A cana dos outros
João Cabral de Melo Neto Serial e antes, 279-80
1
Esse que andando planta
os rebolos de cana
nada é do semeador
que se sonetizou.
É o seu menos um gesto
de amor que de comércio;
e a cana, como a joga,
não planta: joga fora.
2
Leva o eito o compasso,
na limpa, contra o mato,
bronco e alheadamente
de quem faz e não entende.
De quem não entendesse
por que só é mato este;
por que limpar do mato,
não da cana, limpá-lo.
3
Num cortador de cana
o que se vê é a sanha
de quem derruba um bosque:
não o amor de quem colhe.
Sanha fúria, inimiga,
feroz, de quem mutila,
de quem, sem mais cuidado,
abre trilha no mato.
4
A gente funerária
que cuida da finada
nem veste seus despojos:
ata-a em feixes de ossos.
E quando o enterro chega,
coveiro sem maneiras
tomba-a na tumba-moenda:
tumba viva, que a prensa.
The Cane of Others
trans. Paulo Moreira
1
Walking and scattering
away sugarcane cuttings,
he has none of the Sower
of so many sonnets.
It’s less than a gesture of love;
it’s a manner of business;
the cane, the way he sows it,
is not planted but ditched.
2
Clearing the weeds, the hoe
keeps the blind and mechanic
beat of those who do not know
and labor in crass alienation.
Of those who can’t see
why they clear the weed
from the field and not
the cane from the clearing.
3
In a cane cutter we see
the wrath of those
who cut down a forest:
not the love of a harvest.
Furious wrath, inimical
fierceness of those who maim,
of those who carelessly
open a trail in the woods.
4
The undertakers handle
the deceased but won’t
even dress the spoils:
they just gather bundles of bones.
And when the burial comes,
the artless gravedigger
dumps them in the tomb-mill:
a live tomb that presses them.
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