Skip to main content

Obituário: Aretha Franklin

1. Aretha Franklin escrevia canções sobre relacionamentos e sobre desejo como uma mulher adulta e de carne e osso, e por isso mesmo os seus maiores sucessos passam longe daquelas mesmices que abastecem até hoje 90% do que toca nas paradas rádio. Claro que isso tem impacto no mundo de língua inglesa principalmente.



2. Somos todos formatados culturalmente, desde sempre e desde sempre não apenas pela família [imersa ela na cultura específica] mas depois pelos rituais coletivos, que numa cultura de massa são promovidos por rádio, televisão, cinema etc. A cultura de cada um é seu maior tesouro e sua prisão, pois a sua produção nos ensina e nos desensina o que sabemos e tudo o que ignoramos. Daí que a briga por canais de divulgação de produções culturais outras, com visões várias e inteligência, seja uma briga essencial.



3. Nesse sentido Aretha Franklin foi muito mais importante do que parece. Um grupo imenso de pessoas aprendeu com ela o valor imenso de mulheres negras que, além de não parecerem extra-terrestres de beleza idealizada [e, francamente, inatingível], possuem cabeça e coração e uma voz articulada para se expressar. Claro que isso tem impacto no mundo de língua inglesa principalmente.



4. Mais não era esse impacto que dirigia a produção de Aretha Franklin. Aretha Franklin nunca foi nem quis ser Nina Simone. As várias canções que ficaram no coração e na memória de tanta gente estão carregadas de vontade de gozar a vida, de falar alto e claro, de fazer e aparecer. De falar de sofrimento, de desejo, de raiva e de paixão. Esse desengajamento é um engajamento a se notar, principalmente para quem vive a medir tudo numa cultura pelo seu valor político.



5. As canções de Aretha Franklin estão também imersas numa tradição que viveu,  mais ou menos até a época de Aretha, confinada num gueto dentro da cultura dos Estados Unidos. Alguns poderiam pensar que Aretha teve sorte por aparecer numa época em que uma mulher negra compositora e pianista poderia construir uma carreira de sucesso e ter reconhecimento. Eu já acho que sorte mesmo tivemos nós.

Comments

Paulo said…
Realmente Aretha Franklin era fantástica!
Mauro Pereira said…
Cantora e compositora!

Popular posts from this blog

Diário do Império - Antenado com a minha casa [BH]

Acompanho a vida no Brasil antes de tudo pela internet, um "lugar" estranho em que a [para mim tenebrosa] classe m é dia brasileira reina soberana, quase absoluta, com seus complexos, suas mediocridades e sua agressividade... Um conhecido, daqueles que ao inv és de ter um blogue que a gente visita quando quer, prefere um papel mais ativo, mandando suas "id éias" para os outros por e-mail, me enviou o texto abaixo, que eu vou comentar o mais sucintamente possível: resolvi a partir de amanh ã fazer um esforço e tentar, al ém do blogue, onde expresso minhas "id éias" passivamente, tentar me comunicar diretamente com as pessoas por carta... OS ALUNOS DE UNIVERSIDADES PARTICULARES DERAM UMA RESPOSTA; E A BRIGA CONTINUOU ... 1 - PROVOCAÇÃO INICIAL Estudar na PUC:............... R$ 1.200,00 Estudar no PITÁGORAS:..........R$ 1.000,00 Estudar na NEWTON:.....R$ 900,00 Estudar na FUMEC:............ R$600,00 Estudar na UNI-BH:........... R$ 550,00 Estudar na

Uma gota de fenomenologia

Esse texto é uma homenagem aos milhares de livrinhos fininhos que se propõem a explicar em 50 páginas qualquer coisa, do Marxismo ao machismo e de Bakhtin a Bakunin: Uma gota de fenomenologia Uma coisa é a coisa que a gente vive nos ossos, nos nervos, na carne e na pele; aquilo que chega e esfria ou esquenta o sangue do caboclo. Outra coisa bem outra é assistir essa mesma coisa, mais ou menos de longe. Nem a mãe de um caboclo que passa fome sabe o que é passar fome do jeito que o caboclo que passa fome sabe. A mãe sabe outra coisa, que é o que é ser mãe de um caboclo que passa fome. Isso nem o caboclo sabe: o que ela sabe é dela só, diferente do caboclo e diferente do médico que recebe o tal caboclo e a mãe dele no hospital. O médico sabe da fome do cabloco de um outro jeito porque ele já ficou mais longe daquela fome um tanto mais que a mãe e outro tanto bem mais que o caboclo. O jeito que o médico sabe da fome daquele caboclo pode ser mais ou menos só dele ainda, mas isso só se ele p

Protestantes e evangélicos no Brasil

1.      O crescimento dos protestantes no Brasil é realmente impressionante, saindo de uma pequena minoria para quase um quarto da população em 30 anos: 1980: 6,6% 1991: 9% 2000: 15,4%, 26,2 milhões 2010: 22,2%, 42,3 milhões   Há mais evangélicos no Brasil do que nos Estados Unidos: são 22,37 milhões da população e mais ou menos a metade desses pertencem à mesma igreja.  Você sabe qual é? 2.      Costuma-se, por ignorância ou má vontade, a dar um destaque exagerado a Igreja Universal do Reino de Deus e ao seu líder, Edir Macedo. A IURD nunca representou mais que 15% dos evangélicos e menos de 10% dos protestantes como um todo. Além disso, a IURD diminuiu seu número de fiéis   nos últimos 10 anos de acordo com o censo do IBGE, ao contrário de outras denominações, que já eram bem maiores. 3.      Os jornalistas dos jornalões, acostumados com a rígida hierarquia institucional católica não conseguem [ou não tentam] entender muito o sistema