Desenho meu: Auto-Retrato dos Meus Medos |
Nós do primeiro comitê da Sociedade Internacional Necronáutica declaramos o seguinte:
1. Que a morte é um
tipo de espaço que pretendemos mapear, entrar, colonizar e, finalmente,
habitar.
2. Que não há
beleza sem a morte, sem sua imanência. Cantaremos a beleza da morte, ou seja, a
beleza.
3. Que tomaremos como
nossa responsabilidade a tarefa de trazer a morte às vistas do mundo. Nós identificaremos
todas as suas formas e meios: na literatura e na arte, onde ela é mais
aparente; também na ciência e na cultura, onde ela espreita submersa mas nem
por isso menos potente em seu obscurecimento. Tentaremos captar suas
frequências – pelo rádio, pela internet e em todos os lugares nos quais estão
ativos seus processos e avatares. No quotidiano a morte se move com a mesma
intensidade: em acidentes de trânsito que acontecem ou quase acontecem; em
funerárias e casas de velório, em coroas de flores, em congeladores de
açougueiros e depósitos de lixo cheios de produtos alimentares apodrecendo. A
morte se move em nossos apartamentos, pela tela das televisões, a fiação e os
canos nas nossas paredes, nossos sonhos. Nossos próprios corpos não são mais
que veículos que nos levam indubitavelmente à morte. Somos todos necronautas,
sempre, desde sempre.
4.
Nosso objetivo maior é criar uma técnica[1]
que nos permita chegar até a morte de tal maneira que possamos, não estando
vivos, pelos menos persistir. Com a fome, a guerra, as doenças e o impacto de asteróides
ameaçando acelerar nossa jornada universal ao desaparecimento, a única chance
de sobrevivência da humanidade está na sua habilidade, ainda não sintetizada,
de morrer de formas novas e imaginativas. Que possamos um dia nos entregar completamente
à morte, não em desespero, mas rigorosamente, criativamente, olhos e bocas abertos para que se encham das águas
profundas do Desconhecido.
PS. Interessante notar como um manifesto como esse, feito na Inglaterra, adota, mais de uma vez, uma retórica que aproxima conhecimento e colonização.
PS. Interessante notar como um manifesto como esse, feito na Inglaterra, adota, mais de uma vez, uma retórica que aproxima conhecimento e colonização.
O original, encontrável aqui:
We, the First Committee of the International Necronautical Society, declare the following:
1.That death is a type of space, which we intend to map, enter, colonise and, eventually, inhabit.
2. That there is no beauty without death, its immanence. We shall sing death's beauty - that is, beauty.
3. That we shall take it upon us, as our task, to bring death out into the world. We will chart all its forms and media: in literature and art, where it is most apparent; also in science and culture, where it lurks submerged but no less potent for the obfuscation. We shall attempt to tap into its frequencies - by radio, the internet and all sites where its processes and avatars are active. In the quotidian, to no smaller a degree, death moves: in traffic accidents both realised and narrowly avoided; in hearses and undertakers' shops, in florists' wreaths, in butchers' fridges and in dustbins of decaying produce. Death moves in our appartments, through our television screens, the wires and plumbing in our walls, our dreams. Our very bodies are no more than vehicles carrying us ineluctably towards death. We are all necronauts, always, already.
4. Our ultimate aim shall be the construction of a craft1 that will convey us into death in such a way that we may, if not live, then at least persist. With famine, war, disease and asteroid impact threatening to greatly speed up the universal passage towards oblivion, mankind's sole chance of survival lies in its ability, as yet unsynthesised, to die in new, imaginative ways. Let us deliver ourselves over utterly to death, not in desperation but rigorously, creatively, eyes and mouths wide open so that they may be filled from the deep wells of the Unknown.
[1]
Esse termo deve ser compreendido da forma a mais versátil possível, podendo
designar um conjunto de práticas tais como: a usurpação de identidades e
personas de pessoas mortas, o desenvolvimento de códigos genéticos ou
semânticos especialmente adaptados baseados em certas mortes específicas, a
reabilitação do sacrifício como um ritual social aceitável, o aperfeiçoamento,
patenteamento e eventual distribuição ampla de Thanadrine™ ou, atém a
construção de uma técnica específica – todos [This term must be understood in the most versatile way
possible.It could designate a set of practices, such as the usurpation of
identities and personas of dead people, the development of specially adapted
genetic or semantic codes based on the meticulous gathering of data pertaining
to certain and specific deaths, the rehabilitation of sacrifice as an accepted
social ritual, the perfection, patenting and eventual widespreaddistribution of
ThanadrineTM, or, indeed, the building of an actual craft - all of the above
being projects currently before the First Committee.]
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