Relativo ao sábado, 31 de Junho de 2012:
Qual o pior
efeito do obstinado mono-lingualismo brasileiro? A maioria das pessoas aqui
perde a oportunidade de realmente escutar a si mesmas. Num meio social em que
todos falam mais ou menos a mesma língua passam completamente batidos, por exemplo,
os muitos sons nasais e os muitos “Us” guturais que espalhamos pelas nossas
palavras e passam batidas até aquelas fatídicas vogais meio-pronunciadas no fim
das palavras, entre outras coisas que a ortografia portuguesa esconde e o
dogmatismo na alfabetização transforma em tabu. Não me falem em fatalidade quando
falamos sobre a mono-lingualismo brasileiro, pois muitas outras línguas
cruzaram nossas portas e passearam pelo país no século XX. Entre muitos
exemplos possíveis levanto apenas o mais óbvio: milhões de falantes de
italiano, espanhol, alemão, japonês e polonês vieram viver no Brasil e foram
sistematicamente desestimulados e mesmo impedidos de manter suas línguas e
ensiná-las a seus filhos e netos por causa uma política agressiva de
assimilação, política cujo símbolo mais claro está na adoção por parte das duas
maiores equipes de futebol da colônia italiana no país de nomes quase
comicamente “verde-amarelos”: Cruzeiro [do Sul] e Palmeiras.
O efeito
negativo desse mono-lingualismo é ainda muito agravado pela falta de educação
musical nas escolas. Aprender a técnica de produzir e ler música é aprender a
ouvir sons em geral com sutileza e interpretação. Volto à música das vogais e a
outras melodias e ritmos próprios que usamos e abusamos mas não percebemos
conscientemente e assim raramente nos damos ao luxo de trabalhar com eles
criticamente.
Nesse estado
de dupla-ignorância nossa cultura fica meio-surda. As pessoas perdem a
oportunidade de ouvir para valer os sons que produzem diariamente, a matéria
principal com a qual elas imaginam seu mundo e elas mesmas. É caso exemplar da
alienação mais vil e profunda que um sujeito não consiga sequer ouvir os sons que
ele mesmo produz, que não ouve o balé sutil da sua própria fala, que não ouve
seu próprio sotaque e imagina que produz uma flatulência inodora que chamamos
de “português-padrão”. Que pena.
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