E aí a chuva engrossa e começa a cair um daqueles temporais violentos de fim de ano: as nuvens baixas cor de chumbo vão despejando um aguaceiro furioso em contraponto com o coro surdo dos trovões, roncando num contínuo lento e abafado, como se os céus odiassem Belo Horizonte e quisessem afogar e apagar do mapa a cidade de uma vez. E eu enfiado ali dentro, sentindo o rio tomando corpo, inchando, subindo, o bafo quente e líquido de tudo quanto é porcaria dos esgotos de Belo Horizonte se aproximando. E eu sei que eu tenho que sair rápido, mas eu não consigo. Meu corpo dói inteiro, o meu joelho parece uma bola de futebol, roxo – eu não consigo mais me mexer e sair daqui. A água não pára de subir e do buraquinho já dá para ver uma massa espessa e escura que me sussurra alguma coisa que soa como um lamento profundo e indiferente em duas vozes e que vem com o hálito quente que se desprende dos redemoinhos que atravessam a superfície da água...
Basicamente, mas não exclusivamente literatura: prosa e poesia.