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Minhas Leituras: Dodie Bellamy

 Em um ensaio do livro Bee Reaved [que eu li março do ano passado], a escritora Dodie Bellamy faz uma advertência importante para qualquer escritor brasileiro no século XXI:


"Se eu fingir que o que eu escrevo se posiciona fora do vexame que é os Estados Unidos, que o meu ego-id-superego não é impulsionado por esse vexame, eu não estou apenas mentindo para os meus leitores, eu estou mentindo para mim mesmo." [19-20]


As redes sociais exercem uma pressão constante para que nos coloquemos nesse lugar supostamente superior, além e portanto fora, daquilo que criticamos. Isso acontece porque as redes sociais nos requisitam a fazer o papel de juízes de tudo e de todos, necessariamente gostando ou desgostando de tudo. Essa postura narcisista em si mesma já é muito ruim para a inteligência de qualquer pessoa, mas é particularmente ruim para um escritor. No mínimo deveríamos, por exemplo, ao fazer análises sobre o que é ou deixa ser o Brasil, usar a primeira pessoa do plural. Nossas faltas, nossas falhas, nossas limitações, nossos vexames, sempre. 


Comments

Paulo said…
Sim, interessante a questão da cobrança, de termos de nos posicionar a respeito das coisas. E de frequentemente nos pensarmos como EU ao invés de nós. É também uma questão cultural, claro. Aqui nos EUA a academia pensa como EU, no Brasil é como nós. Fora da academia, acho que predomina EU, EU, EU. Na certa praticar o nós é um bom e necessário exercício.
Eu também acho que pode ajudar a prevenir uma tendência à negatividade excessiva, implicando a pessoa na negatividade que ela projeta no país. Também acho nós no Brasil temos uma tendência ao que poderíamos chamar de "excepcionalismo", ou seja, pensar que tudo no Brasil é único e exclusivo do país. Muitas das nossas mazelas são também mazelas de alguns países e também foram mazelas de outros países. Muitas das nossas melhores qualidades também aparecem em outros lugares. Não temos que ser "os melhores" ou "os piores" em tudo.

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