Skip to main content

Cadeia da Felicidade

Há muitos anos atrás o caderno de cultura pedante de um jornal pedante pediu a um monte de escritores (alguns também pedantes, outros não) para escrever um "contozito" (como diriam os portugueses) com o tema singelo de "felicidade". Inspirado por tanto pedantismo eu escrevi o meu "contozito":

A Cadeia da Felicidade


Ano passado Válter Disnêi inventou e patenteou um aspirador de pó que também pode ser usado como secador de cabelos ou ventilador/cortador de batatas. A fábrica de biscoitos Guarani resolveu produzir em série o aparato no formato transformer: forma de Elefante, Tamanduá ou Jibóia com um simples e rápido jogo de botões e alavancas móveis em cores e linhas arrojadas. A cadeia de lojas de departamento Pancrácio assinou contrato de exclusividade para a distribuição do produto em suas lojas em todo o país e no exterior usando o revolucionário sistema de embalagens KRAN111: caixas extremamente leves, feitas de resina transparente colorida e comestível, importadas diretamente da Malásia, onde o multi-empresário e ultra-milionário Maputra Mon Chian fez fama e fortuna com o sistema e com o também revolucionário método de gerenciamento Mon Chian, que combina com imaginação e bom-senso fraudes tributárias, contrabando e a exploração intensiva de força de trabalho infanto-juvenil em um dia dividido em três partes iguais: oito horas na fábrica, oito horas no prostíbulo e oito horas cavando com as próprias mãos o túnel subaquático que pretende conectar de forma ainda mais rápida e eficiente as economias da região, facilitando a troca de sapatos de crocodilo e bolsas de canguru australianos por fígados e rins humanos da Indonésia que abastecerão os melhores hospitais e restaurantes da Europa e dos Estados Unidos.
Disnêi, a fábrica de biscoitos Guarani e a cadeia de lojas de departamento Pancrácio foram recentemente comprados pelo conglomerado nipo-germânico de propriedade do hermafrodita cubano-americano Harvey “Pocahontas” Diaz, numa manobra radical que deixou Wall Street em discreta polvorosa por quase vinte minutos. Assim, a partir de agora Válter passa a atender pelo nome de Rodney, a Guarani transformou-se em Faktorie e a Pancrácio passa a se chamar Mon Congo Way. O mercado reagiu bem às mudanças e os efeitos dessa alegre revolução comercial, administrativa e financeira já se fazem sentir na cidade natal de Rodney Disnei, a aprazível Montezuma, bem no coração do Jequitinhonha: a cidade está também em polvorosa com a chegada dos novos executivos da Faktorie e da Mon Congo Way que foram importados diretamente do Canadá com base na nova lei de incentivo ao desenvolvimento sustentado do Vale – os novos executivos são movidos a bateria solar e prometem causar furor nos banhos públicos e bailes de debutantes da cidade, substituindo os velhos e já ventrudos executivos Belgas movidos a uísque e charutos, que já faziam parte do conjunto histórico do centro da cidade, mas ameaçavam a saúde financeira do município ao onerar muito mais os cofres públicos com manutenção e peças, já que quase sempre começavam a soltar as tiras depois de cinco anos de uso intensivo.

Comments

Anonymous said…
Por que nao:)
Anonymous said…
Your blog keeps getting better and better! Your older articles are not as good as newer ones you have a lot more creativity and originality now keep it up!

Popular posts from this blog

Protestantes e evangélicos no Brasil

1.      O crescimento dos protestantes no Brasil é realmente impressionante, saindo de uma pequena minoria para quase um quarto da população em 30 anos: 1980: 6,6% 1991: 9% 2000: 15,4%, 26,2 milhões 2010: 22,2%, 42,3 milhões   Há mais evangélicos no Brasil do que nos Estados Unidos: são 22,37 milhões da população e mais ou menos a metade desses pertencem à mesma igreja.  Você sabe qual é? 2.      Costuma-se, por ignorância ou má vontade, a dar um destaque exagerado a Igreja Universal do Reino de Deus e ao seu líder, Edir Macedo. A IURD nunca representou mais que 15% dos evangélicos e menos de 10% dos protestantes como um todo. Além disso, a IURD diminuiu seu número de fiéis   nos últimos 10 anos de acordo com o censo do IBGE, ao contrário de outras denominações, que já eram bem maiores. 3.      Os jornalistas dos jornalões, acostumados com a rígida hierarquia inst...

Poema meu: Saudades da Aldeia desde New Haven

Todas as cartas de amor são Ridículas. Álvaro Campos O Tietê é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia, mas o Tietê não é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia porque não corre minha aldeia. Poucos sabem para onde vai e donde vem o ribeirão da minha aldeia, 
 que pertence a menos gente 
 mas nem por isso é mais livre ou menos sujo. O ribeirão da minha aldeia 
 foi sepultado num túmulo de pedra para não ferir os olhos nem molhar os inventários da implacável boa gente da minha aldeia, mas, para aqueles que vêem em tudo o que lá não está, 
 a memória é o que há para além do riberão da minha aldeia e é a fortuna daqueles que a sabem encontrar. Não penso em mais nada na miséria desse inverno gelado estou agora de novo em pé sobre o ribeirão da minha aldeia.

Contos: "O engraçado arrependido" de Monteiro Lobato

Monteiro Lobato conta em "O engraçado arrependido" a história trágica de um homem que não consegue se livrar do papel de palhaço da cidade, papel que interpretou com maestria durante 32 anos na sua cidade interiorana. Pontes é um artista, um gênio da comédia e por motives de espaço coloco aqui só o miolo da introdução em que o narrador descreve o ser humano como “o animal que ri” e descreve a arte do protagonista: "Em todos os gestos e modos, como no andar, no ler, no comer, nas ações mais triviais da vida, o raio do homem diferençava-se dos demais no sentido de amolecá-los prodigiosamente. E chegou a ponto de que escusava abrir a boca ou esboçar um gesto para que se torcesse em risos a humanidade. Bastava sua presença. Mal o avistavam, já as caras refloriam; se fazia um gesto, espirravam risos; se abria a boca, espigaitavam-se uns, outros afrouxavam os coses, terceiros desabotoavam os coletes. E se entreabria o bico, Nossa Senhora! eram cascalhadas, eram rinchavelhos, e...