Faulkner rindo da nossa cara em Los Angeles |
"So Christmas lit the cigarette and snapped the match
toward the open door, watching the flame vanish in midair. Then he was
listening for the light, trivial sound which the dead match would make when it
struck the floor. And then it seemed to him that he heard it. Then it seemed to
him, sitting on a cot in a dark room, that he was hearing a myriad sounds of no
greater volume-- voices, murmurs, whispers, of trees, darkness, earth, people,
his own voice, other voices evocative of names and times and places-- which he
had been conscious of all his life without knowing it, which were his life,
thinking God perhaps and me not knowing
that too. He could see it like a printed sentence, fullborn and already
dead God loves me too like the faded
and weathered letters of last year's billboard, God loves me too."
Berenice Xavier traduziu a passagem assim:
"Light in August" de De Kooning |
“Christmas acendeu o cigarro e atirou o fósforo para o lado
da porta aberta, contemplando a chama que se apagava a meio caminho. Em seguida
ficou à espera do som vulgar que o fósforo apagado faria quando batesse no
chão, e pareceu-lhe que o ouvia. Sentado na cama, com o quarto às escuras, logo
lhe pareceu que ouvia uma quantidade inumerável de sons que não tinham maior
volume — vozes, murmúrios, sussurros: de árvores, da escuridão, da terra, de
gente, da sua própria voz; outras vozes evocadoras de nomes, de épocas e de
lugares —, sons de que tivera consciência durante toda a sua vida sem o saber,
sons que constituíam a sua vida, e pensava: Talvez Deus também e eu, sem o
saber. Podia ver a frase impressa, completamente viva e já morta, também Deus
me ama, como as descoloridas e gastas letras do cartaz de anúncios do ano
anterior: Também Deus me ama.”
Incrível a fusão de som e imagem, o som da luz como o barulhinho
do cigarro morto batendo no chão, essa ideia de um momento breve mas intensa de
visão no meio da escuridão.
O escritor espanhol Javier Marías, numa entrevista para Paris Review, pede emprestado essas cenas de Faulkner para fazer bonito no meio de uma resposta "pensamento literário", na qual ele na verdade fala sobre que tipo de livros ele gosta de ler. Eis a passagem:
INTERVIEWER
Is that what you mean when you’ve written of pensamiento literario—literary
thinking?
MARÍAS
The term is not new, of course. As a reader—and I am more of a reader than a
writer, we all are, I suppose—I can enjoy a good story, but in a novel, which
takes time to read, a good story is not enough for me. If I close a book and
there are no echoes, that is very frustrating. I like books that aren’t only
witty or ingenious. I prefer something that leaves a resonance, an atmosphere
behind. That is what happens to me when I read Shakespeare and Proust. There
are certain illuminations or flashes of things that convey a completely
different way of thinking. I’m using words that have to do with light because
sometimes, as I believe Faulkner said, striking a match in the middle of the
night in the middle of a field doesn’t permit you to see anything more clearly,
but to see more clearly the darkness that surrounds you. Literature does that
more than anything else. It doesn’t properly illuminate things, but like the
match it lets you see how much darkness there is. Pois não é que a coisa do Javier Marías vira meme "de Faulkner" no FCBK, com direito a variadas fotos cheias de photoshopagens de fósforos, lamparinas e braseiros? Tem gente que até versifica a famigerada passagem/suposta citação assim:
O que a literatura faz
é o mesmo que acender um fósforo
no campo no meio da noite.
Um fósforo não ilumina quase nada,
mas nos permite ver quanta escuridão
existe ao redor.
Faulkner nunca falou sobre literatura nesses termos. Muito menos
em versos. Se alguém quiser uma frase estilosa de Faulkner sobre literatura,
ofereço duas anedotas, uma apócrifa e outra não:
Um editor aparece na casa de Faulkner reclamando que ele não
respondia às suas cartas. Faulkner explica:
“When I get a letter from you, I shake the envelope, and if
a check doesn’t fall out, I throw it away.”
“Quando chega uma carta sua, eu balanço o envelope e se não
cai um cheque de dentro, eu jogo tudo fora”.
Numa carta para Malcolm Cowley, um editor fundamental em
reviver no final dos anos 40 um Faulkner então totalmente esquecido, Faulkner se
recusa a deixar que façam um perfil jornalístico sobre ele e explica:
“It is my aim, and every effort bent, that the sum and
history of my life, which in the same sentence is my obit and my epitaph too,
shall be them both: He made books and he died”.
“É meu objetivo, e meu maior empenho, que a soma e a
história da minha vida, que é numa só sentença meu obituário e meu epitáfio,
sejam ambos o seguinte: Ele fez os livros e morreu”.
Comments