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Minhas cidades

Resolvi escrever sobre "minhas cidades", inspirado por um post interessante que você pode ler aqui. Minha lista é bem menos glamurosa, admito, mas é o que temos por hoje.

1. Belo Horizonte

Onde cresci e virei gente. Lá encontrei a pessoa com quem compartilhei toda a minha vida - e ela, sim, é uma belorizontina legítima. Para mim as coisas foram um pouquinho mais complicadas porque eu nasci no odiado Rio de Janeiro, filho de uma família de odiados cariocas torcedores do odioso Flamengo. Essa rejeição me marcou, mas sou belorizontino também - se eu não contasse isso aqui ninguém saberia. Lá é para onde volto todos os anos entre junho e julho. Amo os invernos secos e ensolarados de Belo Horizonte. A cidade é um lugar que eu amo e odeio ao mesmo tempo. Amo por causa de certas pessoas e certos bairros com sabor de cidade do interior e o caótico e fantástico centro. Odeio o fato de que uma cidade planejada vive desde que me conheço por gente nas mãos de um bando de piratas do transporte público e da especulação imobiliária. Juntos eles enlataram a população da cidade em ônibus e apartamentos feiosos, que vão aos poucos destruindo o meu lado da Serra, deixado por último talvez pela proximidade umbilical com a favela do cafezal. Belo Horizonte é onde me formei como professor e, sinceramente, como gente.



2. Rio de Janeiro

Onde nasci e passei muitos e muitos verões e invernos de férias. Amo especialmente Santa Teresa e o Centro. São lugares onde até hoje ainda me sinto em casa, perambulando ao léu. A cidade do Rio de Janeiro também é a minha origem, a cidade dos meus pais, a cidade de muitos parentes mais ou menos distantes e de um irmão muito querido e sua família muito querida. Sinto não poder conviver com eles mais. Para mim o Rio de Janeiro é uma cidade de livrarias, museus e bares mais do que a cidade da praia, embora eu tenho aproveitado relativamente bem a praia na minha infância - tenho lembranças boas de horas e horas sozinho pegando jacarés, cavando buracos e construindo castelos de areia, pais e responsáveis sentados por perto.



3. Santa Bárbara

Onde vivi por dois anos e depois um semestre. Onde nasceu meu filho num começo de verão em Junho - evento que mudou por demais a minha vida. Onde me formei como pesquisador e li muito de tudo. Onde comecei a escrever nesse espaço. Onde cheguei, pressionado por falta de dinheiro ao primeiro fundo do poço da depressão. Outros, piores, viriam depois, em outras cidades. Voltei a Santa Bárbara recentemente, convidado para um evento sobre a Semana de Arte Moderna. Santa Bárbara continua um agradável e adorável paraíso de plástico, lindo e complacentemente rico: clima sempre ameno, céu sempre  intensamente azul, montanhas e praias sempre lindas. E quase impossível viver lá sem carro - mas por seis meses eu vivi assim e tive que andar quilômetros e correr para pegar o último ônibus do dia às 6 da tarde. Nunca mais fui tão saudável.  



4. New Haven

Lá vivi por longos nove anos. Aprendi muito sobre muitas coisas, visitando semanalmente uma biblioteca gigantesca, infinita, cheia de surpresas. Lá deixei minha saúde, meu orgulho e minhas ilusões. Lá nasceu minha filha, num dia de neve e frio em Dezembro. Gostava muito daquela ex-cidade industrial, esculachada, desprezada, fábricas abandonadas largadas ao léu, mas cheia de gente bacana. Vivi no ghetto de Yale de aluguel alguns anos - um ninho de gente pedante e competitiva ao extremo, como eu deveria ter sido. Depois de lá morei num bairro que era pra mim o melhor da cidade: misturado, tranquilo, arborizado. Um dia vimos um bando de perus selvagens atravessando nosso quintal sem cercas; outro, um veadinho indo para o parque/matagal perto da nossa casa. Nossa casa era uma glória de 1930, gentilmente protegida pelos fantasmas da família Greenhouse, que lá moraram desde a construção. Um grupo de moradores do bairro se reunia nos meses quentes para cuidar dos jardins comuns do bairro e tentar transformar parte do matagal em um jardim. Em New haven aprendi a ser jardineiro amador - viver mexendo na terra e nas plantas e esquecer da vida lá fora, um pouco como o menino que cavava buraco e levantava castelos na praia no Rio. Ali aprendi como é bom viver de verdade com quatro estações no ano e como, em geral, são ridículas as queixas sobre "frio" no Brasil. Os invernos eram longos e duros, mas as primaveras, no começo chuvosas e ainda bem frias, anunciavam a bonança de abril, justamente o mês do meu aniversário. Tivemos pena da nossa decisão - absolutamente necessária - de cortar um velho carvalho de mais de cem anos que cuidava do nosso quintal, mas podia cair a cair momento - em New Haven descobri a dura lição de que nem as árvores são eternas.   



5. Norman

Aqui tenho oportunidade de morar numa casa projetada por um arquiteto de primeira qualidade, uma casa feita para ele mesmo e sua família, de novo com quintal amplo para aventuras de jardinagem que se renovam a cada primavera. Aqui temos duas cachorras adotadas do abrigo - cachorros sabem o que realmente importa: estar junto, carinho, comida, uma cama macia e quentinha e um quintal para correr e perseguir impertinentes esquilos [de dia] e gambás [de noite]. Aqui temos a presença constante dos povos indígenas, mesmo depois de tantos esculachos e palhaçadas num lugar que comemora a corrida para a grilagem - autorizada pelo governo - das terras indígenas como fundação do estado. Muita gente boa e bacana nós conhecemos aqui também. O clima é meio complicado - tornados e chuvas torrenciais entre períodos de seca e um verão para Cuiabá nenhum botar defeito. Daqui não saio tão cedo, ainda que morra de saudades de Belo Horizonte e do Rio de Janeiro. Aqui acho que meu filho encontrou a paz que ele merece. Aqui minha filha vai se transformando em moça - gosto tanto deles que até dói. Aqui descobri que ter filhos é uma experiência bem variada - são mais ou menos 15 anos e eles querem distância da gente e a gente precisa reaprender a viver em casal - uma nova descoberta.  




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