John Stuart Mill é uma espécie de santo padroeiro do liberalismo no âmbito da língua inglesa. Vejam, por exemplo, como se derrama o colunista Adam Gopnik na revista New Yorker logo na aberta de um artigo sobre o pensador inglês:
"Com certeza ninguém nunca teve razão sobre tantas coisas diferentes por tanto tempo como John Stuart Mill, o filósofo, político e sabe-tudo-mor da Inglaterra no século XIX."
Uma boa forma de introdução ao pensamento político/filosófico de Stuart Hill é o primeiro capítulo do livro "Sobre Liberdade". Ali ele fala sobre três pilares da liberdade: a liberdade de consciência, a liberdade de decidir livremente o que fazer com a própria vida [desde que não se prejudique ninguém] e a liberdade de associação [desde que todos os membros tenham escolhido juntar-se].
Frequentemente ignorada é uma frase, a meu ver importantíssima daquele texto introdutório:
"O despotismo é uma forma legítima de governo quando se trata de bárbaros, desde que seu fim seja o melhorar suas vidas, os meios sendo justificados pela realização desse objetivo."
Aqui uma face que muitos insistem em ignorar no Liberalismo clássico de Língua Inglesa: liberdade para nós, os desenvolvidos; para os subdesenvolvidos, um governo tutelado. Para ele, nem África, nem Ásia, nem Irlanda poderiam governar-se e muito menos zelar pela liberdade dos seus cidadãos.
Aquela frase não deveria ser surpresa para ninguém. Afinal ela vem de um homem que dedicou na menos que TRINTA E CINCO ANOS [mais da metade da sua vida] à Companhia das Índias Orientais, órgão executivo do colonialismo inglês na Ásia. Depois de quebrar o monopólio português já em 1612, a Companhia dominou o comércio algodão, seda, chá e ópio na Ásia e administrou a jóia do império: a Índia.
Isso até 1857, quando uma grande rebelião da Índia fez ganhar força no parlamento inglês a ideia de dissolver o monopólio colonial da Companhia. Foi justamente John Stuart Mill o designado pela empresa para defender-se no parlamento. Para isso ele escreveu um memorando de 146 páginas listando as melhorias promovidas por sua empresa na Índia.
Em casa [ou em lugares em que os europeus fossem maioria, como o Canadá, a Austrália e a Nova Zelândia] a Liberdade é articulada como algo essencialmente individual, que depende de uma zelosa preocupação com a tendência de ampliação da opressão social contra os indivíduos. Onde abundam os não-europeus, a generosa imposição da tutela imperialista, no fundo, o próprio Stuart Mill confessa, em defesa dos interesses comerciais e financeiros europeus já que o excedente do capital inglês precisava do comércio e investimento no estrangeiro para continuar a crescer sem abrir mão das margens de lucro.
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