Uma boa
parte da melhor poesia de Carlos Drummond de Andrade foi escrita num período
difícil dentro do Brasil e fora. Dentro encarávamos a Revolução de 30, a guerra
civil em 1932, o Integralismo, o golpe em 1937, a ditadura do Estado Novo entre
37 e 45. Fora assistíamos o fascismo de Mussolini, o Estado novo de Salazar, a
ascensão do nazismo, a guerra civil espanhola e a Segunda Guerra Mundial. Não é
por nada que os poemas de Drummond muitas vezes oscilavam entre a tristeza
desesperançada e os apelos por esperança e luta.
O poema de hoje é homenagem a uma vítima da estupidez fascista. A Falange Franquista fuzilou Federico García Lorca torpemente e foi nesse sistema de mortes e agressões gratuitas que ao final da Guerra Civil chegou-se a um número impressionante de mais de meio milhão de mortes por fuzilamento. A estrofe final parece para mim estar antecipando as melhores canções de protesto de Chico Buarque, falando de um dia claro composto na treva de hoje. A interpretação é um pouco lacrimosa demais para o Drummond da minha imaginação mas vale a pena:
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A Federico García
Lorca (1948)
Sobre o teu corpo, que
há dez anos
se vem transfundindo em
cravos
de rubra cor espanhola,
aqui estou para
depositar
vergonha e lágrimas
Vergonha de há tanto
tempo
viveres – se morte é
vida –
sob o chão onde esporas
tinem
e calcam a mais fina
grama
e o pensamento
mais fino
de amor, de justiça e
paz.
Lágrimas de noturno
orvalho,
não de mágoa
desiludida,
lágrimas que tão-só
destilam
desejo e ânsia e
certeza
de que o dia amanhecerá.
(Amanhecerá.)
Esse claro dia
espanhol,
composto na treva de
hoje,
sobre o teu túmulo há de
abrir-se,
mostrando gloriosamente
- ao canto multiplicado
de guitarra, gitano e
galo –
que para sempre viverão
os poetas
martirizados.
Comments
Obrigada pela série. Ajudou muito, nestes dias.