Skip to main content

Lições da história de um esplêndido fracasso

Noel Polk
Irritados com prosa difícil de Faulkner, os editores mexeram muito em Absalom, Absalom! , que é o único romance cuja versão “restaurada” por Noel Polk apresenta mudanças substanciais. Polk descreve o processo de edição:  

Clifton Fadiman, autor da resenha
“The editors of Absalom, Absalom! […] made massive alterations, deleting dozens of passages of sometimes 10 lines or more, altered punctuation to shorten some of his long sentences, and, for example, clarified deliberately ambiguous relative pronoun antecedents because, as they note in the margins, they couldn’t figure out what kinds of challenges Faulkner was presenting in the new novel. Since he preserved the typescript that the editors worked from, it was pretty easy to restore those cuts and make an Absalom more nearly what Faulkner wrote.”

Pelo jeito a mão pesada dos editores não adiantou nada. A resenha da revista New Yorker (uma poderosa instituição nas letras gringas que nunca morreu de amores por Faulkner muito antes pelo contrário) foi simplesmente implacável: 

“… I do not comprehend why Absalom, Absalom! was written, what the non-Mississippian is supposed to get out of it, or, indeed, what it is all about. Nor do I understand why Mr. Faulkner writes the way he does. And, having gone so far, I may as well break down and state my conviction that Mr. Faulkner’s latest book is the most consistently boring novel by a reputable writer to come my way during the last decade.”

O livro vendeu tão mal que os mesmos editores proibiram que ele desse ao livro mais conhecido como Wild Palms o nome de If I Forget Thee Jerusalem para que a referência bíblica não criasse associações com Absalom, Absalom!

Faulkner nos anos 40 dando duro em Hollywood
“… they told him, Absalom had been such a bust in the bookstores and they didn’t want to risk another novel with a biblical title; Faulkner was furious (one of the very few times he actually objected to an editorial decision), but had no choice but to accede."

O próprio Faulkner gostava de falar dos seus romances como “fracassos”. Quando perguntam se ele se sentiu satisfeito ao terminar The Sound and the Fury, Faulkner respondeu assim [podemos ouvir sua voz aqui]:

“No, I don't. That's the—the one that I love the best for the reason that it was the most splendid failure. I think that—that they all failed. Probably the reason the man writes another book is that he tried to—to tell some very important and very moving truth and failed. He's not satisfied, so he tries again. He writes another book, trying to tell some—the same moving truth, since there's only one truth, and they fail. And this one I worked hardest at. It's—it's like the—the idiot child that the parents love the best. This one was the—the most splendid failure, but I—I wish I hadn't done it because if I could do it now, I think I could do it better. Of course, I couldn't, [audience laughter] but I would like to try it again if I had never written it.”

Faulkner mais ou menos na época de Absalom, Absalom!
Absalom, Absalom! é um dos fracassos mais esplêndidos que eu conheço e a recepção do romance me ensinou muito. Acho um equívoco me encher de sentimento de superioridade e simplesmente ridicularizar aqueles que, naqueles anos em que Faulkner não havia ainda sido canonizado [literalmente transformado em santo], não tiveram durante a leitura a paciência ou o respeito que eu acho que Absalom, Absalom! merece. Melhor aprender, humildemente, que é preciso tentar enxergar além dos panteões de santos literários e ler com paciência e respeito o texto que se esconde entre as capas de cada livro.

Comments

Renata Lins said…
Que maravilhoso isso. Não conhecia nenhuma dessas histórias... adorei.
O homem comeu o pão que o diabo amassou, justamente enquanto escrevia a melhor parte da sua obra.

Popular posts from this blog

Diário do Império - Antenado com a minha casa [BH]

Acompanho a vida no Brasil antes de tudo pela internet, um "lugar" estranho em que a [para mim tenebrosa] classe m é dia brasileira reina soberana, quase absoluta, com seus complexos, suas mediocridades e sua agressividade... Um conhecido, daqueles que ao inv és de ter um blogue que a gente visita quando quer, prefere um papel mais ativo, mandando suas "id éias" para os outros por e-mail, me enviou o texto abaixo, que eu vou comentar o mais sucintamente possível: resolvi a partir de amanh ã fazer um esforço e tentar, al ém do blogue, onde expresso minhas "id éias" passivamente, tentar me comunicar diretamente com as pessoas por carta... OS ALUNOS DE UNIVERSIDADES PARTICULARES DERAM UMA RESPOSTA; E A BRIGA CONTINUOU ... 1 - PROVOCAÇÃO INICIAL Estudar na PUC:............... R$ 1.200,00 Estudar no PITÁGORAS:..........R$ 1.000,00 Estudar na NEWTON:.....R$ 900,00 Estudar na FUMEC:............ R$600,00 Estudar na UNI-BH:........... R$ 550,00 Estudar na

Uma gota de fenomenologia

Esse texto é uma homenagem aos milhares de livrinhos fininhos que se propõem a explicar em 50 páginas qualquer coisa, do Marxismo ao machismo e de Bakhtin a Bakunin: Uma gota de fenomenologia Uma coisa é a coisa que a gente vive nos ossos, nos nervos, na carne e na pele; aquilo que chega e esfria ou esquenta o sangue do caboclo. Outra coisa bem outra é assistir essa mesma coisa, mais ou menos de longe. Nem a mãe de um caboclo que passa fome sabe o que é passar fome do jeito que o caboclo que passa fome sabe. A mãe sabe outra coisa, que é o que é ser mãe de um caboclo que passa fome. Isso nem o caboclo sabe: o que ela sabe é dela só, diferente do caboclo e diferente do médico que recebe o tal caboclo e a mãe dele no hospital. O médico sabe da fome do cabloco de um outro jeito porque ele já ficou mais longe daquela fome um tanto mais que a mãe e outro tanto bem mais que o caboclo. O jeito que o médico sabe da fome daquele caboclo pode ser mais ou menos só dele ainda, mas isso só se ele p

Protestantes e evangélicos no Brasil

1.      O crescimento dos protestantes no Brasil é realmente impressionante, saindo de uma pequena minoria para quase um quarto da população em 30 anos: 1980: 6,6% 1991: 9% 2000: 15,4%, 26,2 milhões 2010: 22,2%, 42,3 milhões   Há mais evangélicos no Brasil do que nos Estados Unidos: são 22,37 milhões da população e mais ou menos a metade desses pertencem à mesma igreja.  Você sabe qual é? 2.      Costuma-se, por ignorância ou má vontade, a dar um destaque exagerado a Igreja Universal do Reino de Deus e ao seu líder, Edir Macedo. A IURD nunca representou mais que 15% dos evangélicos e menos de 10% dos protestantes como um todo. Além disso, a IURD diminuiu seu número de fiéis   nos últimos 10 anos de acordo com o censo do IBGE, ao contrário de outras denominações, que já eram bem maiores. 3.      Os jornalistas dos jornalões, acostumados com a rígida hierarquia institucional católica não conseguem [ou não tentam] entender muito o sistema