Skip to main content

Escavando notas: Bolívar, 1815




Coloco em versos, esta longa frase de Bolívar, que é não apenas bolivariana mas também faulkneriana em versos porque acho que assim ela fica ainda mais bonita:

Yo considero
el estado actual de América,
como cuando desplomado el imperio romano
cada desmembración
formó un sistema político,
conforme a sus intereses y situación,
o siguiendo la ambición particular
de algunos jefes, familias o corporaciones,
con esta notable diferencia,
que aquellos miembros dispersos
volvían a restablecer sus antiguas naciones
con las alteraciones que exigían las cosas o los sucesos;
mas nosotros,
que apenas conservamos
vestigios de lo que en otro tiempo fue,
y que por otra parte
no somos indios, ni europeos,
sino una especie mezcla
entre los legítimos propietarios del país
y los usurpadores españoles;
en suma,
siendo nosotros americanos por nacimiento,
y nuestros derechos los de Europa,
tenemos que disputar a éstos a los del país,
y que mantenernos en él contra la invasión de los invasores;
así nos hallemos en el caso
más extraordinario y complicado.

Nesse trecho da famosa “Carta de Jamaica” está o germe da idéia da miscigenação como legitimação da dominação. O “nós” de Bolívar se constitui como fruto de uma marota dupla miscigenação: por um lado, esse “nós” é mescla dos legítimos proprietários [índios] e dos usurpadores [españoles], por outro é composta de americanos por nascimento e europeus por direito. Este “nós”, concebido e constituído pelo texto de Bolívar, precisa por isso lutar em duas frentes simultâneas: internamente eles lutam por seus direitos [los de Europa] contra os nativos [los del  país] tanto quanto lutam desesperadamente contra invasores externos, a trinca Inglaterra, França e Estados Unidos. Oprimidas no âmbito internacional e opressoras no âmbito interno, essas elites latino americanas estão constituídas por essa ambigüidade formadora. São um patético (ou esperto) ornitorrinco, lutando contra um pai opressor em cuja superioridade eles acreditam com todas as forças, porque só assim estão prontas para também legitimar a sua exploração secular alegando ao mesmo tempo, marotamente, “ter um pé na cozinha”.

Comments

Popular posts from this blog

Diário do Império - Antenado com a minha casa [BH]

Acompanho a vida no Brasil antes de tudo pela internet, um "lugar" estranho em que a [para mim tenebrosa] classe m é dia brasileira reina soberana, quase absoluta, com seus complexos, suas mediocridades e sua agressividade... Um conhecido, daqueles que ao inv és de ter um blogue que a gente visita quando quer, prefere um papel mais ativo, mandando suas "id éias" para os outros por e-mail, me enviou o texto abaixo, que eu vou comentar o mais sucintamente possível: resolvi a partir de amanh ã fazer um esforço e tentar, al ém do blogue, onde expresso minhas "id éias" passivamente, tentar me comunicar diretamente com as pessoas por carta... OS ALUNOS DE UNIVERSIDADES PARTICULARES DERAM UMA RESPOSTA; E A BRIGA CONTINUOU ... 1 - PROVOCAÇÃO INICIAL Estudar na PUC:............... R$ 1.200,00 Estudar no PITÁGORAS:..........R$ 1.000,00 Estudar na NEWTON:.....R$ 900,00 Estudar na FUMEC:............ R$600,00 Estudar na UNI-BH:........... R$ 550,00 Estudar na

Uma gota de fenomenologia

Esse texto é uma homenagem aos milhares de livrinhos fininhos que se propõem a explicar em 50 páginas qualquer coisa, do Marxismo ao machismo e de Bakhtin a Bakunin: Uma gota de fenomenologia Uma coisa é a coisa que a gente vive nos ossos, nos nervos, na carne e na pele; aquilo que chega e esfria ou esquenta o sangue do caboclo. Outra coisa bem outra é assistir essa mesma coisa, mais ou menos de longe. Nem a mãe de um caboclo que passa fome sabe o que é passar fome do jeito que o caboclo que passa fome sabe. A mãe sabe outra coisa, que é o que é ser mãe de um caboclo que passa fome. Isso nem o caboclo sabe: o que ela sabe é dela só, diferente do caboclo e diferente do médico que recebe o tal caboclo e a mãe dele no hospital. O médico sabe da fome do cabloco de um outro jeito porque ele já ficou mais longe daquela fome um tanto mais que a mãe e outro tanto bem mais que o caboclo. O jeito que o médico sabe da fome daquele caboclo pode ser mais ou menos só dele ainda, mas isso só se ele p

Protestantes e evangélicos no Brasil

1.      O crescimento dos protestantes no Brasil é realmente impressionante, saindo de uma pequena minoria para quase um quarto da população em 30 anos: 1980: 6,6% 1991: 9% 2000: 15,4%, 26,2 milhões 2010: 22,2%, 42,3 milhões   Há mais evangélicos no Brasil do que nos Estados Unidos: são 22,37 milhões da população e mais ou menos a metade desses pertencem à mesma igreja.  Você sabe qual é? 2.      Costuma-se, por ignorância ou má vontade, a dar um destaque exagerado a Igreja Universal do Reino de Deus e ao seu líder, Edir Macedo. A IURD nunca representou mais que 15% dos evangélicos e menos de 10% dos protestantes como um todo. Além disso, a IURD diminuiu seu número de fiéis   nos últimos 10 anos de acordo com o censo do IBGE, ao contrário de outras denominações, que já eram bem maiores. 3.      Os jornalistas dos jornalões, acostumados com a rígida hierarquia institucional católica não conseguem [ou não tentam] entender muito o sistema