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Lendo em quarentena

Leio contos de Eça de Queiróz por prazer e por trabalho. Fico encantado com o manejo fino da norma culta da língua portuguesa, com direito a pencas de adjetivos e longas frases que escorrem na velocidade perfeita pela página. Digo isso porque li "Singularidades de uma rapariga loura" em voz alta, o que aguçou a minha percepção das idas e vindas da prosa do Eça.

Autor europeu do século XIX não faltam a Eça aquelas tradicionais sombras do pensamentos colonialista e imperialista. Mas um grande escritor consegue se superar no papel, ir mais longe do que ele mesmo. Captamos na obra seus limites e superações que têm a ver com a capacidade da literatura (nas suas raras expressões além do trivial) de ir além dos limites da época em que foi produzida.

Em "Um poeta lírico", por exemplo, temos a história de um exilado grego na Inglaterra, um poeta que trabalha como camareiro em um hotel onde o narrador se hospeda. O narrador nos conta do sofrimento de Koriscosso por amar a uma colega de trabalho que só tem olhos para um policial que patrulha ali por perto do hotel.

"Pobre Korriscosso! Se êle ao menos a pudesse comover... Mas quê! Ela despreza-lhe o corpo de tísico triste: e a alma não lha compreende... Não que Fanny seja inacessível a sentimentos ardentes, expressos em linguagem melodiosa. Mas Korriscosso só pode escrever as suas elégias na sua língua materna... E Fanny não compreende grego... E Korriscosso é só um grande homem—em grego..."

Korriscosso sofre porque o seu melhor - sua capacidade de tratar com as palavras - desaparece na Inglaterra. Em grego ele é eloquente e sedutor com as palavras, mas seu inglês só lhe dá para passar a imagem de um homem triste e melancólico e de corpo franzino.

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