Nos anos 80 alguns jovens latinos de Los Angeles começaram a se vestir em um estilo peculiar que eles chamavam de "cholo", frequentemente associado pela imprensa com gangues violentas. Uma jovem dançarina de origem italiana da outra costa dos EUA resolveu fazer a sua própria leitura do estilo das cholas de Los Angeles: maquiagem pesada em volta dos olhos, cabelos repicados, camisetas brancas, suspensórios, calças largas, adereços como colares com cruzes e brincos de argola grande. A tal dançarina transformou-se na toda poderosa Madonna e depois trocou o estilo cholo por uma espécie de pastiche de Marylin Monroe para vender a imagem de "Material Girl".
Nas redes sociais o primeiro ímpeto é julgar: estaria Madonna "certa" ou "errada"? Teria ela o "direito" de se apropriar do visual cholo? Só eu escrevo aqui justamente para fugir dos tribunais das redes sociais e não quero fazer esse papel de juiz dos bons costumes dos outros. Mesmo porque já se vão quase quarenta anos do acontecido.
Hoje Madonna se parece mais com Pabllo Vittar e vive de tocar seus sucessos de outrora em turnês "comemorativas". E hoje o estilo cholo ainda reaparece, sempre meio pasteurizado, quando algum desses programas de TV que idealizam a polícia como sacrossanta defensora da bondade decide escolher para vilões da semana alguma perigosa gangue latina com nomes comos "los locos", "los malos" ou "los diablos".
As apropriações continuam, e continuam pelos mais diversas motivos. E acontecem, para ser honesto, numa via de duas mãos. As calças do estilo cholo, por exemplo, eram "Dickies", marca barata criada no norte do Texas nos anos 20 do século passado. Tenho a impressão que no embalo do moralismo das redes sociais há quem acredite piamente que quando "boas" as apropriações devem ser chamadas de "ressignificação" e quando más de "apropriações". Mas as apropriações estão no mundo num estado de permanente confusão moral, feitas por amor e/ou ganância e com e/ou sem oportunismo.
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