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Confissão

Desenho meu: Auto-Retrato

 Essa semana aconteceu uma coisa chata comigo. Eu resolvi usar uma camiseta um pouquinho mais apertada e alguém chamou atenção para minha barriga, várias vezes em sequência, já que eu tinha ignorado o primeiro e o segundo comentário. Banal, trivial, rotineiro. Mas está doendo, fundo, até agora. Como é de costume, essa é uma daquelas dores que vem de muito longe. 

Dizem que um apelido é um gesto de aproximação. Quando eu era criança já quase adolescente, eu era rotineiramente chamado de "Baleia" e num certo momento quiseram também me chamar de "Rapariga". A intenção por trás desses dois apelidos "carinhosos" qual seria? Fazer uma aproximação agressiva? Talvez me transformar numa coisa ruim, fraca, ridícula, abjeta. Chamar a atenção para o que eu tinha/era que incomodava as pessoas à minha volta. A razão para essa agressividade era meu corpo e minha maneira de falar, meus gestos, minha voz, meu sotaque talvez. Coisas que são difíceis, talvez impossíveis de controlar completamente, ainda mais naquela idade. 

Acho que, sem realmente saber conscientemente, as pessoas que me chamavam assim queriam que eu parasse de ser como eu era. Eles me achacavam para que eu falasse mais grosso e que eu fosse magro.  Que eu fosse diferente do que eu era. Talvez não; talvez fosse pura crueldade, a vontade de esmagar, de destruir alguém. Juro que se eu desse conta de mudar teria mudado só para me ver livre desse olhar de desprezo e ódio. Mas era e é difícil demais, por motivos muitos, insondáveis ao mundo das razões e necessidades e desejos conscientes. 

E acho meio tola essa linguagem da positividade que fala em ter "orgulho" justamente daquelas características que atraem da sociedade desprezo e rejeição. Como se, num passe de mágica, a gente pudesse ter orgulho daquelas coisas que as pessoas viam [e vêem] como fonte de vergonha e inferioridade. Eu não tenho orgulho de nada disso e ainda sinto tristeza e vergonha. Eu sou assim e não consigo ser diferente. E essas velhas feridas, como doem...

Comments

Daniel said…
Ei Paulo,

Tive experiências bem parecidas na infância/adolescência e até hoje ainda tenho a mesma insegurança que você.

Ontem, quando vi seu post, fiz questão de ir para a piscina para ficar sem camisa (e tive que fazer um esforço consciente de não ficar escondendo a barriga).

Acho que não existem fórmulas pra gente superar esses traumas. Mas, se serve de algum consolo, seu post me ajudou a lidar um pouquinho com isso.

Abração e espero que você esteja melhor hoje
Obrigado, Daniel! Vamos ter que lidar com isso, né? Não há outro remédio.
Unknown said…
Não sei se o blogspot vai aceitar o link (nem sempre aceita) mas vi um texto do papodehomem que achei que poderia te interessar também
papodehomem.com.br/fala-que-nem-homem-mas-o-que-e-falar-que-nem-homem

PS: também não sei porque não consigo mudar de conta para comentar, mas fica o abraço forte de novo

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