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Diário da Babilônia: eleições presidenciais de 2016, parte 2

Arte Minha: O Senhor é o meu pastor
4. Chegam dois candidatos à campanha presidencial. De um lado, um sujeito que traz em seu currículo seis falências, sete trocas de partido político e 3.350 disputas na justiça. Esse sujeito proporciona um ciclo interminável de discursos absurdos – colagens de frases soltas e afirmações ao mesmo tempo vagas e esdruxulas – em comícios grotescos cheios de gente que grita coisas como “Lock her up” [bota ela na cadeia] e ”Hang that Bitch!” [enforca aquela vaca].
Do outro lado, uma candidata que é uma política experiente “normal” em tudo o que isso poderia representar de ruim [dando limites claros para a sua ação] como de bom [com um currículo de atuação pública concreta e uma carreira política respeitáveis].
Quase que num reflexo do sistema bipartidário, insiste-se na imprensa num paralelismo entre os dois candidatos, tão desiguais. Discute-se, por exemplo, como equivalentes uma política externa detalhada por uma pessoa que dirigiu a política externa do seu país recentemente e uma coleção de respostas de não mais que duas frases em entrevistas esparsas no tempo. Exemplo mais impressionante dessa anemia de conteúdo: a posição do candidato sobre a uma etapa da tal guerra interminável – a invasão do Iraque – é baseada num vago “I guess so” [Acho que sim] quando perguntado sobre o assunto num programa de rádio que pode ser explicado para um brasileiro sucintamente como uma espécie de Ratinho.
Desenho meu: Auto-retrato
As tentativas de analisar de forma simétrica uma barulheira desprovida de conteúdo e um programa de governo detalhado expõem cada vez mais o abismo entre os dois candidatos e os debates na televisão são dolorosos de ver, com o contraste entre o nada e uma candidatura em todos os sentidos organizada e articulada. Pode-se gostar ou desgostar das ideias de uma candidatura política, mas como articular de forma paralela uma discordância de um nada? Como comparar um programa de governo com um completo vazio intelectual, uma expressão quase inarticulada de sentimentos como raiva, frustração e ódio, algo parecido com um grunhido?

5. Em tempos de Tuíto, controvérsia gera atenção e atenção é poder. Um exército de imbecis insuflados por fanatismos e obsessões [misoginia, religião, racismo, machismo] produz uma constante onda de boatos e alimenta polêmicas tiradas do nada. Continua a levantar poeira de um inquérito da polícia federal arquivado por causa da decisão equivocada de usar um servidor da internet para e-mails do departamento do estado [tendo sido constatado que não houve nem vazamento nem atos de espionagem propiciados pela decisão]. São convocados não menos que 10 inquéritos parlamentares sobre um notório ataque a uma embaixada dos Estados Unidos na Líbia sem chegar a nenhum tipo de condenação à atuação da candidata quando ministra. Levantam insistentemente dúvidas quando ao estado de saúde da candidata. Infindáveis polêmicas vazias são conduzidas e reconduzidas por personalidades políticas e figuras da mídia conservadora com estridência histérica.

Arte minha: a locomoção de cegos - o desejo é uma corrida rumo ao nada


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