Eu dirigia, meu sobrinho adulto estava calado ao meu lado, minha sobrinha pré-adolescente no banco de trás. Ela dizia alto, o corpo inclinado, ao pé do meu ouvido: - tia, eu vi no tik tok que o mundo vai acabar em 2021.
Não sei o que dizer sobre 2021, só que estou mais próxima dos quarenta que dos trinta.
Eu, eu, eu... Sempre eu. Como fugir do filtro que é nosso próprio umbigo e através do qual somos obrigados a ver todas as outras coisas, pessoas, rumos, tempos, fins dos tempos, etc.?
Por pura nostalgia, minha mãe quer voltar à praia da minha infância esse ano. Há mais ou menos uma década, estivemos lá e já foi decepcionante. O mar tinha comido toda a areia onde, antes, nós jogávamos frescobol, instalávamos espreguiçadeiras e guarda-sóis e então corríamos com os pés queimando até alcançar a água repleta de peixinhos. Quando retornamos, as casas de varandas largas estavam abandonadas e uma gente barulhenta se amontoava em meio aos palitos de picolé, guimbas de cigarro, latas de cerveja e garrafas de plástico que largava na avenida carcomida pelas ondas.
O mundo da minha infância já acabou, eu podia ter dito à minha sobrinha, mas seria ao mesmo tempo uma verdade e uma mentira. O fim que assombra a geração de agora é total, é completo e único. Para encará-lo de fato, eu teria que ir além do meu umbigo.
Isabela - eu respondi - "acerca daquele dia e daquela hora, ninguém sabe*", então se alguém disse que vai ser no ano tal é porque não vai ser no ano tal. E, como tia poética e enigmática que sou, terminei o assunto recitando o poeminha que minha irmã escreveu um dia:
Os barcos pesqueiros da praia da minha infância
disseram que o mar vai secar
Deram-me um conselho:
Ame antes que o mar se vá.
*Mateus 24:36.
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