Skip to main content

Quando a barra pesa, só Carlos Drummond de Andrade resolve 2


-->
Uma boa parte da melhor poesia de Carlos Drummond de Andrade foi escrita num período difícil dentro do Brasil e fora. Dentro encarávamos a Revolução de 30, a guerra civil em 1932, o Integralismo, o golpe em 1937, a ditadura do Estado Novo entre 37 e 45. Fora assistíamos o fascismo de Mussolini, o Estado novo de Salazar, a ascensão do nazismo, a guerra civil espanhola e a Segunda Guerra Mundial. Não é por nada que os poemas de Drummond muitas vezes oscilavam entre a tristeza desesperançada e os apelos por esperança e luta. 

Vejamos alguns apropriados à semana seguinte das eleições em que quase entregamos de bandeja o poder do governo federal a um ex-militar mequetrefe, rancoroso e bruto nas ideias e no trato e, como se não bastasse, demos conta de eleger um congresso ainda pior que o péssimo congresso que elegemos em 2014.

"José" não oferecia mais que um constante e angustiado "e agora?" - e nunca entendi tão bem o poema até que minha mãe sofreu um acidente traumático e começou a olhar pra gente e dizer a cada dois minutos "e agora?" "Áporo" vai mais longe e nos oferece uma ponta de esperança. O mistério de um inseto que insiste em cavar mais e mais fundo um buraco que parece absurdo como forma de escape até que o labirinto se desata e a orquídea antieuclidiana se oferece no meio da devastação. 

Ao invés de crianças o auxílio luxuoso de um sábio professor/escritor, Davi Arrigucci Jr.:




-->
Áporo
Um inseto cava
cava sem alarme
perfurando a terra
sem achar escape.

Que fazer, exausto,
em país bloqueado,
enlace de noite
raiz e minério?

Eis que o labirinto
(oh razão, mistério)
presto se desata:

em verde, sozinha,
antieuclidiana,
uma orquídea forma-se.

Comments

Popular posts from this blog

Contos: "O engraçado arrependido" de Monteiro Lobato

Monteiro Lobato conta em "O engraçado arrependido" a história trágica de um homem que não consegue se livrar do papel de palhaço da cidade, papel que interpretou com maestria durante 32 anos na sua cidade interiorana. Pontes é um artista, um gênio da comédia e por motives de espaço coloco aqui só o miolo da introdução em que o narrador descreve o ser humano como “o animal que ri” e descreve a arte do protagonista: "Em todos os gestos e modos, como no andar, no ler, no comer, nas ações mais triviais da vida, o raio do homem diferençava-se dos demais no sentido de amolecá-los prodigiosamente. E chegou a ponto de que escusava abrir a boca ou esboçar um gesto para que se torcesse em risos a humanidade. Bastava sua presença. Mal o avistavam, já as caras refloriam; se fazia um gesto, espirravam risos; se abria a boca, espigaitavam-se uns, outros afrouxavam os coses, terceiros desabotoavam os coletes. E se entreabria o bico, Nossa Senhora! eram cascalhadas, eram rinchavelhos, e...

Poema meu: Saudades da Aldeia desde New Haven

Todas as cartas de amor são Ridículas. Álvaro Campos O Tietê é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia, mas o Tietê não é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia porque não corre minha aldeia. Poucos sabem para onde vai e donde vem o ribeirão da minha aldeia, 
 que pertence a menos gente 
 mas nem por isso é mais livre ou menos sujo. O ribeirão da minha aldeia 
 foi sepultado num túmulo de pedra para não ferir os olhos nem molhar os inventários da implacável boa gente da minha aldeia, mas, para aqueles que vêem em tudo o que lá não está, 
 a memória é o que há para além do riberão da minha aldeia e é a fortuna daqueles que a sabem encontrar. Não penso em mais nada na miséria desse inverno gelado estou agora de novo em pé sobre o ribeirão da minha aldeia.

Uma gota de fenomenologia

Esse texto é uma homenagem aos milhares de livrinhos fininhos que se propõem a explicar em 50 páginas qualquer coisa, do Marxismo ao machismo e de Bakhtin a Bakunin: Uma gota de fenomenologia Uma coisa é a coisa que a gente vive nos ossos, nos nervos, na carne e na pele; aquilo que chega e esfria ou esquenta o sangue do caboclo. Outra coisa bem outra é assistir essa mesma coisa, mais ou menos de longe. Nem a mãe de um caboclo que passa fome sabe o que é passar fome do jeito que o caboclo que passa fome sabe. A mãe sabe outra coisa, que é o que é ser mãe de um caboclo que passa fome. Isso nem o caboclo sabe: o que ela sabe é dela só, diferente do caboclo e diferente do médico que recebe o tal caboclo e a mãe dele no hospital. O médico sabe da fome do cabloco de um outro jeito porque ele já ficou mais longe daquela fome um tanto mais que a mãe e outro tanto bem mais que o caboclo. O jeito que o médico sabe da fome daquele caboclo pode ser mais ou menos só dele ainda, mas isso só se ele p...