Essas são notas que eu tomei quando li ps três volumes de memórias de Fernando Gabeira para escrever um artigo sobre os filmes O que é isso, companheiro? e Batismo de Sangue:
Cada um escreve suas memórias para fabricar-se como personagem para consumo público e escolhe um gênero e uma estratégia de caracterização específica para se inventar. Protagonista de um épico? Anti-herói de um mundo farsesco? Herói sacrificado numa tragédia? Bonachão tolerante numa comédia de costumes? Claro que o autor das suas próprias memórias deve suspeitar que sempre dirá um pouco menos e um pouco mais do que quer dizer.
Gabeira o heterodoxo, o companheiro sábio visionário, o militante consciência modelo, sempre sorrindo ironicamente, tanto para os companheiros ingênuos e fanatizados como para os algozes e torturadores. Gabeira sorrindo sempre para os fanáticos, os caretas, os burocratas, os dogmáticos, os iludidos, os ridículos com seus discursos pomposos e irrelevantes. Gabeira o inimigo gentil dos companheiros caretas e covardes. Gabeira o tolerante disposto a um papinho amigo com os cães de guarda do aparelho repressivo entre uma e outra sessão de tortura. Gabeira o leitor preciso e profundo das conjunturas políticas, enxergando antes de todo mundo barcas furadas da esquerda, antecipando em dez anos análises de certos historiadores. Gabeira o sensual cheio de transa, o latino distribuindo ginga na Escandinávia.
Gabeira, tenha a santa paciência! Um ego gigantesco que em três volumes de memórias que percorrem mais ou menos vinte anos de peripécias ele não deixa espaço para ninguém mais que não seja GABEIRA? Pessoas vem e vão sem nunca tomar a palavra, simplesmente servindo de figurante para fazer a estrela brilhar por mais de 300 páginas!
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