Foto minha: Toco de Ferro |
O sol tinha acabado de nascer quando
sentiu a dor pontual, aguda, intolerável. Logo em seguida o coração parou, e parecia-lhe
um alívio, uma oportunidade de escape, que durou um instante só. A dor agora voltava
ainda intensa, mas suportável. Num estalo atravessou o inferno da dor aguda até
o purgatório da dor crônica e recostou-se no sofá do escritório, onde esperou
paciente pela morte que não veio.
…
Meu coração se agarra ao corpo, ao tempo. Cansado de bater na porta
aberta, prepara-se para o salto, o relâmpago, o silêncio, o hiato.
…
A filha entrou sem bater, tinha as chaves da
casa. O sol tinha acabado de se esconder atrás do telhado do vizinho.
- Pai?
Não conseguia responder. Esperou mudo,
recostado feito um manequim desajeitado no sofá, até que ela chegasse ao
escritório. A filha a princípio não percebeu o estado em que estava.
- Pai, a Lydia me pediu pra – Pai?! Tudo bem?
Ele quer falar mas não consegue nem um
sussurro. Acho que peguei no sono deitado
de mau jeito, minha filha. Agora estou com um torcicolo que não consigo me
levantar. Não há de ser nada. Queria poder mentir para não acabar num
hospital todo enfiado com agulhas, fios e tubos, como tantos que ele viu pelo
vidro morrendo devagar na assepsia descolorida da UTI.
A filha chamou a ambulância pelo telefone.
…
A morte, essa não existência factual, é a coisa
mais terrível que há. Agarrá-la firme com as duas mãos na altura do rosto exige
do espírito humano mais coragem que qualquer outra coisa. Mas às vezes isso
acontece simplesmente porque não há saída. Uma vida que se encolhe toda só para
evitar ser tocada pela morte chega ao limite do encolhimento e aí explode. Explode
ou então não merece o nome que tem.
…
Antes do fim, ainda na ambulância, lembrou-se
da resposta do seu pai quando ele comentou sobre os surtos de paranoia que
pareciam acometer Arturo Horta:
- Olha, se eu fosse ele também tinha medo da
própria sombra.
- Pois toma tento e espera; acaba que o tempo
passa e reduz cada um ao que cada um é: o matão poderoso de hoje é um matinho de beira
de estrada amanhã. Toma tento e espera, meu filho, porque o tempo não para pra ninguém.
…
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(tata)