de roque e ainda comprava
vinis com meus caraminguás como professor de inglês. Foi assim que comprei Burguesia, o último
disco do Cazuza. Um disco difícil de ouvir por causa da debilidade física do
artista que fica registrada feito um fantasma na voz trêmula e vacilante do cantor. A faixa
fantasmagórica mais impressionante daquele disco é “Cobaias de Deus”, música de
Ângela Ro-Rô e letra amarga de um Cazuza desesperado com a morte e a doença:
O segundo foi em 1996, sete anos depois. Aí eu já não era
nada daquilo do que eu era em 1989. Se Cazuza viveu em público seu calvário e deu um testemunho duro do seu fim,
Renato Russo viveu o calvário dele escondido num mundo pré-internet e morreu logo depois do lançamento do CD [já
CD] A Tempestade, cheio de canções melancólicas sobre um fim que vem chegando aos poucos. A voz também
fraqueja e em alguns momentos a capa entre vida e obra se rompe, por exemplo em “Esperando por mim”, quando a tempestade distrai o doente que não esteve nada bem e um passeio com o pai traz um "momento de paz". A noite as coisas se esclarecem e a negação da solidão ["o mal do século"] nos verdadeiros amigos, no pai, no filho, em todos que "esperaram por mim":
Um morre sozinho o outro morre proclamando docemente que esperam, esperaram e esperarão por ele.
Um morre sozinho o outro morre proclamando docemente que esperam, esperaram e esperarão por ele.
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