Skip to main content

Sobre a papoula da história

Desenho Meu: História Recente 

Eric Hobsbawn uma vez disse que a história era a matéria prima das ideologias nacionalistas, etnocêntricas e fundamentalistas que têm assolado o planeta, assim como a papoula era a matéria prima da heroína. Sinceramente acho que o historiador estava subestimando consideravelmente as qualidades da heroína, uma bichinha danada de perigosa também mas bem mais agradável do que essas outras drogas malhadas que se espalham pelo planeta de tempos em tempos. Se o hedonismo e o escapismo abastecem o desejo pela heroína, o desejo pelo nacionalismo, o etnocentrismoe fundamentalismo é abastecido, imagino, por impulsos sado-masoquistas. Digamos que o nacionalismo, o etnocentrismo e o fundamentalismo que andam grassando por aí deveriam ser comparados mais adequadamente com um vício mais besta como o tabaco [me desculpem os amigos e amigas fumantes que me juram sentir mil prazeres com o cigarro, mas o tabagismo é um vício quase tão besta quando a cafeína]. A história, que deveríamos sempre nos lembrar, envolve esquecimentos tanto quanto a memória, é, sim, matéria prima de ideologias nocivas no Brasil: o bolsonarismo e o vejismo se alimentam, por exemplo, de conceitos históricos fantasiosos, como uma suposta "ditabranda" e um golpe de estado que paradoxalmente nos teria "salvado do totalitarismo" com vinte anos de ditadura militar. A história é, portanto, um campo de batalha bem azedo no Brasil contemporâneo e o recente relatório da Comissão da Verdade é uma grande vitória para o lado que entende que quem assassina e tortura 5 pessoas não é mais "brando" do que quem assassina e tortura 15 pessoas e que o Brasil adiou em vinte anos uma série de embates importantes sobre a posse da terra no campo e na cidade e sobre os direitos civis em geral e dos negros, mulheres, índios e outros grupos discriminados, recebendo ainda por cima um país completamente quebrado e disfuncional da mão dos militares.
Mural com vítimas da ditadura militar

Comments

Popular posts from this blog

Protestantes e evangélicos no Brasil

1.      O crescimento dos protestantes no Brasil é realmente impressionante, saindo de uma pequena minoria para quase um quarto da população em 30 anos: 1980: 6,6% 1991: 9% 2000: 15,4%, 26,2 milhões 2010: 22,2%, 42,3 milhões   Há mais evangélicos no Brasil do que nos Estados Unidos: são 22,37 milhões da população e mais ou menos a metade desses pertencem à mesma igreja.  Você sabe qual é? 2.      Costuma-se, por ignorância ou má vontade, a dar um destaque exagerado a Igreja Universal do Reino de Deus e ao seu líder, Edir Macedo. A IURD nunca representou mais que 15% dos evangélicos e menos de 10% dos protestantes como um todo. Além disso, a IURD diminuiu seu número de fiéis   nos últimos 10 anos de acordo com o censo do IBGE, ao contrário de outras denominações, que já eram bem maiores. 3.      Os jornalistas dos jornalões, acostumados com a rígida hierarquia inst...

Poema meu: Saudades da Aldeia desde New Haven

Todas as cartas de amor são Ridículas. Álvaro Campos O Tietê é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia, mas o Tietê não é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia porque não corre minha aldeia. Poucos sabem para onde vai e donde vem o ribeirão da minha aldeia, 
 que pertence a menos gente 
 mas nem por isso é mais livre ou menos sujo. O ribeirão da minha aldeia 
 foi sepultado num túmulo de pedra para não ferir os olhos nem molhar os inventários da implacável boa gente da minha aldeia, mas, para aqueles que vêem em tudo o que lá não está, 
 a memória é o que há para além do riberão da minha aldeia e é a fortuna daqueles que a sabem encontrar. Não penso em mais nada na miséria desse inverno gelado estou agora de novo em pé sobre o ribeirão da minha aldeia.

Contos: "O engraçado arrependido" de Monteiro Lobato

Monteiro Lobato conta em "O engraçado arrependido" a história trágica de um homem que não consegue se livrar do papel de palhaço da cidade, papel que interpretou com maestria durante 32 anos na sua cidade interiorana. Pontes é um artista, um gênio da comédia e por motives de espaço coloco aqui só o miolo da introdução em que o narrador descreve o ser humano como “o animal que ri” e descreve a arte do protagonista: "Em todos os gestos e modos, como no andar, no ler, no comer, nas ações mais triviais da vida, o raio do homem diferençava-se dos demais no sentido de amolecá-los prodigiosamente. E chegou a ponto de que escusava abrir a boca ou esboçar um gesto para que se torcesse em risos a humanidade. Bastava sua presença. Mal o avistavam, já as caras refloriam; se fazia um gesto, espirravam risos; se abria a boca, espigaitavam-se uns, outros afrouxavam os coses, terceiros desabotoavam os coletes. E se entreabria o bico, Nossa Senhora! eram cascalhadas, eram rinchavelhos, e...