Skip to main content

Porque NUNCA cito pesquisa de opinião sobre qualquer assunto

As pessoas adoram pesquisas de opinião, principalmente quando elas confirmam a opinião pessoal que elas têm sobre um determinado assunto. O jogo se repete de maneira, para mim, entediante: as mesmas pessoas fazem alarde sobre as pesquisas cujo resultado lhes interessam e uma semana depois questionam a validade das pesquisas cujo resultado não me agradam. Faz tempo que eu li um longo artigo sobre as pesquisas de opinião e decidi NUNCA MAIS citar pesquisas de opinião de qualquer tipo. 

Pensem numa amostra de 1.000 pessoas que fosse representativa da população brasileira para fazer uma pesquisa de opinião, digamos, sobre a popularidade de um governante ou de um candidato a presidente.

Começando pelo mais fácil, teríamos que encontrar 500 mulheres e 500 homens que respondessem à pergunta proposta.

790 dessas pessoas teriam que ganhar até 3 salários mínimos. Seriam divididos em 395 homens e 395 mulheres? Como as mulheres ganham menos que os homens, suponho que não.

150 viveriam no campo. 75 mulheres que vivem no campo e 75 homens que vivem no campo, então?

250 pessoas teriam que ter entre 0 e 14 anos e aí haveria que se pensar na conveniência de perguntar a uma criança de 6 anos pela sua opinião sobre o tal político.

220 evangélicos e 640 católicos. 110 mulheres evangélicas e 320 católicas. 87 mulheres evangélicas que ganham até 3 salários mínimos e 253 mulheres católicas que ganham até 3 salários mínimos. Entre as 87 evangélicas ganhando até 3 salários mínimos, 21 com deficiência fisíca ou mental. Entre as 253 mulheres católicas ganhando até 3 salários mínimos, 61 com algum tipo de deficiência física ou mental. Entre as 21 evangélicas com deficiência ganhando menos de 3 salários mínimos, 3 teriam que viver no campo.   

100 pessoas teriam que ter mais de 60 anos. Nessa divisão suponho que teríamos que ter umas 55 mulheres e 45 anos, já que os homens morrem mais cedo que as mulheres. 15 teriam que viver no campo e 11 desses 15 teriam que ganhar até 3 salários mínimos. Quantos homens evangélicos com mais de 60 anos morando no campo e ganhando menos de 3 salários mínimos?

E os ajustes para cada região e, no caso de estados imensos e muito populosos, para cada estado?

À medida em que os números vão minguando, a possibilidade de, por pura coincidência, trombarmos com uma super ou sub representação de, digamos, homens evangélicos nordestinos com mais de 60 anos que ganham menos de 3 salários mínimos e vivem em centros urbanos que são absolutamente indiferentes à pergunta em questão é alarmante.

E as pessoas que não querem responder? Depois de cuidadosamente selecionar o número exato de sulinas pardas católicas entre 18 e 35 anos que ganham menos de 3 salários mínimos, como lidar com uma taxa de rejeição à pergunta feita? Como lidar com porta na cara, telefone desligado, "não quero responder" de cada um das centenas de sub-grupos relevantes.

E a influência que as próprias pesquisas têm sobre a opinião que as pesquisas sub-sequentes registram? E a validade de perguntar a alguém sua intenção de voto dois anos antes da eleição? E a necessidade de ajustar os resultados em vista da possibilidade de uma resposta completamente inconsequente?

O quão perturbadora é a ideia de que toda essa avalanche de pesquisas é uma grande ficção?

Comments

Unknown said…
Paulo, além do mais, essas pesquisas não lidam com a realidade imediata, com as necessidades reais. Imagino que talvez nem nesse quadro hipotético-ideal apresentado seja possível uma pesquisa de opinião que realmente identifique o que as pessoas pensam. Haverá mesmo uma forma de pesquisa de opinião válida? Ademais, pesquisa de opinião, como o próprio nome sugere, é algo fluido, momentâneo, como o são a vida e suas contingências. Contudo, esse caráter mutável (e talvez justamente por isso) mostra-se um instrumental poderoso, o qual se manipula política e ideologicamente. O que vc pensa sobre isso?
Unknown said…
Paulo, além do mais, essas pesquisas não lidam com a realidade imediata, com as necessidades reais. Imagino que talvez nem nesse quadro hipotético-ideal apresentado seja possível uma pesquisa de opinião que realmente identifique o que as pessoas pensam. Haverá mesmo uma forma de pesquisa de opinião válida? Ademais, pesquisa de opinião, como o próprio nome sugere, é algo fluido, momentâneo, como o são a vida e suas contingências. Contudo, esse caráter mutável (e talvez justamente por isso) mostra-se um instrumental poderoso, o qual se manipula política e ideologicamente. O que vc pensa sobre isso?
Concordo com você. Acho que a gente pode ver dois aspectos do problema. De um lado o fato de que as pesquisas proclamam um caráter "científico" que não elas não têm. Se nos Estados Unidos o índice de pessoas que aceitam responder a pesquisas está abaixo de 10%, fica claro a falta de legitimidade que essa enxurrada de pesquisas que proclamam que os estadounidenses são a favor ou contra guerras, leis, acordos comerciais, etc. No Brasil decide-se que um determinado candidato "não tem chances" de ganhar as eleições quando se proclama nas capas de todos os jornais e revistas e nos programas de televisão que as pesquisas dão a esse candidato um porcentagem baixa de preferência. De outro lado, tem a questão que você colocou: a fluidez das opiniões, a incerteza, a dúvida, a falta de uma opinião formada sobre qualquer assunto parece desaparecer. Qualquer pessoa que conhece um pouquinho de retórica sabe que pelo menos metade da resposta está já embrulhada no modo como uma questão é formulada. E ainda estou para ler um dia sobre uma pesquisa que disser 75% dos brasileiros não sabe o que pensar sobre o seu próprio racismo. Mas a regra é que todos os meios de comunicação usam e abusam de pesquisas de opinião como fatos científicos e que as pessoas não resistem a usar as pesquisas como argumento quando elas favorecem seus próprios pontos de vista e depois reclamam quando outras pesquisas parecem contrariar os seus desejos.

Popular posts from this blog

Contos: "O engraçado arrependido" de Monteiro Lobato

Monteiro Lobato conta em "O engraçado arrependido" a história trágica de um homem que não consegue se livrar do papel de palhaço da cidade, papel que interpretou com maestria durante 32 anos na sua cidade interiorana. Pontes é um artista, um gênio da comédia e por motives de espaço coloco aqui só o miolo da introdução em que o narrador descreve o ser humano como “o animal que ri” e descreve a arte do protagonista: "Em todos os gestos e modos, como no andar, no ler, no comer, nas ações mais triviais da vida, o raio do homem diferençava-se dos demais no sentido de amolecá-los prodigiosamente. E chegou a ponto de que escusava abrir a boca ou esboçar um gesto para que se torcesse em risos a humanidade. Bastava sua presença. Mal o avistavam, já as caras refloriam; se fazia um gesto, espirravam risos; se abria a boca, espigaitavam-se uns, outros afrouxavam os coses, terceiros desabotoavam os coletes. E se entreabria o bico, Nossa Senhora! eram cascalhadas, eram rinchavelhos, e...

Poema meu: Saudades da Aldeia desde New Haven

Todas as cartas de amor são Ridículas. Álvaro Campos O Tietê é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia, mas o Tietê não é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia porque não corre minha aldeia. Poucos sabem para onde vai e donde vem o ribeirão da minha aldeia, 
 que pertence a menos gente 
 mas nem por isso é mais livre ou menos sujo. O ribeirão da minha aldeia 
 foi sepultado num túmulo de pedra para não ferir os olhos nem molhar os inventários da implacável boa gente da minha aldeia, mas, para aqueles que vêem em tudo o que lá não está, 
 a memória é o que há para além do riberão da minha aldeia e é a fortuna daqueles que a sabem encontrar. Não penso em mais nada na miséria desse inverno gelado estou agora de novo em pé sobre o ribeirão da minha aldeia.

Uma gota de fenomenologia

Esse texto é uma homenagem aos milhares de livrinhos fininhos que se propõem a explicar em 50 páginas qualquer coisa, do Marxismo ao machismo e de Bakhtin a Bakunin: Uma gota de fenomenologia Uma coisa é a coisa que a gente vive nos ossos, nos nervos, na carne e na pele; aquilo que chega e esfria ou esquenta o sangue do caboclo. Outra coisa bem outra é assistir essa mesma coisa, mais ou menos de longe. Nem a mãe de um caboclo que passa fome sabe o que é passar fome do jeito que o caboclo que passa fome sabe. A mãe sabe outra coisa, que é o que é ser mãe de um caboclo que passa fome. Isso nem o caboclo sabe: o que ela sabe é dela só, diferente do caboclo e diferente do médico que recebe o tal caboclo e a mãe dele no hospital. O médico sabe da fome do cabloco de um outro jeito porque ele já ficou mais longe daquela fome um tanto mais que a mãe e outro tanto bem mais que o caboclo. O jeito que o médico sabe da fome daquele caboclo pode ser mais ou menos só dele ainda, mas isso só se ele p...